O Retorno à Lua
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo publicado na edição
de junho de 2019 da “Revista Pesquisa FAPESP” tendo como destaque a iniciativa americana
de uma nova missão lunar tripulada para a Lua, agora tendo como meta um
assentamento permanente.
Duda Falcão
CAPA
O Retorno à Lua
Estados Unidos tentam antecipar para 2024 o regresso ao
satélite natural da Terra, agora, com a meta de iniciar um assentamento
permanente
Por Ricardo Zorzetto
Revista Pesquisa FAPESP
Edição 280 - Jun de
2019
Foto: NASA
Lua cheia, fotografada pela sonda lunar Reconnaissance
Orbiter.
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A pouco mais de um mês de completar 50 anos da chegada do
homem à Lua, intensifica-se a movimentação no setor aeroespacial para permitir
o retorno ao satélite natural da Terra. Nas últimas semanas, duas empresas
privadas norte-americanas, a Blue Origin e a Lockheed Martin, apresentaram o
desenho de módulos de pouso capazes de transportar astronautas de uma estação
espacial a ser instalada na órbita lunar à superfície do astro e, dali, de
volta a essa estação, à qual se acoplarão os foguetes lançados da Terra. Em 1o de
maio, a Boeing concluiu uma versão de testes em tamanho real da estação que a
Nasa, a agência espacial norte-americana, planeja instalar na órbita lunar a
fim de servir de base para a exploração do satélite terrestre e um possível
envio de missões interplanetárias.
Em 20 de julho de 1969, um domingo, dois astronautas
norte-americanos pisaram a superfície poeirenta da Lua em decorrência de uma
acirrada corrida de demonstração de poder militar e tecnológico entre os
Estados Unidos e a extinta União Soviética. Como antes, o desejo de voltar ao
satélite terrestre envolve de novo interesses políticos, marcados pela
capacidade de mobilizar os recursos humanos e financeiros para alcançar a meta,
além da busca pela primazia tecnológica. O discurso oficial, porém, trata dos
objetivos científicos e de planos de exploração de riquezas naturais e criação
de uma cadeia econômica envolvendo atividades como mineração, comunicação,
transporte de cargas e passageiros, entre outras possibilidades.
Cinco décadas após a primeira alunissagem, os Estados
Unidos continuam sendo os protagonistas de um possível retorno à Lua, dessa vez
ameaçados pela China. No plano mais imediato, a ideia de ir à Lua e estabelecer
uma base por lá está embebida, nos Estados Unidos, de um sentimento de orgulho
nacional, além da ambição do presidente Donald Trump de deixar uma marca
grandiosa de sua passagem pela Casa Branca. Pouco após assumir a presidência
dos Estados Unidos em 2017, eleito pelo Partido Republicano, ele demonstrou o
desejo de gerar um legado na área espacial quase tão marcante quanto o do
democrata John Kennedy, que, no início dos anos 1960, convenceu o país a levar
o homem à Lua como forma de mostrar a superioridade tecnológica norte-americana
frente à União Soviética, que liderava a corrida espacial. Em abril de 1961, os
soviéticos foram os primeiros a enviar um ser humano ao espaço, o cosmonauta
Yuri Gagarin.
Ainda em 2017, ao pedir o orçamento da Nasa e estabelecer
o objetivo de levar seres humanos a Marte na década de 2030, Trump perguntou a
Robert Lightfoot Jr., à época administrador em exercício da agência espacial,
se não seria possível realizar a missão antes do fim de seu primeiro mandato,
em 2020. O diálogo, ocorrido na Casa Branca, foi descrito por Cliff Sims,
ex-oficial de comunicação de Trump, no livro Team of vipers (Equipe
de víboras), publicado neste ano. Pouco depois, Trump restabeleceu o
Conselho Nacional do Espaço (NSC), órgão da presidência que determina as
diretrizes espaciais norte-americanas, e definiu uma meta mais modesta: levar
astronautas à Lua até 2028. Em março deste ano, o plano mudou, e a viagem foi
antecipada para 2024 – possivelmente na esperança de que ocorra ao fim de um
eventual segundo mandato de Trump.
Foto: NASA
Representação artística da cápsula Órion, que deverá servir para o transporte de astronautas da Terra à órbita lunar. |
Voltar à Lua até essa data, dessa vez para estabelecer
uma base de exploração por lá, é uma meta audaciosa com prazo exíguo. Em seis
décadas, cerca de 130 missões tripuladas ou não foram enviadas ao satélite
terrestre por um clube seleto (Estados Unidos, União Soviética, Japão, China,
Índia, Europa e Israel). Os Estados Unidos, no entanto, foram os únicos a
colocar pessoas na superfície lunar e continuam sendo um dos poucos países com
tecnologia, conhecimento e dinheiro para repetir o feito, embora surja no
cenário outra potência econômica determinada a demonstrar poderio tecnológico:
a China, que tem um setor espacial em ascensão.
Nas duas últimas décadas, a agência espacial chinesa
(CNSA) instalou, por conta própria, duas estações espaciais (Tiangong 1 e 2) na
órbita da Terra, levou 11 astronautas chineses (taikonautas) ao espaço e enviou
nove missões não tripuladas à Lua, das quais sete foram bem-sucedidas e
colocaram sondas na órbita lunar ou naves em sua superfície. A mais recente, a
Chang’e 4, pousou em janeiro deste ano uma nave e um jipe-robô no lado distante
do satélite terrestre. “Hoje, a China é o único país que tem razões fortes para
levar seres humanos à Lua”, afirma o engenheiro mecânico José Bezerra Pessoa
Filho, pesquisador aposentado do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE),
estudioso da história e da política da corrida espacial. “Ela se estabelecerá
como potência global definitiva quando um de seus taikonautas puser os pés lá.”
A nova missão norte-americana rumo à Lua recebeu em maio
o nome oficial de Artêmis, deusa grega da natureza e da caça, irmã gêmea do
deus Apolo, que emprestou o nome ao programa tripulado da NASA dos anos 1960.
Para que Artêmis não fique no papel, a agência norte-americana e as empresas
que colaboram com ela terão de apertar o passo e receber investimento pesado. É
preciso completar o desenvolvimento do Space Launch System (SLS), um
superfoguete capaz de alcançar a Lua, que, se tudo der certo, deve voar pela
primeira vez no próximo ano. Também é necessário concluir os testes da cápsula
Órion, o meio de transporte dos astronautas da Terra ao Gateway, a estação
espacial a ser construída na órbita lunar. Essa estação deverá estar
parcialmente pronta até 2024, para permitir repetidos pousos lunares em módulos
reutilizáveis que ainda não existem – nas missões Apollo, as naves desciam uma
única vez e depois retornavam à Terra.
“O presidente desafiou a Nasa a desembarcar a primeira
mulher americana e o próximo homem americano no polo Sul da Lua até 2024, para,
em seguida, estabelecer uma presença sustentada na Lua e ao seu redor até
2028”, contou William Gerstenmaier, administrador associado de Exploração e
Operações Humanas da NASA, à Pesquisa FAPESP. Em entrevista por
e-mail, ele afirmou que os esforços serão liderados pelos Estados Unidos, com
envolvimento significativo de parceiros internacionais. A Agência Espacial
Europeia (ESA), por exemplo, já provê os sistemas de propulsão e de energia da
cápsula Órion, e o Canadá deve fornecer parte da robótica do Gateway. “Criamos
padrões de interoperabilidade internacionais que permitirão que qualquer nação
participe de nossos planos”, explicou Gerstenmaier.
Foto: NASA
Concepção artística do foguete SLS, atualmente em
desenvolvimento.
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Por Que Voltar
Em dezembro de 1972, os astronautas da Apollo 17, Eugene
Cernan e Harrison Schmitt, foram os últimos seres humanos a pisar a Lua.
Demonstrada a superioridade dos Estados Unidos no espaço, o programa Apollo,
que consumira parte importante do orçamento norte-americano, foi encerrado.
Desde então, ninguém mais esteve lá. O desejo de retornar, porém, não
desapareceu. Depois de a Nasa investir em missões não tripuladas (mais baratas)
para outros destinos no Sistema Solar, em 2004, George W. Bush solicitou à
agência um plano de exploração tripulada com retorno à Lua até 2020 e Marte
como destino final. Estimativas iniciais indicaram que esse programa, o
Constellation, consumiria em 10 anos US$ 230 bilhões (valores de 2004). Houve
avanços iniciais, mas, ante a necessidade de recursos vultosos, Barack Obama o
encerrou em 2009, mantendo o desenvolvimento do foguete SLS e da cápsula Órion.
Os entusiastas enumeram razões para voltar à Lua. Uma é
que há muito a aprender antes de mirar alvos mais desafiadores, como Marte. Por
exemplo, sabe-se pouco sobre o que ocorre com o corpo humano após longos
períodos em ambiente de baixa gravidade e exposto à radiação cósmica. Mesmo os
astronautas que permaneceram mais tempo no espaço, na antiga estação russa Mir
ou na ISS (Estação Espacial Internacional), não passaram tempo suficiente em
baixa gravidade e expostos à radiação para simular a vida na Lua ou uma viagem
a Marte.
A proximidade da Lua também pesa a favor de usá-la como
campo de provas. A distância que a separa da Terra varia de 363 mil a 405 mil
quilômetros, que podem ser percorridos em três dias. Já Marte, nos períodos de
maior proximidade, fica 130 vezes mais longe, a 55 milhões de quilômetros de
distância, o que representa ao menos nove meses de viagem. “A Lua é onde,
juntos, desenharemos, desenvolveremos e testaremos os sistemas que, por fim,
nos ajudarão a enviar astronautas ao planeta vermelho”, afirma Gerstenmaier.
Ir à Lua não exige o desenvolvimento de tecnologias
completamente inovadoras, segundo Oswaldo Loureda, fundador e diretor-técnico
da Acrux Aerospace Technologies, startup brasileira especializada na produção
de pequenos foguetes, drones e estruturas para microssatélites. Desde o
programa Apollo, sabe-se chegar lá. “O desafio atual são o cronograma e os
custos”, afirma. Tão importante quanto concluir o desenvolvimento de um foguete
poderoso é completar os testes para a certificação de que as cápsulas em
desenvolvimento são seguras para transportar seres humanos.
Para retornar à Lua, será preciso
concluir o desenvolvimento do
foguete SLS e da cápsula Órion
Agências espaciais, especialistas e amantes da exploração
do espaço elencam outros interesses científicos para justificar um retorno à
Lua e a construção de uma base para ocupação humana. Um é investigar a geologia
do astro, possivelmente formado há cerca de 4,5 bilhões de anos dos pedaços de
rocha remanescentes do impacto de um planeta chamado Theia, do tamanho de
Marte, contra a Terra. A ausência de atmosfera (não venta nem chove por lá)
preservaria estruturas na paisagem lunar que ajudariam a compreender a evolução
do Sistema Solar. Imagina-se, por exemplo, que as crateras lunares sejam
cicatrizes de um intenso bombardeio de meteoros ocorrido há 4 bilhões de anos –
na Terra, esses sinais foram apagados pelo intemperismo e pela movimentação das
placas tectônicas.
“Vejo a Lua como um portal para a exploração do espaço
profundo”, diz o engenheiro espacial Antônio de Almeida Prado, especialista em
manobras orbitais e trajetórias espaciais do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE). A gravidade na Lua é seis vezes inferior à terrestre. Por
essa razão, a superfície lunar ou estações espaciais em sua órbita permitiriam
lançar naves e sondas maiores e com mais massa do que a partir da Terra,
abrindo caminho para missões mais distantes e longas.
Interesses econômicos também guiam o retorno e a possível
colonização do satélite terrestre. Estudos sugerem que a Lua teria uma
quantidade importante de minerais raros. Lá, haveria também grandes
concentrações de hélio 3, uma versão do elemento químico hélio rara na Terra e
que, em princípio, permitiria realizar reações termonucleares, com a liberação
de muita energia. Da água congelada nas crateras do polo Sul, seria possível
extrair oxigênio para os astronautas e hidrogênio para ser usado como
propelente dos foguetes. Empresas privadas nos Estados Unidos e na Europa e
países como a China já vislumbram formas de explorar esses recursos, em uma
possível corrida mineralógica que movimentaria uma economia trilionária. Esse
cenário, porém, depende do barateamento das viagens por meio do uso de naves e
foguetes reaproveitáveis.
O estabelecimento de uma colônia humana lunar poderia
ainda servir de experimento sociológico e antropológico, na opinião do
engenheiro e empreendedor brasileiro Sidney Nakahodo, cofundador e
diretor-executivo da New York Space Alliance, startup sediada nos Estados
Unidos que fomenta o desenvolvimento de startups espaciais. Professor da Escola
de Administração Pública e Relações Internacionais (SIPA), da Universidade Columbia,
Nakahodo projeta que os moradores de assentamentos humanos fora da Terra
poderiam criar novas formas de organização social e de exploração econômica,
regidas por um arcabouço legal que ainda estaria por ser definido.
Foto: NASA
O jipe-robô Yutu-2, fotografado pela sonda chinesa
Chang’e 4, que pousou em janeiro na face distante da Lua.
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O Tratado do Espaço Sideral, de 1967, impede que seus
signatários reclamem a posse de territórios em outros corpos celestes. Também
estabelece que a exploração deve beneficiar a humanidade e libera os Estados
para levá-la adiante. Na ausência de um consenso internacional, Nakahodo
projeta que a ocupação e a exploração lunar seguirão os moldes do que ocorreu
na Antártida. Em documento assinado em 1959, os 12 países que reclamavam posse
de partes continentais da Antártida se comprometeram a suspender suas
pretensões por tempo indeterminado. O texto estabelece que outros países que
desejem participar das discussões sobre o continente devem demonstrar que
realizam pesquisas científicas substanciais na região. “Se houver um tratado
nesses moldes, o Brasil só será ouvido caso se mostre capaz de desenvolver
pesquisas relacionadas à Lua”, diz Nakahodo.
Por ora, sem programas governamentais destinados a
estudar a Lua, o Brasil conta com um projeto privado, o Garatéa-L, que pretende
enviar um nanossatélite para a órbita lunar. “Colocar um equipamento próximo à
Lua e manobrá-lo pode permitir ao país entrar para um clube restrito”, afirma
Carlos Augusto Teixeira de Moura, presidente da Agência Espacial Brasileira
(AEB). “Seria uma demonstração de capacidade técnica que nos daria alguma voz
em um cenário internacional futuro.”
Antes que essas possibilidades se tornem realidade, no
entanto, é preciso recuperar a capacidade de voltar à Lua, algo que não será
tão fácil quanto Trump desejaria. Em 16 de maio, um projeto de lei da Câmara
dos Representantes dos Estados Unidos – o equivalente à Câmara dos Deputados
brasileira – adicionou US$ 1 bilhão ao orçamento da Nasa para o ano fiscal de
2020. Com o acréscimo, a agência deve receber cerca de US$ 23 bilhões, o
equivalente a cerca de 0,5% dos gastos federais norte-americanos, muito
distante dos 4% consumidos no auge do programa Apollo. Mesmo com a
suplementação, a verba da agência deve ser insuficiente para o retorno à Lua
até 2024 – alguns especialistas estimam que seriam necessários acréscimos
anuais de US$ 5 bilhões a US$ 8 bilhões pelos próximos anos para atingir a
meta.
A verba adicional aprovada em maio é quase 40% inferior à
solicitada por Trump. Na véspera da aprovação, congressistas do Partido
Democrata, de oposição ao governo, viram com desconfiança a emenda orçamentária
da Casa Branca. “Vou reservar meu julgamento sobre o plano geral de pouso na
Lua até que o Congresso receba informações mais concretas sobre a iniciativa”,
declarou a deputada democrata Eddie Bernice Johnson, do Texas, que preside o
Comitê de Ciências da casa. Segundo reportagem de 16 de maio da revista SpaceNews,
especializada em política e negócios do setor espacial, Johnson está
interessada em conhecer algo ainda não revelado: o custo total e os detalhes
técnicos da missão.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 280 - Junho de
2019
Comentário: Pois é leitor, pelo visto o Governo Trump
terá uma missão muito árdua para conseguir junto ao Congresso Americano a aprovação
das verbas extras para que a NASA possa cumprir essa Meta de 2024. No momento
eu até arriscaria dizer que, muito mais árdua nesse sentido do que foi para o
ex-presidente John Kennedy na época do Projeto Apollo. Sinceramente eu não acredito que nesse
momento essa meta seja cumprida em 2024 como deseja o Presidente Trump, mas
vamos ficar na torcida. Agora leitor, mudando para o nosso universo, as seguintes declarações do Presidente da AEB, o Sr. Carlos Moura, sobre a Missão Lunar Brasileira Garatéa-L, ou seja, “Colocar um equipamento próximo à Lua e manobrá-lo pode permitir ao país entrar para um clube restrito. Seria uma demonstração de capacidade técnica que nos daria alguma voz em um cenário internacional futuro”, nos trás a esperança de que os rumos dentro de nossa agencia espacial possam realmente caminhar em direção a luz e não da obscuridade e da inanição como ocorria na época das famosas coelhadas. Tomara, tomara mesmo que sim.
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