O Pouso da Águia
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo (o primeiro da série "Viagem do Homem à Lua Completa 50 anos") escrito pelo Dr. José
Bezerra Pessoa Filho (ex-servidor do IAE) e publicado na edição de Janeiro do ”Jornal
do SindCT“, tendo como destaque o 'Pouso da Águia'. Vale a pena ler com atenção.
Duda Falcão
ESPAÇO
O Pouso da Águia
Viagem à Lua completa 50 anos
Por José Bezerra Pessoa Filho*
Jornal do SindCT
Edição nº 76
Janeiro de 2019
Enquanto saboreava seu café da manhã e folheava a Folha
de S. Paulo daquela friorenta manhã de domingo, 20 de julho de 1969, você se
deparou com a seguinte manchete:
ÀS 17H16 A NAVE POUSA NA LUA, que vinha acompanhada do seguinte texto:
“Hoje às 17h16 – 4 minutos e 30 segundos antes do
previsto - O Módulo Lunar, com Armstrong e Aldrin a bordo pousará na Lua, junto
ao Mar da Tranquilidade, enquanto Collins continuará na nave-mãe, em órbita
circular.”
Você logo se perguntou: será que a Globo vai mostrar?
Também não pôde deixar de rir ao ler que os astronautas estavam 4,5 minutos
adiantados em uma viagem com quase 100 horas de duração e que levou séculos
para ser realizada. Aquilo só podia ser piada de Chico Anysio, pensou.
Na medida em que você foi lendo o Caderno Especial que a
Folha de S. Paulo dedicou ao evento do século, você descobriu que Armstrong e
Aldrin pousariam na Lua às 17h16, mas, por determinação da NASA (Agência
Espacial Americana), só sairiam da espaçonave seis horas e meia depois.
Naquela manhã você ainda descobriria que o programa lunar
inteiro custaria 26 bilhões de dólares, e a Apollo 11, 350 milhões. Uma das
matérias dizia que o gênio alemão, Von Braun, já tinha um plano para levar
humanos à Marte em uma viagem de 450 dias. Naquilo que poderia ser considerada
a avant-première do turismo espacial, a empresa aérea americana Pan Am tinha
uma lista de espera com 16.700 interessados em viagens à Lua. Mas havia uma
notícia preocupante. Três dias antes do lançamento da Apollo 11, os soviéticos
lançaram a espaçonave não tripulada Luna 15, com o objetivo, não revelado à
época, de coletar rochas lunares e trazê-las à Terra antes que os americanos o
fizessem. A preocupação americana era que a Luna 15 atrapalhasse a Apollo 11.
Felizmente, isso não ocorreu e a Luna 15 jamais regressou à Terra.
À tarde você se surpreendeu ao saber, pelo jornal, da
campanha Economize hoje para ter amanhã, promovida pelo Governo do Estado de
São Paulo. Era a crise hídrica que se abatia sobre o estado. A Folha também
trazia reclames da Sears e do Mappin, anunciando, dentre outros, fogões,
rádios, telefones de mesa, gravadores cassetes, câmaras fotográficas Kodak,
móveis e máquinas de escrever. Tudo estampado em vários tons de cinza, que
naquela época tinham outro significado.
Enquanto operários europeus pleiteavam chegar mais tarde
ao trabalho na segunda-feira para assistir ao pouso lunar, a Folha de S. Paulo
trazia a notícia de que o deputado Pinheiro Júnior, presidente da União dos
Servidores Públicos do Estado de São Paulo, pleiteava a redução do tempo de
trabalho de 33 para 30 anos. A seleção brasileira, com Pelé & Cia, estava
em Bogotá preparando-se para o primeiro jogo das eliminatórias da Copa do Mundo
de 1970.
Após o jantar você vestiu o pijama e sentou-se à frente
da sua TV TELEFUNKEN, que na época era propagandeada como a MÁQUINA DE IR À
LUA. Algumas horas depois, veio-lhe o seguinte devaneio: dois vultos, vestidos
de branco, se mexiam de uma maneira estranha em um mundo acinzentado. No
primeiro plano havia a locução do repórter Hilton Gomes e ao fundo um som que
você não compreendia muito bem, mas que se assemelhava ao inglês. Pouco a pouco
você foi caindo em si. Constatou que faltavam quatro minutos para meia-noite.
Despertou para descobrir que assistia ao mais importante evento da histórica da
civilização humana. Estávamos na Lua!
Se você se recorda, ainda que parcialmente, desse relato,
considere-se uma pessoa privilegiadíssima, pois a grande maioria dos terráqueos
só o conhece por meio dos livros de História, de vídeos do Youtube e de
arquivos antigos como os da Folha de S. Paulo, de onde esse conteúdo foi
extraído. Quanto à inspiração para assim apresentar o maior feito de nossa
civilização, ela veio de Pálido Ponto Azul, escrito por Carl Sagan (1934-1996)
e por mim considerado o mais belo livro de todos os tempos.
Eu, aos sete anos de idade, residia na Veneza brasileira:
Recife. Àquela hora, enquanto dormia, eu sonhava com os anjos. Como eu estava
de férias da escola era muito provável, que, na manhã de segunda-feira, meu pai
me colocasse ao telefone para conseguir “linhas” que lhe permitissem completar
ligações telefônicas. Ao ler a Folha de S. Paulo de 20 de julho de 1969 para
escrever este artigo eu, finalmente, descobri a explicação para a minha estreia
frustrante no mundo das comunicações. O Brasil, na época com 93 milhões de
habitantes, possuía apenas 1,5 milhão de linhas telefônicas.
Enquanto Armstrong e Aldrin caminhavam na Lua, Collins, o
terceiro astronauta, se tornou a lua da Lua. Aqui no Brasil vivíamos tempos
difíceis. Em 1960, tínhamos vivido a expectativa de banir a corrupção elegendo
Jânio Quadros para presidente. Em menos de sete meses no poder ele condecorou
Che Guevara e Yuri Gagarin, criou o Programa Espacial Brasileiro, pegou sua
vassoura e partiu. Em seu rastro deixou uma crise política que desaguou em 31
de março de 1964. Em dezembro de 1968 foi decretado o Ato Institucional nº 5. O
ano de 1968 no Brasil foi registrado em um clássico de Zuenir Ventura: 1968: O
ano que não terminou.
Para os demais 3,5 bilhões de habitantes da Terra a
situação também era tensa. Em 1962, quase que voltamos ao pó com a crise dos
mísseis soviéticos em Cuba. Um ano depois, era assassinado o mentor político de
nossa chegada à Lua: John Kennedy. O ano de 1968 assemelhou-se a uma reação em
cadeia: em abril, o Reverendo Martin Luther King foi assassinado; em maio, os
estudantes parisienses atearam fogo à Cidade Luz; em junho, Robert Kennedy foi
morto; em agosto, tropas soviéticas encerraram a Primavera de Praga; e na
insana Guerra do Vietnã, era registrado o maior número de baixas americanas. Em
meio a tanto barulho e confusão um cabeludo e barbudo de óculos tentava acordar
as consciências dos seus irmãos cantando Dê uma chance a paz (Give Peace a
Chance). Não lhe ouviram e 11 anos depois ele próprio, John Lennon, seria
assassinado por um ex-fã. Ninguém melhor do que Eric Hobsbawm (1917-2012) para
descrever aquele século: Era dos Extremos. Imperdível!
Mas naquilo que se refere à Lua, a história do Século XX
pode ser assim resumida: finda a II Guerra Mundial, EUA e URSS, dois ex-aliados
de conveniência, resolveram disputar corações e mentes ao redor do mundo. Era
Capitalismo × Comunismo. Começava a Guerra Fria. Foi em 25 de maio de 1961 que
o presidente americano John Kennedy, então com 44 anos, sentenciou: “levaremos
o homem à Lua e o traremos de volta, até o final desta década.” Além de
intelecto privilegiado, Kennedy soube compreender que o que estava em jogo era
a preservação dos EUA como modelo a ser seguido em um mundo bipolar, que
passava por um processo de transformação social, político e econômico, jamais
visto em qualquer época de nossa história. Ele interpretou brilhantemente o seu
papel de líder, propondo aos seus concidadãos uma ideia lunática. Àquelas
alturas os vermelhos já tinham humilhado os americanos por duas vezes. Primeiro
com o Sputnik I (1957) e, posteriormente, com o cosmonauta Yuri Gagarin (1961).
A partir daquela noite de maio de 1961 essa realidade iria mudar.
Foi em 16 de julho de 1969, exatamente 24 anos depois do
primeiro teste da bomba atômica nos EUA, que a Apollo 11, com três seres
humanos, partiu ao encontro da Lua. Se matemática, física, engenharia, coragem,
sorte e fé se alinhassem, a sua trajetória cruzaria com a da Lua três dias
depois. Isso já tinha acontecido antes com a Apollo 8 e a Apollo 10, mas desta
feita pousaríamos na Lua. Deu tudo certo e esse alinhamento ocorreria em seis
outras ocasiões, uma delas, Apollo 13, com sucesso parcial. Nosso último
representante deixou a superfície lunar em dezembro de 1972.
Mas o caminho que nos levou à Lua não começou no século
passado. Teve início a partir do momento em que passamos a contemplar o
universo à nossa volta. Dessa contemplação surgiu a necessidade de entender os
fenômenos observados. Pouco a pouco fomos desenvolvendo explicações e passamos
a sonhar com viagens a outros mundos. Em uma próxima etapa desenvolvemos as
tecnologias e aí veio a Guerra Fria para aglutinar tudo isso e tornar a viagem
à Lua real. Em outro artigo exploraremos melhor a corrida espacial, mas por ora
este é o nosso registro histórico.
Embora a viagem à Lua tenha cabido a norte-americanos,
ela resultou da evolução da ciência e da tecnologia ao longo de séculos, tendo
dela participado milhares de cientistas, incluindo Santos Dumont (1873 – 1932)
que, se vivo fosse, estaria completando 96 anos naquele 20 de julho de 1969.
Que presente!
Muitos daqueles que não acreditam no pouso lunar, o fazem
pela dificuldade em compreender como tal epopéia tenha sido realizada há meio
século. Há um segundo grupo que apresenta um argumento simples, porém razoável:
“se é verdade que entre 1969 e 1972 doze seres humanos colocaram os pés na Lua,
por que ninguém mais voltou lá desde então?” Há um terceiro grupo que afirma
que tudo não passou de fake news, ou seja, foi tudo uma armação
norte-americana. Trata-se de um grupo especial conhecido como “Pensa-dores” da
Era Digital. Ele já foi avaliado pelo italiano Umberto Eco (1932- 2016), ao
receber, em 2015, o título de doutor honoris causa em comunicação e cultura da
Universidade de Turim. Não é necessário acrescentar mais nada. Umberto Eco
disse tudo.
O francês Auguste Comte (1798 – 1857), Pai do
Positivismo, movimento que cravou em nossa bandeira o lema Ordem e Progresso,
tão mal utilizado ultimamente, afirmava que não se conhece verdadeiramente uma
Ciência se não se conhece a sua História. Nada é mais exato quando tentamos
compreender como chegamos à Lua. Por isso, mais do que uma viagem de
recordações, eu proponho um roteiro de reflexão com cinco paradas: Terra de
Gigantes; O Mundo dos Sonhos; A Era dos Extremos; O Grande Encontro; e A Maior
Descoberta da Era Espacial.
Em nossa próxima parada visitaremos Terra de Gigantes,
onde viveram Galileu, Kepler e Newton. Sem serem santos, eles transformaram
Ciência em profissão de fé.
Aperte o cinto, relaxe e curta a maior viagem de todos os tempos.
Aperte o cinto, relaxe e curta a maior viagem de todos os tempos.
* Dr. José Bezerra Pessoa Filho é servidor aposentado,
tendo dedicado 31 anos de sua vida profissional ao Instituto de Aeronáutica e
Espaço
Fonte: Jornal do SindCT - Edição 76ª - Janeiro de 2019 –
Págs. 06 e 07
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