Artigo: Brasil Tem Algum Trabalho em Relação à Navegação Por Satélite, ou Ficaremos na Dependência de Sistemas Estrangeiros?
Olá
leitores e leitoras do BS!
Segue abaixo
um muito interessante e pertinente artigo escrito recentemente pelo jovem Eng. Aeroespacial
Danilo Miranda e publicado dia (12/08) no site “Hoje no Mundo Militar”, artigo
este que inclusive será um dos temas que debateremos na próxima quinta-feira em
nossa coluna “Espaço Semanal”.
Brazilian
Space
ARTIGOS - BRASIL - ESPAÇO
Brasil Tem Algum Trabalho em Relação à Navegação Por Satélite, ou Ficaremos na Dependência de Sistemas Estrangeiros?
Por Danilo
Miranda*
Publicada
em 12/08/2022
Fonte: Website
‘Hoje no Mundo Militar’ - https://hojenomundomilitar.com.br
Quando a gente pede um Uber, uma comida no iFood ou mesmo
quando usamos o Waze para dirigirmos, estamos fazendo uso de serviços baseados
no sinal da constelação de satélites mais famosa do mundo, o GPS. Não é exagero
dizer que nos tornamos dependentes dela. Acredito que quase ninguém mais
utilize os conhecidos mapas do guia quatro rodas, item indispensável quando se
queria viajar a longas distâncias pelo Brasil nas décadas de 70, 80 e 90.
Atualmente, confiamos cegamente que um aplicativo de navegação no celular irá
nos guiar na direção correta. GPS significa Sistema de Posicionamento Global, e
se trata do sistema de rádio-navegação via satélite operado pelas forças
armadas americanas. Mas como assim se trata de um sistema militar, se o
mundo inteiro tem acesso na tela do celular?
O projeto de um sistema global de navegação que pudesse
ser usado pelos militares americanos no posicionamento de seus recursos, em
especial aeronaves e mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs), se iniciou
na década de 70, atingindo capacidade operacional plena em 1993. Ainda na
década de 1980, esse sistema foi aberto para uso civil, por força de lei,
seguido ao trágico incidente do abatimento do avião comercial Korean Air Lines
voo 007, que partiu dos EUA, mas se desviou da rota prevista e entrou por erro
de navegação em espaço aéreo proibido soviético. Desde então, o GPS tem servido
a inúmeras aplicações civis e militares em todo o mundo. É sabido ainda que
durante a década de 90, as forças armadas americanas degradavam o sinal público
do GPS, o que causava erros de até 100 metros no posicionamento, com a intenção
de que um inimigo não conseguisse usar receptores civis de GPS para guiamento
bélico preciso. Isso ocorreu por exemplo na guerra de Cargil, em 1999, na
Caxemira, zona disputada por Índia e Paquistão.
Por essa e outras razões, outras potências perceberam a
importância de não contar exclusivamente com o GPS americano. Optaram então por
estrategicamente desenvolver seus próprios sistemas de navegação e
posicionamento global. Assim, surgiram o russo GLONASS, o europeu GALILEO, o
chinês BEIDOU, o japonês QZSS e o indiano NAVIC, os dois últimos apenas
regionais. O termo mais geral para se referir a constelações de navegação
passou a ser GNSS (Global Navigation Satellite System).
Em 2000, uma lei americana desautorizou o uso de “disponibilidade
seletiva” no sinal público do GPS, como era chamada a adição desse erro
intencional com vistas a degradar o desempenho do posicionamento. E desde 2007,
o departamento de defesa (DoD) anunciou que os satélites GPS adquiridos a
partir de então não mais teriam a função de disponibilidade seletiva. Não há
garantias de que essa afirmação seja verdade absoluta, mas fato é que o uso
civil e comercial de aplicações baseadas em GPS impactou enormemente e
positivamente a economia americana. Estimativas apontam que uma queda no
serviço GPS causaria prejuízos da ordem de USD 1 bilhão por dia nos EUA. [1]
Ainda assim, mesmo a disponibilidade seletiva não mais existindo, o sistema GPS
conta com 2 serviços distintos de posicionamento, o serviço de posicionamento
padrão (SPS), de uso aberto, e o serviço de posicionamento preciso (PPS), de
emprego militar. O PPS, como era de se esperar, tem melhor precisão de
posicionamento e menos susceptibilidade a interferência, dentre outras
características.
O quão precisa é a medida de posição que obtemos via GPS?
Isso depende largamente da qualidade dos sinais que chegam no dispositivo
receptor, se estamos falando do serviço padrão ou do preciso, e se há o uso da
técnica de GPS diferencial. Ademais, mesmo no sinal de uso público, a precisão
é influenciada pelo número de satélites que estão sob visada do dispositivo,
interferência atmosférica, e interferência do ambiente ao redor (prédios,
árvores etc.). Por exemplo, smartphones com serviço GPS habilitado, em céu
aberto, tem precisão tipicamente de até 4,9 m, utilizando apenas a frequência
L1 [2]. Dispositivos que fazem uso de 2 frequências do GPS, ou que fazem uso
combinado de mais de uma constelação GNSS (tipicamente GPS e GALILEO), ou ainda
que usam GPS diferencial, podem chegar a valores na casa de decímetros ou mesmo
de centímetros. [2]
Atualmente, os sistemas militares brasileiros são
usuários do sistema GPS, no serviço de uso padrão (SPS). Em 2017, foi noticiado
que o Brasil estava pleiteando junto aos EUA o acesso ao sinal militar de GPS
(PPS). Para isso, é preciso aguardar ser incluído na lista de países elegíveis.
Nessa oportunidade, o Estado-Maior da Aeronáutica criou um grupo de trabalho
para analisar oportunidades e ameaças do uso desse tipo de sinal nas aeronaves da
FAB. Pesquisas do ITA na área de localização precisa e proteção às informações
integram o parecer sobre o assunto. [3]
Até onde é do conhecimento do autor, o Brasil ainda não
foi incluído na lista de países autorizados a receber o sinal PPS. Um estudo dedicado
publicado pelo Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx) atesta que
caso haja interrupção intencional ou acidental no fornecimento da transmissão
de sinais satelitais, sobretudo do GPS, poderá haver comprometimento numa ordem
incalculável para boa parte da Força Terrestre e seus programas estratégicos.
[4]
As nossas forças armadas, portanto, são dependentes de
sistemas estrangeiros de navegação. Isso é uma vulnerabilidade evidente. Agora,
em tempos de paz, passa pouco percebida. Em tempos de guerra, pode ser
perigosa. Um país como o Brasil, com as aspirações a potência regional e que
dispõe de recursos naturais cobiçados pelo mundo inteiro, deveria seriamente
considerar ter seu próprio sistema de navegação via satélite. O autor conhece
bem as altas cifras quando se fala de projetos espaciais. Porém o Brasil não
precisa ter uma constelação ne navegação global como os EUA. Minha proposta
é que o Brasil comece pequeno, “baby steps”, com projetos que façam
sentido na realidade orçamentária nacional. As constelações GNSS de
cobertura global tem 20, 30 satélites operacionais cada. Porém a teoria de
rádio-navegação via satélite prevê que a quantidade mínima de artefatos em
órbita que permite univocamente determinar a posição de um usuário no globo terrestre
é 3 (princípio da trilateração). Óbvio que quanto mais satélites, melhor, mas a
quantidade matemática mínima necessária é somente 3. Ah, claro, e um relógio
atômico preciso em cada um dos satélites.
Será que faz sentido começar só com 3 satélites para
viabilizar o conceito? É um número factível para a realidade brasileira! A
cobertura não vai ser global, naturalmente, apenas regional, e os satélites
deverão necessariamente estar em órbita geossíncrona ou geoestacionária, caso
contrário a região de cobertura irá variar com o tempo. Será que alguém já
pensou nisso, faz mesmo algum sentido? A resposta é sim. Os chineses
pensaram nisso antes, 20 anos atrás. A constelação BEIDOU fase 1 deles começou
exatamente com 3 satélites geoestacionários, permitindo navegação via satélite
na região destacada em azul (ver mapa). Um território de tamanho bem razoável,
não? E a precisão não era nada ruim: 20 m [5]. E se o Brasil projetasse um
sistema regional similar, que cobrisse a América do Sul, Amazônia Azul e parte
do Atlântico? Um polígono de tamanho equivalente é mostrado logo abaixo,
para fins de comparação.
Ok, Danilo. 3 satélites pequenos geoestacionários o
Brasil consegue fazer, e parece fazer sentido na realidade orçamentária
nacional. Mas, e os relógios atômicos que vão lá dentro, que são as cargas
úteis? Trago uma boa notícia. Nossos colegas da USP São Carlos já
desenvolveram 3 relógios atômicos ao longo dos últimos anos, utilizando o
elemento Césio, da mesma forma que os satélites GPS americanos [7]. Competência
e conhecimento nós temos. Cabe agora a reflexão se isso faz sentido nos
objetivos estratégicos do país.
Um alto oficial da Marinha portuguesa uma vez relatou na
Revista Militar de Portugal: “Tenho sérias dúvidas de que, desde o
aparecimento das armas nucleares, alguma tecnologia tenha tido um impacto tão
grande nas operações militares como o GPS.” [7]. O autor do presente
artigo, por sua vez, não tem nenhuma dúvida quanto a isso. Avante Brasil, Ad
Astra!
Fontes:
* Danilo
Miranda é engenheiro aeroespacial pelo ITA e mestre em engenharia espacial pelo
INPE. Trabalha na indústria de satélites há 10 anos, ocupando atualmente o
cargo de gerente de projeto do inovador satélite VCUB1, o primeiro satélite
privado de sensoriamento remoto construído no Brasil. Escreve na coluna de
espaço do canal Hoje no Mundo Militar quinzenalmente.
Será que poderiamos fazer um satelite geoestacionario usando a PMM? (Lógico, num universo paralelo onde temos um programa espacial)
ResponderExcluirOlá, Raul!
ExcluirPrimeiramente, muito obrigado pela pela pergunta. A PPM standard (como módulo de serviço generalista) tem uma capacidade nominal de suportar uma carga útil de até 2 vezes a sua própria massa (275 kg), ou seja, uma carga útil de até uns 550 kg de massa, em um total limite de, aproximadamente, 825 kg para o satélite completo. Ainda que as médias das massas dos satélites como um todo tenham decaído consecutivamente na última década, a massa dos satélites geoestacionário ainda ronda a casa dos 4.000kg (https://dsm.forecastinternational.com/wordpress/2015/07/13/average-commercial-communications-satellite-launch-mass-declines-again/), apesar de existirem Mini-GEO que estão na casa das 1,5 ton+, o que torna a PMM standard incapaz de atender a este tipo de missão, sem contar o fato que a PMM standard foi desenvolvida para operar em órbitas baixas (700 km), com menos exposição a radiação do que aos 32.000 a 35.000 km das órbitas geoestacionárias. O correto seria desenvolver uma PMM Heavy específica para esse tipo de missão (Mini-GEO) e para missões SAR na faixa de 1,5 ton a 2,5 ton (tendo a PMM Heavy uma massa variando de 500 a 800 kg). Espero ter respondido e, mais uma vez, obrigado pela participação, Rui Botelho - Brazilian Space