Terra de Gigantes
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo (o segundo da
série "Viagem do Homem à Lua Completa 50 anos") escrito
pelo Dr. José Bezerra Pessoa Filho (ex-servidor do IAE)
e publicado na edição de Março do ”Jornal do SindCT“,
vale a pena conferir.
Duda Falcão
ESPAÇO
Viagem à Lua completa 50 anos
Terra de Gigantes
Por Dr. José Bezerra Pessoa Filho*
Jornal do SindCT
Edição nº 77
Março de 2019
A jornada que nos levou ao espaço assemelha-se à
construção de um monumento onde pedras de vários tamanhos, formas e origens
foram sendo juntadas. O Universo conhecido tem 13.770.000.0000 de anos. Diante
de tantos zeros Carl Sagan propôs o Calendário Cósmico, no qual esse período é
representado em 12 meses. Assim, o Big Bang ocorreu no 1o segundo do dia 1o de
janeiro; o Sistema Solar surgiu em meados de agosto; e o Homo sapiens às 23h52
do dia 31 de dezembro. E de onde veio o conhecimento que permitiu a proposição
desse calendário? Dos 6 segundos finais do dia 31 de dezembro. Bem vindo à
Terra de Gigantes!
Coube à Grécia oferecer as pedras que alicerçaram nosso
monumento. Sócrates ensinou a Platão, que orientou Aristóteles, que foi
professor de Alexandre, o Grande, que concebeu a Biblioteca de Alexandria,
erguida no século IV a.C. Com meio milhão de papiros, a biblioteca egípcia foi
o maior repositório de conhecimento da antiguidade. Por lá passaram Euclides,
Aristarco de Samos, Arquimedes, Eratóstenes e outros. A biblioteca desapareceu
por volta de 200 d.C., mas lá subimos os primeiros degraus rumo à Lua.
Eratóstenes estimou o raio da Terra com 3% de erro.
Aristarco propôs o modelo heliocêntrico, com o Sol no centro do Universo,
enquanto o grego Eudóxio, discípulo de Platão, colocou a Terra na posição
central. Aristóteles modificou o modelo geocêntrico de Eudóxio e, no século II
d.C., Ptolomeu incrementou o modelo aristotélico, que acabou incorporado à
doutrina da Igreja Católica e prevaleceu até o século XVII. Aos interessados no
tema, é sugerida a palestra do professor Fernando Lang da Silveira intitulada A
mensagem das estrelas, disponível no YouTube.
Com os declínios das civilizações grega e romana, o
Ocidente hibernou por 2 segundos, medidos no Calendário Cósmico. Acordamos
hiperativos dessa soneca milenar. Em 1450 o alemão Johannes Gutenberg inventou
a prensa metálica levando à Era da Informação; em seguida, portugueses e
espanhóis lançaram-se aos mares iniciando a Era da Globalização; em 1500 havia
70 universidades na Europa; em 1517 o alemão Martinho Lutero balançou os
alicerces da Igreja Católica; na Itália, Michelangelo e Leonardo da Vinci nos
ofereceram novas percepções de nós mesmos; em 1532 o italiano Nicolau Maquiavel
publicou O Príncipe, sugerindo que a política estava acima da moral; e, em
1543, a partir da dissecação de cadáveres, o belga Andreas Versalius publicou
De Humani Corporis Fabrica Libri Septem, clássico da anatomia.
Em 1543 também foi publicado Da revolução das esferas
celestes, de Nicolau Copérnico. Com receio da Inquisição, um teólogo luterano
introduziu, sem o conhecimento de Copérnico, um prefácio à obra. Nele informava
que o autor não desafiava a fé católica, mas, se o leitor desejasse prever onde
Júpiter estaria daqui a dois anos, deveria considerar a hipótese matemática de
que o Sol ocupava a posição central do Universo. Copérnico foi salvo da
Inquisição pela morte natural, mas Giordano Bruno não teve a mesma sorte ao
afirmar, em Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos (1584), que haveria
planetas girando em torno das muitas estrelas vistas da Terra. Por esta e
outras, Bruno foi julgado e queimado vivo em 1600. Esses exemplos dão uma idéia
de como seria difícil a separação entre Ciência e Religião. Parte dessa trama é
descrita em A Dança do Universo, de Marcelo Gleiser.
Entre as mortes de Copérnico e de Giordano Bruno nasceu,
em 1571, o alemão Johannes Kepler. Ele estudou na Universidade de Tübingen,
Alemanha, onde, em 1591, obteve o título de professor de matemática e astronomia.
Em 1600, Kepler juntou-se ao maior astrônomo de seu tempo, o dinamarquês Tycho
Brahe e, após a morte deste, assumiu sua posição na corte de Praga. Ao comparar
seus cálculos com as observações astronômicas de Brahe, relativas ao planeta
Marte, Kepler encontrou uma discrepância de 8 minutos de grau, que lhe
custariam anos de trabalho e culminou, em 1609, com a publicação de Astronomia
Nova, da qual constavam suas 1a e 2a leis. A 1a Lei estabelecia que os planetas
moviam-se em trajetórias elípticas, com o Sol ocupando um dos focos, e a 2a
afirmava que a linha que ligava o Sol ao planeta varria áreas iguais em tempos
iguais. Em 1619 Kepler publicou Harmonia do Mundo, onde apresentou sua 3a Lei,
segundo a qual a razão entre o quadrado do período e o cubo da distância média
do planeta ao Sol é constante. O Gigante Kepler foi o primeiro representante da
espécie humana a descrever matematicamente o movimento dos planetas em torno do
Sol, já que o modelo de Copérnico, além de complexo, continha erros.
Embora tenha revelado a harmonia do mundo, a vida de
Kepler foi desarmônica. O pai era violento e mercenário e a mãe quase foi para
a fogueira, acusada de bruxaria. Metade dos seus 6 irmãos morreu. Quando
criança Kepler teve varíola, que o deixou com seqüelas nas mãos e na visão. Sua
primeira esposa e vários filhos foram acometidos de doenças letais. Sua vida é
apresentada em A Harmonia do Mundo, de Marcelo Gleiser.
Ao morrer, em 15 de novembro de 1630, Kepler, o Gigante,
tinha incorporado importantes pedras à construção de nosso monumento, mas esse
legado só seria reconhecido por Newton. Stillman Drake, autor de Discoveries
and Opinions of Galileo, argumenta que as obras de Kepler eram prolixas e o
latim usado sofrível. Kepler e Galileu trocaram cartas, em geral acompanhadas
das obras por eles publicadas, mas é fato que Galileu se julgava o próprio
mensageiro das estrelas e, assim sendo, não reconheceu as descobertas de
Kepler.
Galileu Galilei nasceu em 15 de fevereiro de 1564 em
Pisa, Itália. Em 1581 seu pai o matriculou na Universidade de Pisa para estudar
medicina, curso que, por razões financeiras, ele abandonou em 1585. Mas foi em
Pisa que ele descobriu sua aptidão para a matemática e para lá voltou em 1589,
como professor. É dessa época a lenda de que ele soltava corpos do topo da
Torre de Pisa para mostrar que o tempo de queda não dependia da massa dos
corpos, como afirmara Aristóteles. Era o início da série As verdades
inconvenientes de Galileu Galilei, análoga aos documentários de Al Gore sobre
mudanças climáticas. Galileu, contudo, era sarcástico e implacável com seus
adversários, que não foram poucos. Em 1592, Galileu se transferiu para
Universidade de Pádua, onde permaneceu por 18 anos e realizou seus trabalhos em
mecânica, publicados em 1638. Galileu teve um filho e duas filhas. Sua
biografia é apresentada por Atle Naess em Galileu Galilei um revolucionário e
seu tempo.
Entre julho e agosto de 1609, Galileu construiu uma
luneta com poder de ampliação de 8 vezes. Suas descobertas sobre a Lua, as estrelas
e Júpiter foram publicadas em 1610 em O Mensageiro das estrelas. A obra nos
apresenta o professor Galileu Galilei em momentos de êxtase com suas
descobertas. Imperdível! Com a publicação de O Mensageiro das estrelas Galileu
se tornou uma estrela, sendo nomeado matemático e filósofo oficial da Toscana.
Ele apontou uma versão aprimorada de sua luneta para Vênus e constatou que o
planeta possuía fases como a Lua e, portanto, também girava em torno do Sol.
Observando nossa estrela ele identificou manchas e, de quebra, afirmou que ela
girava em torno de si mesma. Essa terceira rodada de verdades inconvenientes
levou Galileu a ser advertido, em 1616, pelo cardeal Belarmino, o mesmo que
mandara Giordano Bruno à fogueira.
Em 1621 o cardeal Belarmino morreu e, em 1623, o cardeal
Maffeo Barberini, admirador de Galileu, se tornou o papa Urbano VIII, a quem o
novo livro de Galileu, O Ensaiador, foi dedicado. Em 1624 Galileu fez 6 visitas
ao amigo papa. Do papa recebeu recomendações expressas para não defender o sistema
heliocêntrico na nova obra que pretendia escrever. Contrariando o papa, Galileu
publicou Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e
copernicano com clara defesa do sistema copernicano. Publicado em fevereiro de
1632, Diálogo teve sua venda proibida pela Igreja em agosto.
Em 23 de setembro de 1632 a Inquisição iniciou o processo
contra Galileu. Em função das guerras religiosas e das advertências anteriores
para que não defendesse o sistema copernicano, a condenação de Galileu se
tornou mandatória para o papa. Em 22 de junho de 1633, sob ameaça de tortura,
Galileu abjurou. A lenda de que ele teria murmurado “entretanto a Terra se
move” é desnecessária. Àquelas alturas nem a Igreja tinha dúvidas das verdades
inconvenientes de Galileu. Diálogo foi magistralmente traduzido para o
português pelo professor Pablo Rubén Mariconda, acompanhado de uma
contextualização histórica. 350 das 888 páginas da versão brasileira são notas
explicativas e outras 61 constituem a Introdução.
Galileu foi condenado à prisão domiciliar e, aos 74 anos
e quase cego, ainda registraria parte do seu legado em Duas novas ciências, publicado
em 1638, na Holanda. Neste livro ele abordou: resistência dos materiais, ondas
sonoras, velocidade da luz e os movimentos de queda livre, parabólico e
pendular. Em 08 de janeiro de 1642, aos 77 anos, o Pai da Ciência Moderna
ingressou na imortalidade. Seu túmulo encontra-se na Igreja de Santa Cruz, em
Florença, para onde o seus restos mortais foram transferidos em 1737. Somente
em outubro de 1992 o papa polonês João Paulo II, admitiu os erros da Igreja
contra Galileu.
Nas primeiras horas de 25 de dezembro de 1642, do
calendário juliano, nascia, prematuramente, Isaac Newton. Poucos acreditavam
que o bebê sobreviveria, mas o Gigante viveu até os 84 anos deixando seu legado
em mecânica, matemática, ótica, teologia, química e alquimia. Em decorrência da
infância e adolescência difíceis, e de não ter se casado, ele desenvolveu
personalidade individualista, revanchista e avessa a críticas. Richard
Westfall, autor de A vida de Isaac Newton, afirma que Robert Hooke, Gottfried
Leibniz e John Flamsteed foram os receptores preferenciais daquilo que Isaac
Newton tinha de pior.
Em 05 de junho de 1661 Newton ingressou no Trinity
College da Universidade de Cambridge. Entre 1665 e 1667 ele retornou à casa da
mãe, fugindo da epidemia de peste bubônica. Foi o período mais fértil de sua
vida intelectual. Aos 24 anos Newton já tinha concebido: O binômio de Newton; O
método das tangentes; A gravitação universal; O cálculo diferencial; A teoria
das cores (seu famoso experimento com o prisma); e O cálculo integral. A história
da queda da maçã é dessa época. Em decorrência de sua aversão a críticas ele
somente publicaria seus trabalhos décadas depois. Newton obteve o título de
bacharel e mestre em humanidades em 1665 e 1668, respectivamente. Em 1669, ele
assumiu a cadeira de professor lucasiano.
Ao final de 1671, o telescópio refletor desenvolvido por
Newton foi apresentado à Royal Society. Com 15 cm de comprimento ele ampliava a
imagem 40 vezes. Em 1672 ele se tornou membro da Royal Society e publicou o
artigo Nova teoria sobre luz e cores. Devido às críticas recebidas, ele optou
pela reclusão, dedicando-se à história, teologia e alquimia.
Em 1684 Edmond Hallley viajou de carruagem de Londres a
Cambridge com a seguinte questão: como seria a curva descrita pelos planetas ao
redor do Sol se a força de atração entre eles variasse inversamente com o
quadrado da distância? Newton respondeu-lhe que seria uma elipse, mas só enviou
seus cálculos a Halley meses depois na forma de um artigo intitulado De motu
corporum in gyrium. Halley ficou maravilhado com o que leu e incentivou Newton
a submeter os seus estudos à Royal Society. Ao jovem Halley coube a hercúlea
tarefa de ler, revisar e ousar corrigir as 460 páginas que Newton lhe enviou. O
resultado foi Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, ou, simplesmente
Principia, publicado em 1687.
Em seus 3 livros Newton apresenta as suas 1a, 2a e 3a
leis, bem como a Teoria da Gravitação Universal. A partir de então, a queda da
maçã, a órbita da Lua, dos planetas e dos cometas podiam ser explicadas pelas
mesmas leis. Os Principia podem ser adquiridos no Brasil em 2 volumes sob o
título Princípios Matemáticos de Filosofia Natural.
Em Principia Newton apresentou um conjunto de
proposições, seguidas de argumentações e muita geometria. Os Principia não
contêm a expressão matemática F = m × a, e, ainda que Newton divida com Leibniz
a invenção do cálculo, o leitor neles não encontrará nenhuma derivada. Newton
afirmou que optou pelo uso da geometria para atingir uma maior quantidade de
leitores, mas é fato que a matemática não estava suficientemente desenvolvida
para atacar todas as proposições contidas nos Principia, tarefa que caberia,
dentre outros, a Euler, d´Alembert, Lagrange e Laplace. Também não consta dos
Principia o enunciado clássico da Lei da Gravitação Universal, expresso pela
equação , cuja forma final foi oferecida por Cavendish em 1798. Um dos pontos
polêmicos dos Principia foi a ideia de uma força que agia sem a necessidade do
contato físico entre os corpos. Newton, contudo, jamais pretendeu explicar a
origem da força da gravidade, mas seus efeitos.
Em 1696 Newton assumiu um cargo na Casa da Moeda da
Inglaterra, onde foi responsável pela recunhagem das moedas e pela implacável
caça aos seus falsificadores. Em 1703 Newton assumiu a presidência da Royal
Society. No ano seguinte publicou Óptica e, em 1705, recebeu o título de
Cavaleiro. Newton faleceu em 20 de março de 1727. Sua parte mortal foi
depositada na Abadia de Westminster. Presente à cerimônia, Voltaire afirmou que
seu funeral foi equivalente ao de um rei. Antes de morrer Newton registrou:
“Não sei o que posso parecer para o mundo, mas, para mim,
pareço ter sido apenas um garoto brincando na praia e me divertindo, aqui e
ali, enquanto o grande oceano da verdade estendia-se diante de mim, totalmente
desconhecido.”
As brincadeiras do garoto Newton nos levariam para O
Mundo dos Sonhos, nossa próxima parada.
*Dr. José Bezerra Pessoa Filho é servidor
aposentado, tendo dedicado 31 anos de sua vida profissional ao Instituto de
Aeronáutica e Espaço
Fonte: Jornal do SindCT - Edição 77ª - Março de 2019 –
Págs. 10 e 11
Comentário: Pois é, mais um interessante artigo escrito
pelo Dr. José Bezerra Pessoa Filho relacionado com a comemoração dos 50 anos do
voo do homem a Lua. Parabenizo ao Dr. Bezerra pela interessante iniciativa e
caso o leitor queira ler ou rever o primeiro artigo da série, clique aqui.
Maravilhado estou eu com esse magnífic artigo do Prof. Dr. Jose Bezerra Pessoa Filho. Vou ler e reler para saborear e registrar mental e emocionalmente. Por enquanto lido apenas no celular
ResponderExcluirCarlos Alberto Barroso de Souza, Eng. Aer.
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