Entrevista: Governança Aeroespacial Precisa Integrar Indústria
Olá leitores e leitoras do BS!
Segue abaixo mais uma dessas entrevistas realizadas pelo
site ‘Geocracia’, esta publicada dia (28/08),
e desta vez com o Sr. Carlos Eduardo Valle Rosa, coronel aviador da reserva da
Força Aérea Brasileira (FAB) e autor do recente livro Geopolítica Aeroespacial: Conhecimento Geográfico e Abordagem
Estratégica.
Pois então amigos
leitores, não poderíamos deixar de publicar essa entrevista aqui no BS, e no momento
certo, durante a nossa coluna ‘Espaço Semanal’ desta próxima quinta-feira
(01/09), iremos abordar o que defendeu o Sr. Carlos Eduardo Valle Rosa nesta sua
entrevista ao 'Geocracia'.
ENTREVISTAS
Governança Aeroespacial Precisa Integrar Indústria
Por Geogracia
28 de agosto de 2022
Fonte: Site Geogracia - https://geocracia.com
Foto: Hialy Braga
A origem de nosso setor aeroespacial fez surgir vários
atores públicos que necessitam ser integrados em objetivos e projetos comuns,
de forma que possa haver sinergia entre as relevantes iniciativas de cada um
desses atores”. A opinião é de Carlos Eduardo Valle Rosa, coronel aviador da
Reserva da Força Aérea Brasileira (FAB) e autor do recente livro Geopolítica Aeroespacial: Conhecimento Geográfico e Abordagem
Estratégica.
Doutor em Geografia (Geopolítica) e mestre em Ciências
Aeroespaciais, Valle Rosa diz em entrevista à Agência Geocracia que, apesar das
dificuldades, “existe potencial nacional para o desenvolvimento de iniciativas
no setor” que posicionem o país adequadamente no contexto da geopolítica
aeroespacial” e que uma das saídas é contar com o aporte de empresas privadas
para complementar o orçamento público.
Em seu livro, você formula o conceito geopolítica
aeroespacial a partir do estudo da geografia e de variáveis políticas,
econômicas, tecnológicas e ideológicas. O que seria exatamente essa geopolítica
aeroespacial? Quais são as aproximações e as diferenças com o conceito de
astropolítica utilizado internacionalmente?
A questão central, e ao nosso ver inovadora, é a
incorporação aos estudos geopolíticos de uma nova perspectiva geográfica, cuja
representação se dá no conceito de ambiente aeroespacial. Ele é representado
geograficamente pela conjugação dos segmentos ‘espaço aéreo’ e ‘espaço exterior’,
em um ambiente conjugado, caracterizado como um continuum, sem limite
físico. Por esse motivo, a abordagem que propomos diferencia-se dos estudos
tradicionais da geopolítica do transporte aéreo ou da astropolítica, ambas
voltadas a explorar questões específicas dos segmentos geográficos que estudam.
Em grande parte, a abordagem conjugada proposta no conceito de ambiente
aeroespacial é sustentada por argumentos que integram esse espaço geográfico,
como por exemplo, a ausência de limites legais estabelecidos na legislação
internacional, a existência de uma indústria aeroespacial ou os
desenvolvimentos tecnológicos que sugerem a existência de espaçoportos,
veículos que transitem pela atmosfera, atinjam camadas orbitais terrestres do
espaço exterior e retornem para o pouso controlado.
É lugar comum, nos meios internacionais, dizer que
neste início de século os países se dividirão entre aqueles que programam e os
que serão programados. Como está o Brasil em termos de geopolítica aeroespacial
e o que se pode esperar do país nesse sentido?
O capítulo final do livro indica cenários para o
desenvolvimento do setor aeroespacial brasileiro. Tratamos de perspectivas que
vão desde posturas competitivas até aquelas passíveis de cooperação
internacional, como forma de inserir o Brasil no debate da geopolítica
aeroespacial. Um dos problemas que os experts nacionais apontaram para a
elaboração desses cenários foi a questão da governança. A origem de nosso setor
aeroespacial fez surgir vários atores públicos que necessitam ser integrados em
objetivos e projetos comuns, de forma que possa haver sinergia entre as
relevantes iniciativas de cada um desses atores. Por certo que a questão
orçamentária também impõe significativos desafios para as atividades desse
setor. Há uma expectativa geral que o fenômeno do New Space (uma forma
de agregar a iniciativa privada aos projetos aeroespaciais) seja uma das
soluções possíveis para lidar com a questão dos recursos para investimos, pois
o aporte de empresas privadas complementará o orçamento público, que tem sido o
esteio da atividade aeroespacial.
Apesar da grande vocação aeroespacial brasileira com
cases como o ITA, a Embraer, a base aeroespacial em Alcântara e a própria
questão geográfica, há muitas críticas sobre a lentidão do país nessa matéria,
com uma indústria ainda incipiente e que já foi ultrapassada por outros países
emergentes como a Índia. Temos tempo ainda?
O exemplo da indústria aeronáutica brasileira é peculiar
para que tenhamos uma visão positiva em torno desse tema. Na década de 1960,
produzimos o Bandeirante, uma aeronave pequena, turboélice e com tecnologia
incipiente. Nesse mesmo momento, voava no hemisfério Norte o Concorde, aeronave
supersônica, com tecnologia de ponta. Hoje, a Embraer produz aeronaves
sofisticadas, no mesmo nível tecnológico que as aeronaves dos principais
concorrentes. O que esse relato demonstra é que, apesar das dificuldades do
percurso, existe potencial nacional para o desenvolvimento de iniciativas no
setor aeroespacial que posicionem o país adequadamente no contexto da
geopolítica aeroespacial. Acredito que um aspecto fundamental nessa trajetória
será a questão do soft power (poder de influenciar), que destaco em um
dos capítulos da obra. Essa questão nos remete à Educação (básica e superior) como
um dos sustentáculos para uma verdadeira ideologia aeroespacial, que proponha a
compreensão do ambiente aeroespacial como receptáculo de tecnologias essenciais
para a nossa sociedade, como por exemplo a telemedicina ou a teleducação.
O país anunciou recentemente os primeiros parceiros
privados que irão operar o CLA da Base de Alcântara. O que esperar desse
modelo?
O Centro de Alcântara possui vantagens locacionais que o
tornam um importante ativo nacional para o desenvolvimento do setor aeroespacial.
A proximidade da Linha do Equador, para citar uma dessas vantagens, viabiliza
menor consumo de combustível do foguete lançador para atingir a velocidade
necessária para se adentrar no espaço exterior, consequentemente, permitindo
mais carga útil a ser transportada. A possibilidade de comercialização das
instalações para eventuais interessados é um passo importante em cenários de
cooperação e deve ser estimulada. Além do mais, a expansão dessa utilização
comercial pode trazer recursos financeiros importantes para a continuidade ou
desenvolvimentos de novos projetos no setor aeroespacial, exemplo que se
encaixa naquilo que anteriormente chamamos de New Space.
O mundo vive uma nova corrida espacial, agora
protagonizada por empresas privadas e pela atividade da geoinformação. Na sua
elaboração de cenários para a geopolítica espacial brasileira, como vê o país
inserido nessa nova fase da economia global?
A geoinformação tem sido essencial para inúmeras
atividades da nossa sociedade, tais como a melhor utilização dos solos na
agricultura. Essa capacidade depende, essencialmente, dos sensores de várias
naturezas incorporados aos satélites de monitoramento remoto. Hoje, já existem
empresas privadas que comercializam imagens satelitais com diversos propósitos,
inclusive para planejamentos de guerra, como tem sido observado no conflito
recente entre a Rússia e a Ucrânia. Para o Brasil, como sugerem os
especialistas consultados na elaboração dos cenários, há oportunidades que
surgem de eventuais cooperações internacionais, algumas delas já em curso, como
é o caso de Alcântara ou no desenvolvimento de satélites. Contudo, existem, e
cada vez mais serão demandadas, iniciativas voltadas para a segurança nacional
que colocarão o Brasil frente a cenários competitivos. Nosso país, e
principalmente nossa população, precisa ter consciência dessa necessidade. Na
verdade, a obra Geopolítica Aeroespacial foi inspirada nas questões clássicas
dos geopolíticos brasileiros pioneiros, que propuseram temas de grande
relevância, como a integração nacional, o desenvolvimento socioeconômico e a
preservação da soberania. A obra que coloco à disposição nada mais é do que
reposicionar essas questões à luz de um novo espaço geográfico – o ambiente
aeroespacial –, tridimensional por natureza, que passa a ser compreendido como
o nosso verdadeiro entorno estratégico.
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