Blog Entrevista Gerante do Projeto SIA
Olá leitor!
Trago agora para você a ultima entrevista do
ano da série de entrevistas com personalidades espaciais atuantes no Programa
Espacial Brasileiro (PEB).
Dessa vez o Blog BRAZILIAN SPACE entrevista
outro grande profissional do PEB que atua no Instituto de Aeronáutica e Espaço
(IAE) de São José dos Campos (SP), mas especificamente na gerência de um dos
principais projetos da Área Espacial e de Defesa do Brasil, ou seja, o PROJETO SIA
(Sistemas Inerciais para
Aplicação Aeroespacial).
Trata-se do Dr. Waldemar Castro Leite Filho,
um dos grandes profissionais atuantes no PEB que tive a oportunidade de
conhecer pessoalmente em minha última visita a São José dos Campos.
Convido ao nosso leitor a ler com bastante
atenção (bastante atenção) esta entrevista, onde o Dr. Waldemar responde as perguntas do blog com
propriedade e objetividade inerentes a sua função e a sua pessoa.
Aproveito para agradecer ao Dr. Waldemar, ao
Brig. Kasemodel, ao Cel. Santana Jr., a Sra. Janaína Pardi Moreira e ao
Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) por mais essa atenção dispensada ao
nosso blog.
Duda Falcão
Dr. Waldemar Castro Leite Filho, pesquisador do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE). |
BRAZILIAN
SPACE: Dr.
Waldemar nos fale sobre o senhor, sua idade, formação, onde nasceu, trajetória
profissional e desde quando o senhor trabalha no Instituto de Aeronáutica e
Espaço (IAE)?
DR. WALDEMAR CASTRO LEITE: Chamo-me Waldemar de Castro Leite Filho, tenho 58 anos e nasci
no Rio de Janeiro. Sou Engenheiro
Eletrônico formado no Instituto Militar de Engenharia IME em 1978. Trabalhei 6 anos e meio no Instituto de
Pesquisa e Desenvolvimento IPD do CTEx na área de controle de mísseis. Vim trabalhar no IAE em maio de 1985, nos
projetos dos veículos SONDA IV e VLS, posteriormente, no VLM. Assim, já tenho 28 anos e meio no IAE. Fiz mestrado, doutorado e pós-doutorado na
área de controle de veículos espaciais.
BRAZILIAN
SPACE: Dr.
Waldemar, o senhor é gerente de um dos mais importantes projetos do setor
espacial e de defesa do Brasil, ou seja, o Projeto SIA (Sistemas Inerciais para Aplicação Aeroespacial). Como surgiu esse projeto e para
aqueles leitores que não o conhecem, o senhor poderia descrever quais são os
objetivos do mesmo?
DR. WALDEMAR LEITE: O
embrião do Projeto SIA começou em no início de 2002 com o nome de SISNAV, por
iniciativa do então diretor do CTA Brig. Thiago Ribeiro. Esse projeto visava a construção de uma
plataforma inercial para o VLS.
Entretanto, não havia verba nem meios disponíveis para que o projeto
realmente deslanchasse.
Em
2004 começou-se a discutir dentro do governo áreas estratégicas para o país e o
assunto sistemas inerciais ficou em evidência.
Nessa ocasião, o Brig. Ribeiro estava no DEPED em Brasília propôs e
conseguiu financiamento nos Fundos Setoriais para o desenvolvimento de sistemas
inerciais. Depois de mais de um ano de
negociações nasceu o Projeto SIA, reunindo os principais institutos da área
envolvidos no assunto: IAE, IEAv, ITA e INPE.
O objetivo do projeto, que inicialmente se referia ao SISNAV, ampliou-se
para englobar o sistema de controle de veículos espaciais.
Passou a ter a abrangência de consolidar a tecnologia de sistemas de
navegação inercial no país.
Sua principal meta é desenvolver e integrar
protótipos de sistemas de navegação inercial para aplicação aeroespacial, com
participação da indústria nacional.
BRAZILIAN
SPACE: Dr. Waldemar, é sabido que o Programa
Espacial Brasileiro passa por grandes dificuldades orçamentárias e de recursos
humanos. Como o senhor tem administrado essas dificuldades e quantos
profissionais fazem parte de sua equipe atualmente no Laboratório de Identificação, Navegação, Controle e Simulação (LINCS)?
DR. WALDEMAR LEITE: O Projeto SIA nasceu da maneira certa. Escopo bem definido e orçamento completo
aprovado. Recursos financeiros
administrados por uma fundação competente.
Diante disso, o SIA não passou pelas dificuldades mencionadas. Trabalhando no LINCS hoje temos 10 funcionários,
4 bolsistas e 3 estagiários. No ano
passado o número de bolsistas superava o de funcionários.
BRAZILIAN SPACE: Dr. Waldemar, recentemente o IAE
inaugurou mais um laboratório (Laboratório
de Sistemas Inerciais para Aplicação Aeroespacial (LABSIA)) ligado ao Projeto SIA. Quais
são os objetivos desse novo laboratório?
DR. WALDEMAR LEITE: O LABSIA tem as mesmas funções
de parte do LINCS porém com aplicações em satélites. O LINCS tem a capacidade de simulação chamada
“hardware in the loop” para veículos controlados (lançadores, sondagem e
mísseis). Já o LABSIA é específico para
satélites, seu controle de atitude e órbita bem como sua monitoração de
estações terrestres. O LABSIA possui um
recurso de teto retrátil que permite o rastreio real de estrelas (em noite
adequada). Não havendo, portanto, a necessidade de um simulador de estrelas.
BRAZILIAN
SPACE: Dr.
Waldemar, em entrevista a revista “Inovação em Pauta” de 2009 editada pela
FINEP, o senhor disse que uma dos seus objetivos era colocar um sistema de navegação inercial abordo do foguete ucraniano
Cyclone-4. Esse objetivo foi alcançado, e caso não, por quê?
DR. WALDEMAR LEITE: Nem poderia pois o
CYCLONE-4 até hoje não foi lançado.
Precisávamos de um teste em voo e com o atraso do VLS1-XVT01 parecia que
teríamos o voo do CICLONE-4 como opção e poderíamos pegar uma carona. Atualmente, não se cogita mais isso, pois
faremos o voo de qualificação no VSISNAV.
BRAZILIAN SPACE: Dr. Waldemar, falando em sistema
de navegação, existe hoje uma grande expectativa de todos nós brasileiros em
ralação ao voo do VLS-1 VSISNAV, onde se pretende testar em voo o Sistema de
Navegação (SISNAV) do VLS-1 desenvolvido pela sua equipe. O que o senhor pode
nos dizer sobre esse sistema de navegação, e se ele já se encontra pronto para
o teste?
DR. WALDEMAR LEITE: Como todo sistema complexo, o
SISNAV é testado por partes e depois o seu todo. Foram feitos diversos tipos de ensaios
funcionais e ambientais para o hardware, algoritmos e software. O modelo de qualificação do SISNAV está
entrando em testes agora e, na sequência, o modelo de voo. Estima-se que em junho do ano que vem, o
SISNAV estará em condições de ser embarcado pra voo.
BRAZILIAN
SPACE: Dr.
Waldemar, existe hoje uma grande preocupação com o destino das tecnologias
desenvolvidas nos institutos de pesquisas do governo, já que o objetivo do
mesmo é passa-las para empresas privadas que detém o status de empresas
brasileiras quando na verdade em boa parte não são. Atualmente existe uma
grande ação de grupos estrangeiros para adquirirem pequenas e médias empresas
genuinamente brasileira do setor aeroespacial, como infelizmente é o caso da
Opto Eletrônica que esta sendo assediada pelo grupo europeu SAFRAN. Qual é a
sua visão sobre esse assunto?
DR. WALDEMAR LEITE: Esse é um problema
antigo e mal compreendido. Os institutos
governamentais desenvolvem tecnologia e elas simplesmente são literalmente
jogadas fora por falta de demanda.
Não se trata de incapacidade técnica e sim de sobrevivência das
empresas. Os institutos governamentais
têm os salários de seus funcionários garantidos no final do mês, estejam eles
ocupados ou não. As empresas precisam
gerar recursos para a folha de pagamento.
Sem demanda como poderão sobreviver?
Migram para outras atividades ou simplesmente fecham. Isso acontece em especial com as pequenas
empresas que ficam na dependência de encomendas do governo.
O
SISNAV é um exemplo disso. Uma vez
qualificado em voo, qual empresa se interessaria em produzi-lo, sabendo que a
demanda é de algumas unidade em 10 anos ?!?!
BRAZILIAN
SPACE: Dr.
Waldemar, em recente entrevista do Blog com o diretor do IAE, Brig. Kasemodel,
o mesmo citou o desenvolvimento da plataforma MARINS para uso em mísseis. Em
que estágio se encontra esse projeto e quando e como essa plataforma inercial
será testada em voo?
DR. WALDEMAR LEITE: O
MARINS é um desdobramento do SISNAV.
Exatamente para contornar o problema de demanda mencionado
anteriormente, uma plataforma para a área de defesa teria uma demanda que
garantisse a manutenção da tecnologia desenvolvida no Projeto SIA. Está em estágio bem avançado e deverá ser testado em voo
já no início de 2014.
BRAZILIAN
SPACE: Dr.
Waldemar, quais foram até o momento os objetivos alcançados pelo Projeto SIA, e
na sua opinião já se pode dizer que o Brasil domina a tecnologia de sistemas
inerciais?
DR. WALDEMAR LEITE: Todos os objetivos
do Projeto SIA foram alcançados e superados.
Construímos uma grande infraestrutura de ensaios para sensores e
sistemas inerciais bem como para simulação de sistemas de controle
aeroespaciais. Produzimos protótipos de
sistemas de navegação inercial para foguetes e também para satélites. Não se tem mencionado até o momento que já
está sendo contratado um bloco girométrico para o sistema de controle do
próximo satélite brasileiro, feito pelo Projeto SIA.
Temos
muito conhecimento da tecnologia de sistemas inerciais. Porém, considero que só teremos domínio dessa
tecnologia quando tivermos produtos brasileiros da mesma. Infelizmente, isso ainda não aconteceu. Mas estamos a um passo disso. Só depende da demanda.
BRAZILIAN
SPACE: Finalizando
Dr. Waldemar, o que o senhor gostaria de acrescentar para nossos leitores?
DR. WALDEMAR LEITE: Meu desejo é que o
legado do Projeto SIA não seja desperdiçado.
Que haja uso correto para aquilo que foi feito e para o qual foi
desenvolvido. Que retorne para a
sociedade brasileira o investimento que foi feito, pago pelos impostos daqueles
que trabalham para construir esse país.
Ótima entrevista! Parabéns ao blog e ao Dr. Waldemar Leite.
ResponderExcluirTenho uma pequena dúvida, não relacionada com a entrevista (porque esta foi bem clara): o projeto SARA não testará/utilizará também nenhum tipo de tecnologia realizada pelo projeto SIA? Se sim, isso não nos daria alguns resultados, sendo um gênero de prelúdio, no que concerne ao VLS?
Pergunto isso porque sei que possivelmente será um dos primeiros eventos, prestes a acontecer, que podem transportar esse tipo de tecnologia.
Caro Israel!
ExcluirEu vou deixar que o próprio Dr. Waldemar responda a essa sua pergunta, pois ele certamente está atento aos questionamentos feitos pelos nossos leitores, tá ok?
Abs
Duda Falcão
(Blog Brazilian Space)
Prezado Israel
ExcluirPretendemos voar uma plataforma MARINS no SARA suborbital;
Waldemar
Bem você falou que no inicio de 2014 iriam testar a plataforma MARINS, e deveria ter deduzido que seria no SARA. Obrigado pelo esclarecimento.
ExcluirTorno a insistir que a visão está completamente invertida.
ResponderExcluirExemplo: todos sabemos que existe mercado, e um mercado crescente para lançadores especializados em orbitar pequenos satélites.
Todos sabemos que o Brasil possui tecnologia comprovada e que o sucesso de um lançador com a configuração do VLM seria um sucesso.
Não foi necessário NENHUM trabalho de venda para que os alemães se propusessem a financiar 20% desse projeto.
O que falta é justamente a visão comercial de empreendedores, que busquem financiamento para realizar um projeto que vai dar LUCRO num sistema capitalista.
Nesse caso, a pergunta seria outra: qual empresa não vai querer participar de um projeto com enorme chance de sucesso e lucrativo?
Se isso não for possível, melhor nem começar a trabalhar nessa área. É gastar dinheiro do contribuinte à toa, como disse o próprio Waldemar, "são literalmente jogadas fora por falta de demanda". Afinal, como diz o ditado "quem não sabe brincar, não desce pro play".
A minha restrição em relação ao VLS como projeto, é exatamente essa. Existem hoje várias opções no mercado do mesmo porte que o VLS muito mais testadas e consequentemente mais confiáveis e lucrativas que ele.
Já o VLM, como projeto é mais simples que o VLS, podendo diminuir os custos de forma considerável, sendo portanto hoje em dia, a meu ver, o único projeto de lançador brasileiro, economicamente viável.
Só par não deixar passar, enquanto o Brasil patina, cancela o programa do motor L15, fez pouquíssimos testes com o L5 e o L75 continua sendo um sonho, a Copenhagen Suborbitals já testou o seu motor de 65 kN duas vezes !
ResponderExcluirIsso com um programa completamente amador, financiado por doações privadas cujo único apoio governamental foi o da Marinha da Dinamarca.
O motor em questão é o TM65.
É vergonhoso os nossos cientistas, engenheiros e técnicos envolvidos com o PEB assistirem isso tudo sem tomar nenhuma atitude drástica a respeito.
Prezado Marcos
Excluirpoderia nos dar um exemplo de que tipo de atitude drástica você se referindo ?
Parabéns por mais uma ótima entrevista.
ResponderExcluirMas gostaria de saber se o Projeto SIA participou de alguma forma da construção do míssil antirradiação - MAR-1 e se seu sistema inercial foi que deu origem ao MARINS ou se não houve correlação.
Prezado Marcelio
ExcluirO projeto SIA não tem nenhuma participação no MAR-1.
O MARINS pode ser usado sim no MAR mas isso é uma decisão da Mectron, pois teria de ser feito modificações internas