Grupo de Astrônomos Internacional Com Participação Brasileira Reúnem Mais Evidências de Que Haveria Outro Planeta Depois de Netuno
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo publicado na edição
de fevereiro de 2019 da “Revista Pesquisa FAPESP”, destacando que um grupo internacional de astrônomos com participação
brasileira estão reunindo mais evidências de que haveria outro planeta depois
de Netuno.
Duda Falcão
ASTRONOMIA
Um Mundo na Periferia do Sistema Solar
Astrônomos Reúnem Mais Evidências de Que Haveria
Outro
Planeta Depois de Netuno
CARLOS FIORAVANTI
Revista Pesquisa FAPESP
Edição 276
Fev. 2019
No dia 1º de janeiro de 2019, as equipes de plantão da NASA,
a agência espacial norte-americana, festejaram a chegada não apenas do
Ano-Novo, mas também de algo que aguardavam com apreensão: as primeiras imagens
do asteroide 2014 MU69, também chamado de Ultima Thule, um corpo celestial com
33 quilômetros (km) de comprimento, 16 km de largura e duas esferas que lhe dão
um formato aproximado de um amendoim. O Ultima Thule, que em latim significa o
lugar mais distante do mundo conhecido, encontra-se a 6,5 bilhões de km da
Terra e 1 bilhão de km além de Plutão, hoje rebaixado à condição de planeta
anão, categoria que abrange os corpos menores que os planetas e têm luas com
massa de valor muito próximo.
Objeto mais distante sobrevoado por uma sonda, a New
Horizons, que saiu da Terra em janeiro de 2006, o Ultima Thule orbita uma
região escura, gelada e tão afastada que as imagens demoram 10 horas para
chegar à Terra. Conhecida como cinturão de Kuiper, essa zona periférica é
formada por milhares de asteroides e planetas anões, remanescentes da época de
formação do Sistema Solar, há 4,6 bilhões de anos. Para além do cinturão,
segundo alguns astrofísicos, deve estar o intrigante – e ainda hipotético –
Planeta Nove, que não poderia ser observado pelos atuais telescópios por
refletir muito pouca luz do Sol. Ele é assim chamado porque seria o nono
planeta do Sistema Solar, candidato ao lugar que Plutão ostentou até 2006. Por
enquanto, sua existência pode ser delineada apenas por evidências indiretas: as
órbitas alinhadas de cerca de uma dezena dos aproximadamente 3 mil integrantes
rochosos já identificados do cinturão de Kuiper, chamados de objetos
transnetunianos (TNOs).
Constituídos pelo mesmo material que formou a Terra e os
outros planetas do Sistema Solar, esses blocos de rocha e gelo podem demorar
até 4 mil anos para completar a volta ao redor do Sol.
“A melhor forma de explicar as órbitas alinhadas dos TNOs
é a perturbação gravitacional causada por um planeta distante”, diz o astrônomo
Rodney Gomes, pesquisador do Observatório Nacional (ON), do Rio de Janeiro. Ele
participa desde 2003 do esforço internacional de busca do Planeta Nove, cujo
nome oficial somente poderá ser dado se um dia a Sociedade Internacional de
Astronomia avalizar sua existência. O hipotético planeta poderia resolver um
problema: as órbitas dos TNOs que se destacam no cinturão de Kuiper não podem
ser explicadas apenas por meio da atração gravitacional de Netuno, o oitavo e
último planeta conhecido do Sistema Solar.
Netuno está a uma distância média de 30 unidades
astronômicas (ua) do Sol (uma ua é igual à distância média entre a Terra e o
Sol, equivalente a quase 150 milhões de km). O Planeta Nove poderia ter
uma massa próxima à de Netuno, provavelmente também seria gasoso e estaria
situado muito além. Sua órbita teria uma inclinação próxima a 30 graus,
diferentemente da dos planetas do Sistema Solar, todas praticamente alinhadas
no plano horizontal.
Fontes: Caltech, Universidade de Bern, SPACE.COM (Adaptado).
Cáceres, J. E Gomes, R. The Astronomical Journal. 2019
A física Jéssica Cáceres, estudante de doutorado, e seu
orientador, Gomes, concluíram que, para explicar as órbitas incomuns de TNOs, o
Planeta Nove poderia ter um periélio – a distância mínima do Sol – de 100 ua e
o afélio – a distância máxima – de 1.300 ua, como detalhado em um artigo de
outubro de 2018 na Astronomical Journal. Se a previsão estiver
correta, uma volta completa ao redor do Sol demoraria de 18.520 a 58 mil anos.
Essa proposta diverge da mais aceita, apresentada em
2016, também na Astronomical Journal, por três astrônomos do
Instituto de Tecnologia da Califórnia, Elizabeth Bailey, Konstantin Batygin e
Michael Brown. Segundo eles, a órbita do Planeta Nove poderia variar de 200 ua
a 1.500 ua. Ainda não há consenso sobre qual abordagem seria mais precisa, mas
os pesquisadores do ON argumentam que, mesmo com um periélio menor, o Planeta
Nove poderia manter intactos os outros corpos rochosos do cinturão de Kuiper.
Gomes fez as primeiras simulações da órbita do hipotético
planeta em 2005 e 2006 com John Matese, da Universidade de Louisiana, nos
Estados Unidos, e Jack Lissauer, da Nasa. Em 2015, com Jean Soares Choucair,
atualmente na Universidade Federal de Minas Gerais, e Ramon Brasser, do
Instituto de Tecnologia de Tóquio, ele examinou a influência do Planeta Nove em
centauros, TNOs cujo periélio se encontra antes de Netuno. “Nosso modelo
matemático explicava alguns fenômenos, como a órbita dos centauros distantes,
mas interferia nos centauros mais próximos, o que não era desejável”, conta
Gomes.
Imagem: PBS LearningMedia | IAA-CSIC/UHU
Representação artística dos planetas e do cinturão de
Kuiper,
na borda do Sistema Solar. Identificado em 2017, Haumea (em
destaque) é o primeiro planeta anão a ter um anel.
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Não se sabe de que forma o hipotético Planeta Nove teria
surgido. Poderia ter surgido em uma região mais próxima do Sol e ter sido
repelido por Júpiter e outros planetas gigantes em direção ao final do sistema
solar; se desgarrado da órbita de outra estrela que passou perto do Sol e sido
capturado pelo Sistema Solar; ou, algo menos provável, ter se formado onde
supostamente está.
A despeito da busca de evidências do Planeta Nove, há
quem considere sua existência perfeitamente dispensável para explicar as
órbitas anormais dos TNOs. Em um artigo publicado na International
Journal of Astrophysics and Space Science em fevereiro de 2018, Robert
Brown e Scott R. Dahlke, da Academia da Força Aérea dos Estados Unidos,
argumentaram que a maioria dos TNOs, incluindo os de órbitas incomuns, poderia
ter ocupado as órbitas atuais há poucos milhões de anos, após terem escapado da
atração gravitacional de Netuno. Por sua vez, Antranik Sefilian, da
Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e Jihad Touma, da Universidade
Americana de Beirute, propuseram um disco formado por pequenos corpos gelados,
com uma massa combinada equivalente a 10 vezes à da Terra. A atração
gravitacional do hipotético disco poderia explicar as órbitas alinhadas dos
TNOs, como detalhado em um artigo publicado em 21 de janeiro no Astrophysical
Journal.
Energia Escura
Se confirmada, a descoberta do Planeta Nove será como a
de Netuno, primeiro planeta cuja existência foi proposta, a partir de desvios
na órbita de outro corpo celeste (no caso, Urano), antes de ser observada. De
todo modo, não seria fácil avistá-lo com os atuais meios de observação. “A área
a ser esquadrinhada em busca do Planeta Nove é muito distante, escura e ampla
para ser rastreada pelos atuais telescópios”, diz o astrônomo Márcio Maia, do
ON. “É como se ele percorresse uma rodovia com muitas faixas. Não sabemos em
qual faixa poderá passar nem quando.”
Com outros pesquisadores do Rio e de São Paulo, Maia
participa do Dark Energy Survey (DES), levantamento internacional que mapeia as
estruturas visíveis do Universo, como galáxias e estrelas, em busca da energia
escura, e tem ajudado a descobrir TNOs (ver Pesquisa FAPESP nº 265). Com
base em 4,2 milhões de imagens do DES, dois astrônomos do ON, Júlio Camargo e o
estudante de doutorado Martin Banda-Huarca, recalcularam as órbitas de 202 TNOs
e centauros, dos quais 63 foram descobertos pelo DES. Detalhado em um artigo
aceito para publicação no Astronomical Journal, esse trabalho
contou com o apoio do Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA),
do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do e-Universo.
A sonda New Horizons deve continuar pelo menos até 2021
na até agora pouco acessível região além de Netuno
Em 2017, uma equipe brasileira coordenada por Roberto
Vieira Martins, também do ON, participou da descoberta de anéis ao redor de
Haumea, um dos cinco planetas anões conhecidos (os outros são Ceres, Plutão,
Eris e Makemake). Diferentemente de Plutão, Haumea provavelmente não tem
atmosfera. Ele demora 284 anos para completar uma volta em torno do Sol e
possui um período de rotação de cerca de quatro horas, mais rápido do que
qualquer outro corpo conhecido do Sistema Solar com mais de 100 km de diâmetro.
Sua velocidade de rotação faz com que ele mantenha uma forma similar à de uma
bola de futebol americano. Haumea é o primeiro planeta anão e o primeiro TNO em
torno do qual se descobriu um anel, com cerca de 70 km de largura e 2.200 km de
raio.
O grupo brasileiro participou dos cálculos de previsão da
passagem do planeta anão em frente a uma estrela e da interpretação de dados
coletados durante a observação, com equipes de outros países; quando pode ser
visto da Terra, o fenômeno de ocultação estelar serve para melhorar os cálculos
sobre a órbita e determinar as dimensões de objetos celestes sem luz própria. O
grupo liderado por José Luis Ortiz, do Instituto de Astrofísica de Andaluzia,
da Espanha, acompanhou o fenômeno por meio de 12 telescópios europeus. Por ano,
segundo Camargo, tem-se conseguido observar de três a 10 eventos desse tipo,
que ajudam a conhecer melhor o espaço além de Netuno. “Por causa da dificuldade
de acesso”, diz Maia, “essa era uma região esquecida do Sistema Solar”. A New
Horizons deve continuar por lá pelo menos até 2021.
Artigo Científico
CÁCERES, J. e GOMES, R. The influence of Planet Nine on the orbits of distant TNOs: the
case for a low-perihelion Planet. Astronomical Journal. v. 156,
n. 4 (on line).
BANDA-HUARCA, M. et al. Astrometry and
Occultation predictions to Trans-Neptunian and Centaur Objects observed within
the Dark Energy Survey. The Astronomical Journal (no
prelo).
BROWN, R. e DAHLKE, S. R. The Non-Uniform and Dynamic Orbits of Trans-Neptunian Objects. International
Journal of Astrophysics and Space Science. v. 6, n. 1, p. 38-43, 19 mar.
2018.
BAILEY, E., BATYGIN, K. e BROWN, M. E. Solar obliquity induced by Planet Nine. The
Astronomical Journal. v. 152, n. 5, p. 1-8, 21 out. 2016.
ORTIZ, J. L. et al. The size,
shape, density and ring of the dwarf planet Haumea from a stellar occultation. Nature.
v. 550, p. 219-223, 12 out. 2017.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 276 - Fevereiro
de 2019
Comentário: É sensacional observar o crescimento da
comunidade astronômica brasileira e de suas conquistas. Parabéns a essa pequena
e ativa comunidade científica brasileira.
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