O Espaço e a Desigualdade Global
Olá leitor!
Segue abaixo um novo artigo do Sr. José Monserrat Filho
postado hoje (10/11) no site da Agência Espacial Brasileira (AEB) abordando o espaço
e a desigualdade global.
Duda Falcão
O Espaço e a Desigualdade Global
José Monserrat Filho *
Como desconhecer que o
combate à fome e à exclusão social também é fundamental?” Celso
Furtado¹
O espaço nos brinda com as luminosas imagens da longa
noite da desigualdade global.
O primeiro satélite Suomi NPP, de observação da Terra,
criado e lançado pela NASA e a NOAA (National Oceanic and Atmospheric
Administration – Admistração Nacional Oceânica e Atmosférica), dos EUA, acaba
de nos revelar em detalhes inéditos: 1) a beleza da Terra iluminada; 2) o
brilho de fenômenos naturais e outros de responsabilidade humana em todo o
planeta; 3) a profunda desigualdade hoje existente no mundo; e 4) a crescente
poluição de luz.
Essa maravilha se deve às observações realizadas a partir
do espaço, no decorrer de 2012, livres da barreira das nuvens, pelo sistema
VIIRS (Visible Infrared Imaging Radiometer Suite – Conjunto Radiométrico de
Imagens em Luz Visível e Infravermelho), notável avanço tecnológico.
O novo mapa mundi
evidencia que o Hemisfério Norte é muito mais iluminado à noite do que a maior
parte do mundo, onde as regiões mais subdesenvolvidas enfrentam tremendas
carências econômicas e sociais, além da falta de energia.
Não por acaso, pesquisa da Universidade de Yale, EUA,
constatou claro paralelo entre a iluminação noturna de países e continentes e o
baixo valor do Produto Interno Bruto (PIB) de cada um deles. No mesmo sentido,
a Agência Internacional de Energia calculou, em recente relatório, que nada
menos de 1,3 bilhões de pessoas – num mundo de 7 bilhões – ainda vivem às
escuras, sem energia elétrica, sobretudo na África e Ásia. Lá, a taxa de
eletrificação não vai além dos 41,8%.
Claro que esta realidade sombria é conhecida há muito
tempo. O que temos hoje é a dramatização do fato, com um quadro mundial mais
detalhado e preciso que os anteriores, elaborado graças aos avanços
vertiginosos das tecnologias espaciais.
Há um contraste bem à vista, ilustrado como nunca antes.
As atividades espaciais, que desenvolvemos com êxito nos últimos 55 anos, nos
permitem o conhecimento mais feérico da desigualdade cada vez maior do planeta
em que vivemos. Ao mesmo tempo, as próprias atividades espaciais dividem e
distanciam os países que dominam suas tecnologias e os que não as dominam e
enfrentam dificuldades quase insuperáveis para usufruírem de seus benefícios. O
progresso tecnológico e a intensificação das atividades espaciais não têm
contribuído na mesma proporção para reduzir as diferenças econômicas e sociais.
Muito pelo contrário, não são poucos os que sustentam que a Era Espacial ajudou
a ampliar o fosso entre os “have” e os “have not”.
Justamente por isso, nos anos 60 e 70, quando nos quadros
das Nações Unidas se discutia a elaboração do acordo destinado a regulamentar
as atividades dos Estados na Lua, os países em desenvolvimento, que então
gozavam de grande prestígio na política mundial, lograram incluir no Artigo 11,
parágrafo 7, do novo acordo a cláusula do “compartilhamento de benefícios”
entre os objetivos da autoridade internacional a ser criada para coordenar a
exploração ordenada e segura dos recursos naturais lunares. A cláusula ficou
assim definida como meta a ser atingida: “Promover a participação equitativa de
todos os Estados (…) nos benefícios auferidos destes recursos, tendo especial
consideração para os interesses e necessidades dos países em desenvolvimento,
bem como para os esforços dos Estados que contribuíram, direta ou
indiretamente, na exploração da Lua.”
Por esse caminho, na visão dos então chamados “países do
terceiro mundo”, a exploração dos recursos lunares ajudaria a reduzir a
crescente brecha entre países ricos e pobres aqui na Terra. Embora o projeto do
acordo tenha sido aprovado por aclamação pela Assembleia Geral das Nações
Unidas, em 1979, poucos países decidiram assiná-lo e ratificá-lo, sobretudo em
vista da cláusula do “compartilhamento de benefícios”, inaceitável para as
empresas investidoras.
O resultado é que o Acordo que Regula as Atividades dos
Estados na Lua e outros CorposCelestes, em vigor desde 1984, após ter sido
ratificado por cinco países, conta hoje com apenas 13 ratificações, o que lhe
confere pouco peso jurídico e político. A comunidade espacial internacional não
se mostra sensível ao tema da desigualdade global, em particular no próprio
setor.
Mas a verdade, como frisa o economista norte-americano
Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de 2001, é que “a desigualdade nos custa muito
caro”. A seu ver, “o preço da desigualdade é a deterioração da economia, que se
torna menos estável e menos eficiente, com menos crescimento, e com a subversão
da democracia”
Para Stiglitz, a globalização em si mesma não é má ou
perversa. Seu argumento central dá o que pensar: “O problema é que nós a
gerimos muito mal – basicamente em proveito dos interesses particulares.
Interconectar os povos, os países e as economias em redor do globo pode ser tão
eficaz para estimular a prosperidade, quanto expandir a cupidez e a miséria”.²
Por sua vez, Branko Milanovic, Economista-Chefe do Banco
Mundial, afirma, em livro lançado em 2005, que nos últimos 20 anos “cresceu o
fosse entre as regiões [do mundo] e também entre os indivíduos”. E lembra:
“Enquanto parte do mundo rico discutia técnicas para prolongar o tempo de vida
humana a mais de 100 anos, milhões morriam de doenças facilmente evitáveis, por
falta de água potável ou por infecções; tuberculose, sífilis e outras moléstias
que pareciam ser coisa do passado voltaram na esteira de crises econômicas e
anomalias sociais. E pesquisadores debatiam seriamente em que medida a pobreza
e as privações estavam por trás das muitas guerras civis que eclodiram após o
fim do a Guerra Fria, bem como por trás de atentados terroristas.”³
O crescente desafio da desigualdade global não passa
desapercebido entre nós. Vemos o espaço com sensibilidade social. Toda a
população brasileira, seus órgãos públicos e empresas privadas têm acesso
gratuito, pela Internet, às nossas imagens de satélites. Outros países também
tiveram o mesmo benefício. Cerca de 1,5 milhão de imagens já foram
distribuídas. Daí que o Brasil é hoje o maior distribuidor dessas imagens no
mundo. E igualmente oferece de graça programas de geoprocessamento e resultados
de projetos e estudos científicos.
Na mesma linha, o novo Programa Nacional de Atividades
Espaciais (PNAE 2012-2021) busca tornar o país “capaz de usufruir,
soberanamente e em grande escala, dos benefícios das tecnologias, da inovação,
da indústria e das aplicações do setor em prol da sociedade brasileira”.
O novo PNAE também pegunta “Por que o espaço é
indispensável ao Brasil?” e responde: “Porque precisamos de mais
telecomunicações, mais conhecimentos e uso sustentável dos recursos naturais,
maior e melhor acompanhamento das mudanças ambientais e climáticas, mais
rapidez e competência para enfrentar os desastres naturais, mais vigilância nas
fronteiras e costas marítimas, mais redução das desigualdades regionais, mais
promoção da inclusão social.”
Quanto mais acesa for mantida essa chama, melhor para nós
e para todo o mundo.
* Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da
Agência Espacial Brasileira (AEB).
Referências
1) Furtado, Celso, O Capitalismo Global, Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1998, p. 75.
2) Stiglitz, Joseph, Le
prix de l’ingalité, Paris: Les Liens Qui Libèrent, 2012, p. 11.
3)
Milanovic, Branko, Worlds Apart – Measuring
International and Global Inequality, United Kingdom: Princeton
University Press, 2007,p. 2.
Fonte: Agência Espacial Brasileira
(AEB)
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