A Conquista Privada do Cosmo
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo publicado na edição
de abril de 2019 da “Revista Pesquisa FAPESP” tendo como destaque a conquista
privada do espaço.
Duda Falcão
ASTRONÁUTICA
A Conquista Privada do Cosmo
Cápsula da empresa SpaceX voa até a Estação Espacial
Internacional e pode devolver
aos Estados Unidos a capacidade de colocar em órbita
seres humanos
Por Ricardo Zorzetto
Revista Pesquisa FAPESP
Edição 278 - Abril de 2019
Foto: Joel Kolwsky/NASA
O foguete Falcon 9, pronto para ir ao espaço,
com a
cápsula Crew Dragon no topo.
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Eram 2 horas e 49 minutos da madrugada de 2 de março, na
Flórida, Estados Unidos, quando foram acionados os motores do foguete Falcon 9,
produzido pela empresa SpaceX, do bilionário e entusiasta de viagens espaciais
Elon Musk. De uma base no Centro Espacial Kennedy, partia para um teste
inaugural a primeira cápsula projetada e desenvolvida por uma companhia privada
para levar seres humanos ao espaço. Produzida sob a supervisão da NASA, a
agência espacial norte-americana, a Crew Dragon comporta sete pessoas. Naquele
sábado, levava apenas um manequim portando o traje espacial da empresa com
sensores para medir a aceleração a que um astronauta seria submetido no voo.
Três minutos após o lançamento, o Falcon 9 já se
encontrava a 90 quilômetros (km) de altura e deixava para trás seu primeiro
estágio, que pousaria para ser reutilizado em outra missão. O motor do segundo
estágio impulsionou a cápsula a até 200 km de altitude e a cerca de 27 mil
quilômetros por hora. Nesse momento, aos 10 minutos de voo, um globo terrestre
de pelúcia passou a flutuar ao lado do manequim, apelidado de Ripley em
homenagem à personagem da atriz Sigourney Weaver no filme Alien (1979).
A Crew Dragon estava no espaço. No dia seguinte a cápsula se conectaria de modo
autônomo à Estação Espacial Internacional (ISS), antes de retornar à Terra em 8
de março e ser resgatada no Atlântico, próximo à costa da Flórida. Após o
restauro, ela deverá ser usada em outro voo-teste para avaliar os dispositivos
de segurança em caso de falha no lançamento. As cápsulas Crew Dragon, depois de
um voo, ainda podem servir para o transporte de carga.
O teste da Crew Dragon é um feito inédito e duplamente
simbólico. Demonstra que uma empresa comercial alcançou maturidade tecnológica
para realizar voos até a órbita terrestre com eficiência, segurança e um custo
inferior ao de programas tradicionais das agências espaciais governamentais.
Também indica que os Estados Unidos estão perto de recuperar a autonomia para
levar seres humanos ao espaço por conta própria. Hoje o país depende dos
foguetes russos Soyuz.
“O lançamento bem-sucedido de hoje marca um novo capítulo
em excelência americana, deixando-nos mais perto de, outra vez, fazer
astronautas americanos voarem em foguetes americanos a partir de solo
americano”, escreveu James Bridenstine, diretor da NASA, no Twitter após o
lançamento. Mais tarde, em entrevista à imprensa, ele foi mais conciliador:
“Queremos ter certeza de que manteremos nossa parceria com a Rússia, forte
desde a era Apollo-Soyuz, mas também queremos ter certeza de que temos
capacidade própria de ir à Estação Espacial Internacional e retornar”. A
parceria da NASA com a SpaceX integra o new space, modelo de
negócios em que a agência espacial compra produtos e serviços de empresas
privadas.
Não é a primeira vez que uma cápsula da SpaceX aporta na
ISS. De 2012 a 2018, uma versão mais simples – a Dragon, destinada ao
transporte de carga – realizou 15 voos e atracou 14 vezes à estação, um
laboratório situado a uma altitude que varia de 330 km a 435 km, na órbita
baixa do planeta, essencial para experimentos em ambiente de microgravidade e a
investigação dos efeitos de longos períodos no espaço sobre o corpo humano. Sua
construção e manutenção consumiram US$ 150 bilhões – um terço, em viagens para
reabastecimento e troca de tripulação.
Imagem: NASA
Chegada da cápsula à Estação Espacial Internacional.
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A fim de baixar os custos, a NASA contratou em 2008 os
voos da SpaceX e de um consórcio concorrente, a United Launch Alliance (ULA),
formado pela Boeing e pela Lockheed Martin, fabricantes de aviões comerciais e
militares, satélites e mísseis. As 12 primeiras viagens da SpaceX saíram por
US$ 1,6 bilhão, dinheiro que ajudou a evitar a falência da empresa espacial de
Musk, também fundador da fabricante de carros elétricos Tesla (ver Pesquisa FAPESP nº 265).
Há uma grande diferença entre transportar alimentos e
equipamentos ou astronautas. No segundo caso, as exigências de segurança e
controle ambiental da cabine (como pressão e temperatura) são bem mais
rigorosas. A aceleração do foguete pode levar o corpo dos tripulantes ao limite
do suportável. No caso do Falcon 9, o empuxo equivale ao de cinco Boeing 747
com motores à plena força, capaz de pôr 22,8 toneladas na órbita baixa da Terra
(até 2 mil km de altura). Além disso, mecanismos de controle e propulsão têm de
ser extremamente confiáveis, com sistemas redundantes.
“Fazer um módulo autônomo de transporte de astronautas
chegar à ISS é um grande feito”, afirma o engenheiro de infraestrutura
aeronáutica Carlos Augusto Teixeira de Moura, presidente da Agência Espacial
Brasileira (AEB). “Sair do nível de transporte de cargas para o de tripulantes
exige a superação de uma série de desafios técnicos, o que torna o projeto
extremamente caro”, diz.
Há oito anos os norte-americanos dependem dos russos para
ir à ISS, a um custo cada vez maior (US$ 80 milhões por assento). De 1981 a
2011, os astronautas da NASA chegavam lá em ônibus espaciais, mais
confortáveis, sofisticados e, sobretudo, caros. Eles levavam até sete pessoas e
eram mais versáteis – podiam trazer satélites de volta à Terra ou ser usados no
reparo do telescópio Hubble. Em 135 voos, houve dois acidentes: a explosão do
Challenger, em 1986, e a do Columbia, em 2003. Cada viagem custava de US$ 450
milhões a US$ 1,5 bilhão. Com os anos, elas consumiram boa parte do orçamento
da NASA.
Imagem: NASA
Lançamento do Atlantis, o quarto ônibus espacial
norte-americano,
em 3 de outubro de 1985.
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“Os ônibus espaciais eram como uma Ferrari”, compara
Oswaldo Loureda, doutor em engenharia aeroespacial e professor da Universidade
Federal da Integração Latino-americana (UNILA), em Foz do Iguaçu, Paraná. “Seus
motores eram uma obra de arte da engenharia, mas cada um custava quase US$ 1
bilhão e, após cada viagem, exigia revisões e reparos que podiam durar um ano”,
conta Loureda, também fundador e diretor-técnico da Acrux Aerospace
Technologies, startup brasileira especializada na produção de pequenos
foguetes, drones e estruturas para microssatélites.
Os russos tiveram seu ônibus espacial, o Buran, que voou
apenas uma vez. O preço levou-os a optar pelos foguetes Soyuz, robustos,
confiáveis e baratos – o voo sai por US$ 50 milhões. Em diferentes versões, o
Soyuz foi ao espaço 1.700 vezes desde 1966, com raros acidentes.
“As naves Soyuz nunca prezaram pelo conforto dos
viajantes”, conta o engenheiro aeroespacial Lucas Fonseca. Ex-integrante da
missão Rosetta, da Agência Espacial Europeia (ESA), Fonseca dirige a Airvantis,
empresa de tecnologia aeroespacial voltada para a produção de microssatélites e
apoiadora da missão brasileira Garatéa-L, que pretende levar um deles à órbita
da Lua. “Na Soyuz, os tripulantes são submetidos a acelerações próximas ao
limite do suportável.”
Com a Crew Dragon, a SpaceX promete mais conforto a um
custo mais baixo. Em março, enquanto a cápsula permaneceu no espaço, o
astronauta canadense David Saint-Jacques, o primeiro tripulante da ISS a
visitá-la, descreveu-a como “uma experiência de ‘classe executiva’”.
“O voo da Crew Dragon à ISS serviu como teste de
validação da tecnologia e do modelo concorrencial”, afirma o engenheiro e
empreendedor brasileiro Sidney Nakahodo, cofundador e diretor-executivo da New
York Space Alliance, startup sediada nos Estados Unidos que fomenta o
desenvolvimento de startups espaciais e atua para facilitar a transferência de
tecnologia da NASA para as empresas. “O evento é um marco na era espacial. A
SpaceX mostrou ser capaz de atender os requisitos da NASA e que problemas tão
complexos podem ter soluções oferecidas pelo mercado”, afirma.
Outros dois voos da Crew Dragon estão planejados para
breve. No primeiro, a cápsula, sem tripulantes, simulará um abortamento de
missão após o lançamento. Se os sistemas de segurança funcionarem como o
esperado, em julho, os astronautas Robert Behnken e Douglas Hurley devem usá-la
para ir à ISS. Ainda este ano, a cápsula de transporte de astronautas CST-100
Starliner, da Boeing, projetada para ser reutilizável, deve realizar seu
primeiro voo não tripulado.
Imagem: NASA
Módulo russo Soyuz, em viagem de retorno da Estação
Espacial Internacional para a Terra em abril de 2006.
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A aposta na SpaceX e na Boeing é parte do programa
Commercial Crew, da NASA. Iniciado há uma década, ele visa reduzir os gastos
com projetos ao comprar produtos desenvolvidos e testados por novas empresas do
setor aeroespacial. Nele, a agência identifica uma necessidade a ser atendida –
por exemplo, a construção de um módulo de transporte –, determina as
características do produto e, em geral, um limite a ser gasto. A execução fica
por conta de uma ou mais empresas vencedoras da licitação, que escolhem a
tecnologia de manufatura e o modelo de negócio.
É uma estratégia diferente da seguida pelas agências
espaciais desde a Guerra Fria, quando a NASA e a agência espacial da então
União Soviética, a Rosaviakosmos (hoje Roscosmos), não poupavam esforços e
recursos. Nos Estados Unidos, a NASA projetava um foguete ou uma cápsula do
início ao fim e contratava uma empresa para construí-la, usando a
infraestrutura e técnicos da agência. Nesse sistema, o old space,
não havia limite de gasto. Adotando a política de preços cost-plus,
a NASA pagava o custo do desenvolvimento e uma porcentagem de lucro.
Os princípios do new space surgiram nos
anos 1970 e tomaram corpo nas duas últimas décadas com a criação de empresas
como a Blue Origin, do multibilionário Jeff Bezos, dono da Amazon; a SpaceX, de
Elon Musk; e Virgin Galactic, do magnata britânico Richard Branson. “Na
essência, são empresas de tecnologia de gestão enxuta que propõem modelos de
negócio próprios e sustentáveis, baseados em atividades de infraestrutura
espacial. Elas não dependem dos ensejos governamentais, mas podem ter o governo
como cliente”, explica Fonseca, da Airvantis. Essas empresas nasceram com a
intenção de baratear o acesso ao espaço e já são cerca de 500 no mundo – poucas
no Brasil, como a Airvantis e a Acrux.
“Há um movimento disruptivo rápido na indústria
aeroespacial”, afirma Loureda, da Acrux. Caso avance, o novo modelo pode
complicar a vida das agências que operam à moda antiga. Para alguns
especialistas, seria uma chance de negócio para países sem tradição na área
espacial. “Esse movimento permite envolver o setor privado no desenvolvimento
de projetos que, a priori, não se sabe quanto vão custar e antes
ficavam a cargo das agências governamentais”, comenta Luiz Gylvan Meira Filho,
presidente da AEB de 1994 a 2001. “Isso pode estimular empresas brasileiras a
atuarem em atividades que não são do interesse de órgãos governamentais
locais.”
Moura, da AEB, também vê no new space uma
oportunidade. Há no Brasil cursos de engenharia aeroespacial e uma
infraestrutura que existe em poucos países, como o laboratório para a montagem
de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Centro de
Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Caso o Congresso brasileiro e o
norte-americano aprovem o acordo de salvaguardas tecnológicas assinado em
março, Alcântara pode despertar o interesse de países que queiram colocar
satélites em órbita a custo mais atraente e, por exemplo, impulsionar o
desenvolvimento de empresas que atuem no apoio a lançamentos. “O Brasil é um
grande comprador de serviços espaciais. Temos de aproveitar o embalo do new
space para nos tornarmos fornecedores”, afirma.
As empresas brasileiras poderiam atuar ainda no
fornecimento de equipamentos de satélites, pequenos lançadores e experimentos
em microgravidade. Para que isso ocorra, lembra Nakahodo, o desafio do Brasil é
criar um ambiente favorável aos empreendedores. Loureda, da Acrux, afirma: “É o
momento de o país decidir se vai ser ator ou espectador”.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 278 - Abril de
2019
Comentário: Pois é leitor, chegou a hora, na verdade já
passou da hora, e o caminho é o modelo New Space, seguido no Brasil pelas
startups espaciais brasileiras como a Airvantis, Acrux, CLC Consultoria, PION
Labs, VSAT Space Program entre outras, portanto temos (o governo) que tornar o
caminho dessas startups mais cômodo com uma política espacial antenada com a
nova realidade do setor, pra que assim possamos tirar o atraso em que nos
encontramos mais rapidamente. Sarava meu pai isso possa acontecer, não há mais
tempo a perder.
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