'Não Existe Isso de Bolsa de Pesquisa Com Triagem Ideológica', diz Marcos Pontes
Olá leitor!
Segue abaixo uma
interessante matéria/entrevista com o nosso Ministro-Astronauta Marcos Pontes publicada
hoje (01/02) no site do "Jornal Folha de São Paulo" tendo como destaque a vigem
da comitiva ministerial a Israel. Vale a pena conferir.
Duda Falcão
CIÊNCIA
'Não Existe Isso
de Bolsa de Pesquisa Com
Triagem Ideológica', diz Marcos Pontes
Ministro afirma
ainda que crença em Terra plana e teoria da conspiração lhe
dão arrepios e
que quer incentivar participação de mulheres na ciência
Por Daniela
Kresch
Folha de São
Paulo
1º de fevereiro
de 2019 às 6h00
Tel Aviv - Para o
astronauta Marcos Pontes, atual ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC), não existe "nada disso" de bolsa de pesquisa com triagem ideológica. "Temos cientistas e temos que ter resultados.
A minha preocupação é sempre o desenvolvimento de ciência e tecnologia",
disse ele à Folha durante viagem a Israel.
No país, o
ministro visitou duas usinas de dessalinização e estações de tratamento de água
e esgoto, além de empresas de tecnologia como a Israel Aerospace Industries
(IAI) e a Agência Espacial de Israel.
Primeiro e único
brasileiro a ter viajado para o espaço até hoje, Pontes tem defendido levar a ciência e tecnologia para os mais jovens como forma de promover a carreira e
incentivar a formação de novos profissionais. Inspirado pela experiência
israelense, disse que quer criar dentro das universidades, escritórios de
promoção de inovação que possam comercializar os produtos criados nessas
instituições para conectar pesquisa, inovação e empresariado.
Foto: Odjair Baema
O astronauta e ministro Marcos Pontes em viagem a Israel.
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Segundo Pontes,
essa é uma das fórmulas para atrair investimentos para o setor —a pasta tem
visto seu orçamento cair nos últimos cinco anos. O valor atual equivale, se
corrigido pela inflação, à metade daquele de 2013.
O ministro disse
ainda que quer incentivar a participação de mulheres na ciência do país.
"Às vezes as meninas ficam um pouco retraídas quanto a isso, e eu preciso
achar maneiras de trazê-las para dentro da ciência e da tecnologia",
disse.
Pontes é a
primeira autoridade do governo Jair Bolsonaro (PSL) a visitar Israel, país com
o qual o governo tem estreitado relações —o ministro de Relações Exteriores,
Ernesto Araújo, já declarou alinhamento com os EUA e Israel por afinidade
ideológica, e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, esteve na
posse presidencial.
A viagem de
Pontes é uma espécie de preparação para a visita de Bolsonaro a Israel,
prevista para acontecer no fim de março.
O sr. se encontrou com o primeiro-ministro
israelense, Binyamin Netanyahu. Como é que foi essa conversa? Há alguma parceria
mais concreta desta viagem?
Foi excelente,
principalmente para agradecer a participação de Israel momento difícil lá
em Brumadinho. Eles enviaram um avião com equipamento, com pessoas. Essa
demonstração de boa vontade a gente tem sempre que agradecer. Depois, ele
gravou um vídeo mandando uma mensagem ao presidente.
O sr. parece ter uma preocupação em passar
uma imagem esperançosa para a juventude em relação à ciência. O que será feito
para garantir que os jovens tenham vontade de seguir uma carreira científica ou
tecnológica?
Tem três coisas
que crianças e adolescentes adoram: espaço, robôs e dinossauros. (Risos). Eu
não sei por que, mas são essas três coisas. Trabalhar com projeto [científico]
é uma coisa muito atraente, essa maneira de educar com um problema para
resolver. Você chega com uma série de componentes eletrônicos, coloca em cima da
mesa e fala: "Construam um rádio AM que pegue tal frequência". Esse
desafio de construir as coisas é superlegal e a garotada adora isso. Imagina,
então, construir micro e nanossatélites.
Isso pode ser
trabalhado no ensino médio ou no ensino fundamental e tira os alunos daquela
coisa de sentar na sala de aula, como na minha época, assistir à aula no quadro
de giz, estudar para a prova, fazer a prova... A gente tem que mudar isso aí.
Acho que o espaço é uma ferramenta excelente para essas coisas.
Em geral, as meninas vão melhor do que os
meninos nas escolas, mas poucas continuam na carreira científica. Só 14% da
Academia Brasileira de Ciências é hoje integrada por mulheres. O senhor pretende
mudar esse cenário?
Sim. Na minha
turma da NASA, por exemplo, o melhor astronauta é uma mulher, na minha opinião.
A gente precisa ter maior participação de garotas interessadas por ciência e
tecnologia. Existem programas em que nós estamos trabalhando com o Ministério
da Educação para Ciência e Tecnologia. Ciência e tecnologia é para todo mundo.
Às vezes as meninas ficam um pouco retraídas quanto a isso, e eu preciso achar
maneiras de trazê-las para dentro da ciência e tecnologia.
O que pode ser feito?
Tem muitas
coisas que podem ser feitas. A gente está ainda iniciando esse programa, mas
isso aí está dentro da minha cabeça já faz um bom tempo. Quem me conhece sabe
que eu vivo falando de educação e que eu adoro trazer as crianças e os jovens
para essa área.
O orçamento de Ciência e Tecnologia no
Brasil tem sofrido muitos cortes. Qual é o plano para tornar o país competitivo
e voltar a avançar?
Esse é uma das
questões que a gente tem que trabalhar muito seriamente durante este ano. Se
acompanharmos o orçamento ao longo dos anos, vemos que ele vem sendo reduzido e
contingenciado. É um trabalho grande que eu e a comunidade científica temos
discutido. Agora vai entrar o Congresso, e é importante conversar com os nossos
representantes sobre a importância estratégica da ciência e da tecnologia.
Existem outras possibilidades também.
Como
assim?
Por exemplo, a
possibilidade de descontingenciar o Fundo de Ciência e Tecnologia. A gente tem
discutido isso com a equipe econômica. Agora vamos começar a discutir com o
Congresso aquela questão de mostrar resultados. Eu tenho falado muito dentro do
ministério de ter retorno de investimento. Quando você aplica um certo recurso,
como quando você começa uma empresa pequena, você tem que trabalhar com que
você tem, aí você produz alguma coisa, aquilo gera mais recursos e as pessoas
vão percebendo a importância de ciência e tecnologia.
A gente tem que
recuperar esse prestígio e o prestígio do pesquisador. Tudo isso é um sistema
que, aos poucos, vai ganhando espaço e, assim, vamos aumentando os nossos
recursos. Mas é importante a participação contínua disso. Tenho conversado com
a comunidade científica, com empresas com base tecnológica, para que juntos,
nos levantemos o setor. Sem educação e ciência e tecnologia você não consegue
desenvolver o país. Somos estratégicos.
Digamos que o orçamento continue aquém do
necessário, quais são as prioridades?
Nós temos já uma
previsão dentro do que existe nas linhas do orçamento. Quando você tem um
cobertor curto, precisa eleger alguns pontos que considera mais importantes.
Sabe o princípio de Pareto, que diz que 20% são responsáveis por 80% do
resultado? Para mim, isso significa que é preciso atrair investimentos, e para
isso é preciso ter pesquisa e alinhar os centros de pesquisa, de forma que os
resultados sejam atraentes.
Pesquisa então é uma prioridade?
Sem dúvida. As
pesquisas têm que atrair investidores e a criação de startups. Então, há duas
áreas nevrálgicas: pesquisa básica e inovações.
Isso significa investir na
ligação entre universidades, pesquisa e empresas?
Sim. Esse
conjunto é o que temos que buscar. Se olharmos aqui em Israel, é isso que gera
toda essa pujança que eles têm em termos de novas empresas de base tecnológica.
O governo sempre investiu na tentativa de
fazer com que cientistas registrassem mais patentes. Mas a indústria brasileira
continua tímida nessa área, cada vez mais dependente de commodities. Como mudar
isso?
Justamente por
isso essa relação entre as universidades e a inovação é importante. A gente
ainda está desenvolvendo uma ideia de como instituir dentro das universidades
um escritório ou um setor que promova a inovação dentro delas, da mesma forma
como existe aqui nas universidades de Israel. É uma possibilidade de fazer lá
[no Brasil], não é complexo de fazer, não tem custo alto e o resultado é muito
grande. É o que eu falo: faz parte desses 20% de Pareto, né?
Segundo reportagem do jornal O Globo, o
governo Bolsonaro estudava mudanças nos critérios para concessão de bolsas de
pesquisa, com triagem ideológica. Existe algum tipo de orientação ideológica?
Não, para mim
não existe nada disso. Temos cientistas e temos que ter resultados. A minha
preocupação é sempre o desenvolvimento de ciência e tecnologia.
Sem nenhum tipo
de ideologia ou de questões como a Terra plana...
Ah não, isso não
é ideologia, isso é coisa que me dá arrepio! (Risos) Esse negócio de Terra plana e
essas teorias da conspiração não fazem parte da ciência. A gente tem ótimos
cientistas no Brasil, temos todas as condições de desenvolver muita coisa boa
para o país através de pesquisa, através de tecnologia. Mas sem essas questões
aí.
Qual é o balanço que o senhor faz do primeiro
mês do governo Bolsonaro?
Como todo
sistema, é preciso fazer ajustes no início, mas vamos nos acertando. Uma coisa
que estou gostando muito é a parceria e a proximidade de todos os ministros.
Essa talvez seja a maior vantagem de não ter tido indicações políticas. Você
imagina: um cara é de um partido, outro cara é de outro, que às vezes têm
outros interesses que não são o interesse do país. Entre nós, a discussão é
sempre em torno do que podemos fazer juntos. O país é muito grande, com
problemas grandes, e precisa dessa interação.
O Ministério de
Ciência e Tecnologia é uma ferramenta. A gente tem que trabalhar para o
Ministério da Saúde, para os ministérios da Justiça, Segurança, Agricultura. A
tecnologia está em tudo. É essencial ter essa cooperação afinada.
Fonte: Site do Jornal
Folha de São Paulo - 01/02/2019
Comentário: Parabéns
ao Ministro Marcos Pontes pela grande entrevista dada este jornal paulista de grande
circulação e sabidamente hostil ao Governo Bolsonaro. Algumas ideias aqui
passadas pelo ministro me agradaram bastante e creio que agradarão aos que
lerem essa matéria.
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