Blog Entrevista Especialista Brasileiro em Propulsão Iônica
Olá leitor!
Dando sequência à série de entrevistas com profissionais
do Programa Espacial Brasileiro (PEB), trago agora para você caro leitor uma
entrevista com o Dr. Gilberto Marrega Sandonato, pesquisador do Laboratório Associado
de Plasma (LAP), do Centro de Tecnologias Especiais (CTE), do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e Coordenador do Grupo de Tecnologia de
Plasma, em outras palavras, um dos dois maiores especialistas brasileiros na área
de Propulsão Iônica (o outro é o Dr. José Leonardo
Ferreira da UnB que pretendo entrevistar se possível em breve).
O Dr. Gilberto Sandonato, profissional dedicado e
extremamente ocupado com seus afazeres profissionais, demorou um pouco para
responder a nossa entrevista, mas o fez com grande clareza e atenção, dando ao
Blog BRAZILIAN SPACE a oportunidade de trazer para os nossos leitores
informações sobre essa importante área de propulsão, não só no Brasil, como também
em outros países do mundo, e assim melhorar o entendimento de nossos leitores sobre esse tipo de Propulsão Espacial, também chamada de Propulsão Eletrostática ou Propulsão a Plasma.
Desde já gostaríamos de agradecer ao Dr. Gilberto Sandonato
pela sua atenção para com o nosso blog e para com os nossos leitores, desejando-lhe
sucesso aos projetos em curso e nos colocando a disposição para qualquer
divulgação que seja do seu interesse no futuro.
Segue abaixo a entrevista com o Dr. Gilberto Sandonato.
Dr. Gilberto Sandonato (LAP / INPE) |
DR. GILBERTO
MARREGA SANDONATO: Meu nome é Gilberto Marrega Sandonato, tenho 57 anos,
sou graduado e possuo mestrado em Física pela USP-São Carlos, completei meu
doutoramento em física de plasma pelo ITA-São José dos Campos e trabalho no
LAP/INPE desde 1984 no desenvolvimento de propulsores iônicos.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Gilberto, estarmos aqui hoje discutindo sobre propulsão espacial iônica
pode parecer para muitos de nossos leitores algo mais na área de ficção
científica (coisa que não concordamos), especialmente para um país como o
Brasil que, após mais de 50 anos, ainda não conseguiu sequer colocar um
parafuso no espaço. O senhor poderia nos fazer um relato de como surgiu essa
ideia, o seu real objetivo e quando realmente foi iniciado esse projeto?
DR. GILBERTO SANDONATO:
Primeiramente discordo da sua afirmação de que o Brasil, após mais de 50
anos, ainda não conseguiu sequer colocar um parafuso no espaço. Transcrevo o
texto abaixo comprovando o contrário:
“13. Quais e quantos são os satélites brasileiros já
desenvolvidos no LIT?
Os satélites da série SCD – Satélite de Coleta de Dados,
SCD-1 (lançado em 1993), SCD-2A (1998) e SCD-2 (1997) e os satélites da série
CBERS – Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres, CBERS-1 (lançado em
1999), CBERS-2 (2003), CBERS-2B (2007), CBERS-3 (a ser lançado em 2012) e
CBERS-4 (a ser lançado em 2014). Além deles, também passaram pelo LIT os
satélite BRASILSAT B1 (1994) e BRASILSAT B2 (1995), ambos desenvolvidos pela
antiga EMBRATEL.
Também estiveram em testes no LIT os satélites argentinos
SAC-B (lançado em 1996), SAC-C (2000) e SAC-D/Aquarius (2011).
Outras missões de importância também atendidas pelo LIT
foram os experimentos enviados para a Estação Espacial Internacional (ISS) pela
Missão Centenário (2006), o experimento HSB, lançado em um satélite da NASA em
2002, os satélites científicos SACI-1 e SACI-2 (ambos em 1999), e o satélite
tecnológico SATEC, de 2003.
Sugiro, também, que consulte http://pt.wikipedia.org/wiki/Ve%C3%ADculo_Lan%C3%A7ador_de_Sat%C3%A9lites para maiores informações sobre os veículos lançadores
brasileiros.
Voltando à sua questão, a idéia de desenvolver
propulsores iônicos brasileiro surgiu da década de 1980, com o advento da MECB
(Missão Espacial Completa Brasileira), visando a substituição dos propulsores
químicos, utilizados no controle de atitude e órbita, já que os iônicos
representam uma redução considerável em massa de propelente, que, por sua vez,
resulta em um ganho em carga útil.
A pesquisa foi iniciada em 1985, nas dependências do
LAP/INPE, e em 1986 o primeiro propulsor iônico da América Latina entrou em
funcionamento. Este primeiro propulsor
comprovou a viabilidade do desenvolvimento de propulsores iônicos do tipo Kaufman em solo
brasileiro. Desde então, uma série de 4 propulsores e tecnologias afins foram
projetados e testados, visando a independência tecnológia brasileira neste
campo de atividade espacial, na qual, os produtos, em sua grande maioria, são
considerados de tecnologia sensível e, portanto, sofrem restrições
governamentais na sua comercialização e utilização.
Esclarecimento: Houve aqui um
pequeno mal entendido do Dr. Gilberto, pois quando eu afirmei que o Brasil após
mais de 50 anos não havia conseguido se quer colocar um parafuso no espaço, eu
estava me referindo quanto a fazê-lo pelos seus próprios meios em vôos orbitais. Entretanto o
mal entendido gerou uma resposta muito rica do Dr. Gilberto que certamente será
muito útil para os nossos leitores menos informados.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Gilberto, atualmente em que estagio se encontra as pesquisas nessa área no
Brasil?
DR. GILBERTO SANDONATO:
Atualmente os propulsores iônicos se encontram no estágio final de modelo
de engenharia. Testes de desempenho ainda estão sendo realizados de forma a que
estes estejam completamente otimizados em funcionamento. Pretende-se, a partir
de 2014, construir o modelo de qualificação o qual será submetido aos testes de
qualificação espacial de forma a atingir o nível de modelo de vôo que, por sua
vez, poderá ser utilizado em missões espaciais.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Gilberto, dentre os problemas que afligem o
Programa Espacial Brasileiro um dos mais graves é a falta de recursos humanos
adequados. No projeto que o senhor coordena isto também sido um problema?
DR. GILBERTO SANDONATO:
A falta de recursos humanos é um problema
gravíssimo, não somente com relação às atividades atuais, mas com relação ao
futuro de toda atividade espacial no Brasil. Este problema será ainda mais
agravado com a aposentadoria dos especialistas em um curto espaço de tempo.
BRAZILIAN SPACE: Dr.
Gilberto, qual é atualmente o número de profissionais envolvidos com o projeto
coordenado pelo senhor e qual em sua opinião seria o número adequado?
DR. GILBERTO SANDONATO:
O projeto conta com apenas três servidores especialistas com doutorado em
diferentes disciplinas. Contamos ainda com três técnicos em mecânica
contratados com bolsas PCI do CNPq, alguns estágiarios e alunos de mestrado. Um
número adequado de servidores seria em
torno de 20 especialistas em diversas áreas de conhecimento, além de pelo menos
10 técnicos para a confecção de componentes e controle de qualidade.
BRAZILIAN SPACE:
E em relação aos recursos financeiros Dr. Gilberto, no atual estágio de
desenvolvimento do projeto os mesmos tem sido satisfatórios?
DR. GILBERTO SANDONATO:
Os recursos financeiros sempre foram escassos ao longo de todo o tempo de
vida desta atividade e têm sido inexpressívos nos últimos dois anos.
BRAZILIAN SPACE: Dr.
Gilberto é de se imaginar que para a realização de um projeto complexo como
esse se exija instalações físicas adequadas.
O LAP já disponibiliza ao senhor e sua equipe essas instalações, ou há
ainda muito por fazer?
DR. GILBERTO SANDONATO:
A infraestrutura existente foi estabelecida com muito esforço ao longo de
29 anos de trabalho. Ela não é a ideal, mas, permite uma série de atividades
dentro das suas limitações. Obviamente, há ainda muito por fazer, como, por
exemplo a aquisição de uma câmara de vácuo com dimensões, capacidade de
bombeamento e equipada com diagnósticos que permitam a realização de testes de
desempenho de longa duração.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Gilberto, quais são os objetivos a serem alcançados pelo senhor e sua
equipe ainda no ano de 2013?
DR. GILBERTO SANDONATO:
Pretende-se em 2013 concluir os testes de desempenho de catodos ocos
(emissores de elétrons) que serão utilizados na geração de plasma e
neutralização de carga espacial dos propulsores iônicos.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Gilberto, muito tem se falado na mídia, inclusive aqui no blog, sobre uma
missão espacial que consideramos muito importante para o Brasil. Trata-se da
MISSÃO ASTER (primeira missão brasileira de espaço profundo). O senhor e sua
equipe estão de alguma forma envolvidos com essa missão, e caso sim, qual seria
exatamente esse envolvimento?
DR. GILBERTO SANDONATO:
A missão ASTER é uma missão muito arrojada que envolverá uma soma
considerável de recursos finaceiros e necessitará de uma grande equipe de
especialistas para a realização de um planejamento meticuloso e a execução das
tarefas. A minha equipe participou das
reuniões preliminares da missão ASTER e está envolvida no desenvolvimento dos
propulsores que poderão ser utilizados para formar um “cluster” de propulsores
que produzirão o empuxo necessário para a realização da missão, se assim for
decidido pelo comitê.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Gilberto, em uma previsão otimista, em sua opinião quando o Brasil poderá
contar com o seu primeiro propulsor espacial iônico para ser testado em voo?
DR. GILBERTO SANDONATO:
Acho que esta é a pergunta mais difícil da sua entrevista. Honestamente, eu
não tenho qualquer previsão de lançamento de um propulsor iônico para ser
testado em órbita.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Gilberto, além da propulsão espacial iônica, em quais outras áreas o
desenvolvimento dessa tecnologia poderá trazer benefícios à sociedade
brasileira?
DR. GILBERTO
SANDONATO: Os benefícios obtidos
com o investimento em propulsão iônica incidem diretamente sobre o Programa
Espacial Brasileiro, com reflexos na consolidação da indústria nacional do
setor e na indústria nacional que utiliza os serviços de TIB (Tecnologias
Industriais de Base) providos pelo INPE e na sociedade em geral, que se
beneficia com as informações oriundas de sistemas espaciais. Tome-se, como
exemplo, o monitoramento do desmatamento da Amazônia, planejamento urbano,
monitoramento da ocupação do território, previsão de safra, meteorologia,
telecomunicações e sensoriamento remoto.
BRAZILIAN SPACE:
Finalizando Dr. Gilberto, existe algo a mais que o senhor gostaria de destacar
para os nossos leitores?
DR. GILBERTO
SANDONATO: Não tenho mais nada a acrescentar. Quero somente agradecer a
oportunidade de expor um pouco do trabalho que realizo em propulsão iônica e
que estou à disposição para maiores esclarecimentos.
Obs: Seguem algumas fotografias sobre os propulsores
iônicos já desenvolvidos no LAP/INPE e também da câmara de testes.
Muito boa entrevista.
ResponderExcluirSó procurando comparar, qual a diferença dos tipos de propulsão ionica recentemente mostrados pela NASA e os que vemos nas imagens (os brasileiros)? A NASA já tem o modelo espacial pronto?
Essas imagens dos propulsores me fizeram lembrar muito o propulsor de 10 Newtons da NASA, e folgo saber que o Brasil está desenvolvendo e já conseguir experimentar algumas 'amostras'. Sei que o calor é extremo, mas já soubemos lidar com esse problemas, pelo que já vimos nas fotos.
Prezado Israel
ResponderExcluirNão sei quais propulsores da NASA que você se refere, no entanto, se o propulsor for do tipo iônico por impacto eletrônico, então, os propulsores brasileiros e americanos são semelhantes no princípio de funcionamento. Estes propulsores geram plasma a partir do impacto de elétrons em gases inertes e o empuxo é produzido pela extração eletrostática dos íons. A NASA tem este tipo de propulsor (entre outros) já há muito tempo qualificados e lançados ao espaço em missões espaciais desde 1964 (vide http://en.wikipedia.org/wiki/SERT-1). A mais audaciosa missão da NASA empregando propulsão iônica foi a Deep Space 1 (vide http://en.wikipedia.org/wiki/Deep_Space_1 e http://science1.nasa.gov/missions/deep-space-1/) na qual uma sonda espacial foi lançada para a investigação de um asteroide. Para uma leitura mais ampla sobre os tipos de propulsores elétricos recomendo o link: http://en.wikipedia.org/wiki/Electrically_powered_spacecraft_propulsion.
Atenciosamente
Gilberto M. Sandonato