Cel Paulo Silva Gomes - Uma Nova Guerra nas Estrelas?

Olá leitor

Veja abaixo leitor um interessantíssimo artigo escrito pelo Cel. Paulo Silva Gomes publicado que foi dia (06/05) no "Jornal Estado de São Paulo", e postado dia (07/05) no site “Defesanet”. Vale a pena conferir.

Duda Falcão

COBERTURA ESPECIAL - ESPECIAL ESPAÇO - TECNOLOGIA

Cel Paulo Silva Gomes - Uma Nova Guerra nas Estrelas?

Passados 70 anos da criação das Forças Aéreas, estão surgindo as Forças Espaciais

Por Cel Cav Paulo Roberto da Silva Gomes Filho
O Estado de S.Paulo
06 de maio de 2019

Órbita dos detritos (fragmentos) gerados com o teste Anti-satélite (ASAT), Missão Shakti da Índia.

No dia 27 de março, um evento causou surpresa e chamou a atenção para uma corrida silenciosa que está sendo travada pelas maiores potências militares do planeta: a disputa pelo domínio militar na última fronteira da humanidade, o espaço. A Índia anunciou ao mundo o sucesso no lançamento de um míssil que tinha por alvo um satélite do próprio país.

O alvo, que estava a altitude aproximada de 300 km, foi atingido e destruído. Assim a potência hindu se juntou ao seletíssimo grupo de três países, EUA, Rússia e China, capazes desse extraordinário feito militar.

O primeiro-ministro Narendra Modi comemorou: “A Índia obteve uma conquista inédita hoje. O país gravou seu nome dentre as potências espaciais”.

Os satélites desempenham papel fundamental na guerra moderna. Por eles transitam os fluxos de comunicações e dados. Guiam as famosas “armas de precisão cirúrgica” e as aeronaves remotamente pilotadas, os drones. São responsáveis pelo imageamento do campo de batalha, desempenhando papel decisivo na obtenção e difusão de dados de inteligência. Compõem as constelações responsáveis pelos sistemas GPS e similares, onipresentes em aplicações militares e em diversos e muito populares aplicativos em uso pela moderna sociedade civil.

Mas o sucesso da Missão Shakti, como foi batizada, não está somente na constatação de que agora os indianos podem destruir satélites inimigos. Como os avanços tecnológicos são na maioria das vezes de uso dual, o êxito também significa que o país atingiu invejável avanço na tecnologia que permite a fabricação de mísseis capazes de interceptar mísseis inimigos.

Perfil da Operação Shakti, em documento divulgado pela organização indiana DRDO. 

As reações internacionais foram imediatas. A mais veemente veio do Paquistão, país que está envolvido em disputa militar com a Índia pela posse da região da Caxemira, há décadas. O ministro das Relações Exteriores declarou que “o espaço é uma herança comum da humanidade e toda nação tem a responsabilidade de evitar ações que possam levar à sua militarização”.

A China, que na década de 1960 travou conflito armado com a Índia pela região do Tibete do Sul, reagiu cautelosamente. Expressou sua esperança de que “todos os países possam promover a paz e a tranquilidade no espaço”. Interessante notar que a China já tinha efetuado teste semelhante em 2007.

O secretário de Defesa dos EUA, Patrick Shanahan, alertou para os riscos causados pelos detritos produzidos por esse tipo de teste. O general David D. Thompson, subcomandante do Comando Espacial da Força Aérea dos EUA, expressou-se na mesma direção. Questionado por repórteres, declarou que esse tipo de teste preocupa não só pelo risco para os satélites dos EUA, “mas também pela produção de detritos que podem permanecer no espaço por longo tempo, o que pode causar danos em efeito cascata”.

Apesar da reação internacional, parece ser tarde para impedir a militarização do ambiente espacial. Embora até hoje nunca tenha havido uma ação militar àquela altitude, as potências militares do planeta preparam-se a passos largos para essa realidade. A Estratégia de Defesa dos EUA reconhece que a competição entre as grandes potências é o principal desafio à sua segurança e que o espaço é um dos domínios onde essa competição se travará. Reconhece, ainda, que China e Rússia têm capacidade de atuar militarmente no espaço, reduzindo gravemente a efetividade militar do país e de seus aliados. Para se contrapor a isso, em 2018, o presidente Trump declarou a intenção de criar a United States Space Forces (USSF), Força Espacial dos EUA, uma nova Força Armada. Em março deste ano o Ministério da Defesa americano encaminhou a proposta de criação da nova Força ao Congresso. Caso o Congresso aprove, a nova Força será criada em 2020.

Em 2015 a China promoveu uma grande reestruturação de suas Forças Armadas. Foram criadas duas novas Forças, a Força de Foguetes e a Força Estratégica de Apoio, esta para atuar nos domínios cibernético e espacial. Apesar da pouca informação disponível, parece claro que essas Forças foram criadas, dentre outras finalidades, com o foco no domínio espacial.

Fragmentos gerados pela destruição do satélite na missão Shakti .

A Rússia, a exemplo da China, também reorganizou recentemente suas Forças militares. Em 2015 as capacidades espaciais dispersas pelas Forças Armadas foram reunidas numa nova Força, batizada como Força Aeroespacial de Defesa. A doutrina russa de defesa, de 2010, assim como a norte-americana, atribui ao espaço uma função essencial, afirmando que “assegurar a supremacia na terra, no mar, no ar e no espaço será fator decisivo para que os objetivos sejam atingidos”.

A década de 1940 assistiu ao nascimento das Forças Aéreas. O lançamento das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki mostrou a um mundo estarrecido a capacidade destruidora do armamento transportado e lançado por aviões bombardeiros. Foi o auge da teoria geopolítica do poder aéreo, cujo maior expoente, Alexander Seversky, em sua obra A Vitória Pela Força Aérea, já destacava a importância estratégica dos vetores aéreos de combate e do domínio do espaço aéreo. Setenta anos se passaram e agora assistimos ao surgimento das Forças Espaciais. Mas, diferentemente das Forças Aéreas, que foram criadas em praticamente todos os países soberanos, a criação das Forças Espaciais exige tecnologias ainda muito restritas, sem falar de uma reserva de capitais indisponível para a grande maioria das nações.

Se é certo que o mundo ainda é castigado pela guerra, que neste momento assola muitos países, ceifando a vida de soldados e civis, também é correto afirmar que o equilíbrio obtido pela ameaça de destruição mútua assegurada dos tempos da guerra fria impediu que se deflagrasse uma guerra nuclear entre as superpotências do planeta. Resta saber se esse equilíbrio será mantido também no ambiente espacial.


Fonte: Site do defesanet.com

Comentário:  Pois é leitor, esse artigo do Cel Paulo Silva Gomes é muito interessante por abordar um outro lado da questão apresentada pelo pesquisador brasileiro ‘Rui Botelho’ em seu “Estudo do Problema da Geração de Detritos Orbitais Com a Destruição do Satélite Microsat-R pelo Míssil Antissatélite Indiano PDV MK II” (veja aqui).

Comentários

  1. Caro Duda,

    Agradeço a referência feita no seu comentário sobre o excelente artigo do Cel Paulo Silva Gomes.

    A excelente contextualização e análise do evento do ASAT indiano feita pelo Coronel, como mais um marco de uma tendência de militarização do espaço, atualiza, complementa e reforça a caracterização e compreensão de como esse fenômeno está se tornando mais real a a cada dia e como devemos estar atentos a isso, conforme visto em outros texto publicado aqui no Brazilian Space, desde de 2011, sobre esse tema, quais sejam:

    - COPUOS - Posição do Brasil Sobre o Uso Pacífico do Espaço - José Monserrat Filho - Junho 2011 - Fonte: Site da AEB (https://brazilianspace.blogspot.com/2011/06/copuos-posicao-do-brasil-sobre-o-uso.html);
    - Desafio Global: A Segurança no Espaço - José Monserrat Filho - Fevereiro de 2012 - Fonte: Site da AEB (https://brazilianspace.blogspot.com/2012/02/desafio-global-seguranca-no-espaco.html);
    - Não Ser o Primeiro a Instalar Armas no Espaço - José Monserrat Filho - Dezembro de 2014 - Fonte: Blog Panorama Espacial (https://brazilianspace.blogspot.com/2014/12/nao-ser-o-primeiro-instalar-armas-no.html);
    - Democratização e Militarização do Espaço: Pode? - José Monserrat Filho - Dezembro de 2014 - Fonte: Blog Panorama Espacial (https://brazilianspace.blogspot.com/2015/05/democratizacao-e-militarizacao-do.html);
    - Será Esse o Começo de Uma Militarização Disfarçada (ou Explícita) do Espaço? - Rui Botelho - Julho 2018 - Fonte: Blog Brazilian Space (https://brazilianspace.blogspot.com/2018/07/sera-esse-o-comeco-de-uma-militarizacao.html).

    Abraço,

    ResponderExcluir

Postar um comentário