O Futuro dos Sistemas de Navegação por Satélite. (E o Brasil?)

Olá, Leitora! Olá, Leitor!


O site Geospatial World publicou no dia 07/03/2024, um artigo (em inglês) interessante (aqui), intitulado "What is the Future of GNSS?" (Qual é o futuro do GNSS?). Considerando que recentemente algumas instituições e atores do Programa Espacial Brasileiro vêm fazendo um lobby forte e inflamando essa discussão via mídia espacializada em defesa, tanto nos òrgãos do PEB (aqui), quanto o congresso (aqui) para a criação, (imaginem!) via Projeto de Lei, de um GPS Brasileiro, achamos pertinente apresentar a matéria em questão como forma de colaborar com essa discussão.

Fguta 1. Diversas aplicações de GNSS (Fonte: https://www.geospatialworld.net/prime/future-gnss/)

Um breve esclarecimento ao leitor sobre GNSS

Antes porém de apresentarmos um resumo da matéria, é importante esclarecer que:

1) GPS (Global Positioning System) é o nome do sistema de posicionamento global dos Estados Unidos (o 1o operacional do mundo). Atualmente possui 30 a 32 satélites ativos;

2) Além do GPS Americano, temos mais três Sistemas de Navegação Global por Satélite (GNSS - Global Navigation Satellite System): Glonass (Rússia), com 30 satélites ativos; BeiDou ou Compass (China), com 40 satélites;e o Galileo (Europeu), com 26 satélites;

3) Fora os Sistemas de Navegação Global por Satélites temos, até o presente momento, dois Sistemas de Navegação Regional operacionais: O  NavIC (Navigation with Indian Constellation) ou IRNSS (Indian Regional Navigation Satellite System) da Índia, com 7 satélites e o QZSS (Quasi-Zenit Satellite System), do Japão; 

 (a)                                                            (b)
Figura 2. (a) Segmento Espacial do IRNSS, áreas de cobertura de serviço e localização e (b) Exemplo da cobertura dos três satélites Quasi-Zenitais (Fonte: (a) https://www.researchgate.net/publication/283010942_A_Software_Multi-GNSS_Receiver_Implementation_for_the_Indian_Regional_Navigation_Satellite_System (b) https://www.researchgate.net/publication/337490253_Characteristics_and_Performance_Evaluation_of_QZSS_Onboard_Satellite_Clocks

    Obs: O QZSS não é (ainda) um sistema autônomo. Em verdade ele complementa o GPS americano para aumentar a precisão do sinal mesmo.

4) Apesar de já estar em desenvolvimento há alguns anos, o sistema regional de navegação por satélites da Coreia do Sul (KPS - Korean Positioning System), que se parece muito com o QZSS do Japão em termos de área de cobertura e acréscimo de acurácia do sinal GPS, deve ser composto por 08 satélites (03 Geoestacionários e 05 Geosíncronos), custar algo por volta de US$ 3,3 bilhões de dólares (R$ 18,15 bilhões de reais) e deve demorar entre 10 a 15 anos para estar totalmente operacional (veja aqui);

5) Ainda que o nome GPS esteja para GNSS como Gillete está para lâmina de barbear, não é apropriado usar o acrônimo GPS para um potencial sistema de navegação por satélite nacional ou para qualquer outro que não seja o sistema americano;

6) Também não é realista e aceitável defender um GNSS nacional, pois o Brasil (ainda) não necessita desse tipo de infraestrutura com esse porte (em termos de geopolítica e projeção de poder) e não possui, principalmente, condições financeiras de desenvolver e manter um sistema de cobertura global;

7) Em uma abordagem tradicional, similar aos dos sistema regionais de navegação por satélites atuais, o mais viável para o Brasil, em termos tecnológicos, geopolíticos, de autonomia, de soberania e (quem sabe, se bem concebido) financeiramente seria um sistema regional de navegação por satélite, assim como o da India ou Japão, com, no mínimo, 04 satélites (com 3 satélites se tem planimetria, mas não altimetria) até 07 satélites (para uma melhor cobertura, disponibilidade e precisão);

Obs: Apesar de ser um assunto sigiloso, os RNSS da India e do Japão custaram, em termos de desenvolvimento e implantação, algo entre os US$ 250 a 770 milhões de dólares (R$ 1,545 a 3,857 bilhões de reais).

8) Além do custo de desenvolvimento elevadíssimo e das possíveis restrições internacionais para acesso a componentes, outros grandes desafios para o Brasil implantar um RNSS são os erros no sinal dos GNSSs no País, devido a anomalia Magnética da América do Sul (SAMA) e a nossa dependência para colocar a constelação de satélites em órbita.

9) Uma visão geral para um BRNSS (Brazilian Regional Navigation Satellite System) poderia ser similar ao NaviC, combinado com o QZSS, conforme a imagem abaixo:

Figura 3. Uma visão geral para uma constelação BRNSS com o menor número de satélites possível para ser minimamente operacional (Fonte: O Autor)

A ideia da figura 3 se baseia em uma constelação com 1 ou dois satélites Geoestacionários (GEO) e, pelo menos, 3 satélites Geossíncronos (GSO) com inclinação por volta dos 33°, distantes 120° entre sí com relação aos plano orbital que operam. Nesse contexto, os satélites GEO estariam posicionados relativamente nas longitudes 75° W (mesma posição do SGDC atual) e 24,5° W. Já os 3 GSO percorreriam um movimento relativo sul-norte, tendo a longitude 50° W como eixo de referência.

Em linha gerais, com essa arquitetura, seria possível ter cobertura do NSS proprietária sobre: todo o território continental nacional, toda a Amazônia Azul, a quase a totalidade da América do Sul, boa parte do Atlântico Sul, uma parte do Atlântico Norte e Caribe e boa parte da Costa Sul-Americana do Pacífico. Essa área corresponde justamente a região de interesse e de influência do Brasil no cenário geopolítico atual.

Evidentemente a solução minimamente viável apresentada acima não detalha a estrutura de solo, mas, seguindo o mesmo raciocínio defendido por FREIRE (2018) em sua dissertação "Brazilian Satellite-Based Augmentation System Solution" (veja notícia sobre o trabalho aqui), a implementação de um SBAS (Satellite-Based Augmentation System), para melhorar a precisão, a integridade e a disponibilidade dos sinais de GNSSs,  por meio de uma rede de estações terrestres e satélites adicionais para fornecer correções e informações adicionais aos sinais de satélite, seria pré-condição para a implantação de uma constelação operacional de um BRNSS, similar a apresentada acima.

Complementarmente, considerando a geopolítica atual, dos países mais desenvolvidos e de maior relevância no cenário mundial e regional, o Brasil é o único que não tem um sistema de navegação por satélite (mesmo regional) ou a garantia de utilização de NSS de um País aliado, para atender aos seus interesses. 

Reduzindo essa perspectiva para os BRICS, dos seus integrantes principais, somente o Brasil e a Africa do Sul não dispõem de NSSs próprios. Como os dois países possuem o Atlântico Sul como área de interesse e considerando que os custos para a implantação de um NSS, quem sabe dividir a conta e o esforço com esse parceiro possa ser uma saída viável para financiar tal projeto?

Apresentados os conceitos gerais de sistemas globais e regionais de navegação por satélite, de acordo com os sistemas atualmente em operação, e estendendo essas premissas para um futuro Sistema Regional Brasileiro de Navegação por Satélite (BRNSS), é possível compreender, em linhas gerais, os desafios e limites que envolvem um empreitada dessa natureza.

Por sua vez, o artigo da Geospatial World apresenta uma visão de futuro e de novas possibilidades para sistemas de navegação por satélite que pode trazer novas oportunidades para o Brasil nessa área.

E sobre o futuro dos GNSSs e RNSSs?

Os Sistemas Globais (ou Regionais) de Navegação por Satélite (GNSS / RNSS) estão em constante evolução, caminhando para um cenário com uma maior diversidade de provedores globais e regionais (governamentais e, eventualmente, privados). Esta mudança é impulsionada pelo surgimento de novas capacidades, especialmente através das constelações de órbita terrestre baixa (LEO), e pelo crescimento da inovação no mercado privado. 

No entanto, essa evolução traz consigo o risco de fragmentação do GNSS, com o GPS perdendo sua posição dominante para sistemas como o BeiDou da China e o Galileo da União Europeia. O atraso no desenvolvimento do GPS 3 também contribui para essa mudança, enquanto países como Japão, Coreia do Sul e Índia estão investindo em seus próprios sistemas de navegação regional.

Essa fragmentação pode intensificar a competição geopolítica e aumentar os riscos de segurança. Por outro lado, a ascensão dos sistemas de Navegação, Tempo e Posição (PNT) de múltiplas camadas oferece melhorias significativas em precisão, velocidade e segurança, ao integrar satélites LEO com constelações MEO.

As oportunidades para tecnologias emergentes também estão em ascensão, com os sistemas LEO-PNT abrindo novas possibilidades para veículos autônomos, realidade aumentada, Internet das Coisas (IoT) e outras áreas tecnológicas. A inovação privada no setor GNSS está crescendo, com empresas desenvolvendo novas maneiras de melhorar os serviços, incluindo constelações de satélites LEO, atualizações de firmware, antenas definidas por software e novos chips GNSS.

Além disso, há um interesse renovado no desenvolvimento de tecnologias de PNT independentes do GNSS/GPS, devido a preocupações com vulnerabilidades. Tecnologias como sistemas de navegação autônoma baseados em terreno estão sendo exploradas como alternativas viáveis.

No entanto, enquanto o mercado GNSS oferece oportunidades significativas de inovação, principalmente para países como o Brasil, a fragmentação também traz desafios, como riscos diplomáticos, econômicos e geopolíticos. Portanto, o futuro do GNSS parece promissor, mas também desafiador, com mudanças tecnológicas rápidas e uma paisagem geopolítica complexa.


Rui Botelho*
Brazilian Space

*O Autor possui capacitação em GNSS pela Universidade de Beihang, China.

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