A Era dos Pequenos, Micros e Nano Satélites (4)
Olá leitor!
Segue abaixo a quarta parte da série de artigos
sobre a "Era
dos Pequenos, Micro e Nanosatélites" (veja aqui a primeira parte, a segunda parte e a terceira parte) escrita pelo Sr.
José Monserrat Filho e postada ontem (16/12) no site do “Jornal
da Ciência” da SBPC.
Duda Falcão
A Era dos Pequenos, Micros e Nano Satélites (4)
José Monserrat Filho*
Jornal da Ciência
16/12/2013
Como são regulados os pequenos satélites (micros, nano,
cube, pico etc.)? Qual é sua definição legal? Ainda não há respostas a essas
perguntas. Talvez elas venham a existir quando os pequenos satélites começarem
a gerar problemas e riscos específicos. Mas, por enquanto, não há distinção
jurídica entre satélites pequenos ou grandes, pelo menos no nível mundial.
Todos são objetos espaciais, segundo a legislação internacional vigente. Só que
ainda não há, no Direito Espacial Internacional, uma definição amplamente
reconhecida de "objeto espacial".
Existe apenas a referência idêntica feita nos artigos 1º
da Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por
Objetos Espaciais, de 1972, e da Convenção Relativa ao Registro de Objetos
Lançados ao Espaço Cósmico, de 1975 (das quais o Brasil é parte). Diz essa
referência: "O termo 'objeto espacial' inclui as peças componentes de um
objeto espacial e também seu veículo lançador e respectivas peças."¹
Essa definição "não é clara nem satisfatória",
criticou Isabella Diederiks-Verschoor². A rigor,
não estamos diante de uma definição, embora seja correto dizer que de um objeto
espacial fazem parte seus componentes, bem como seu veículo lançador e as peças
desse veículo. Hoje se admite tranquilamente que um detrito (lixo) espacial
feito por seres humanos é um objeto espacial, mas é preciso pôr isso no papel e
assinar em baixo. Há que esclarecer o que se entende legalmente por
"objeto espacial". Essa é uma das grandes lacunas do Direito Espacial
Internacional - lacuna que tem a mesma idade da Era Espacial, inaugurada pelo
Sputnik-1, em 1957, ou seja, 56 anos.
A propósito, para se ter uma ideia mais concreta do
problema, vale perguntar: uma estação espacial é um objeto espacial ou um
conjunto de objetos espaciais?
Para Bin Cheng, o termo cobre todo tipo de objeto -
"satélites, espaçonaves, veículos espaciais, equipamentos, estruturas,
estações, instalações e outras construções, inclusive seus componentes, bem
como seus veículos lançadores e respectivas partes"3. Quer dizer, tamanho
não é documento.
Propostas de definição de "objeto espacial" há
muitas - Em 1988, H. A Baker
escreveu, por exemplo: "'Objeto espacial' 1) significa (a) qualquer objeto
(i) destinado a ser lançado, que esteja ou não em órbita, ou além; (ii)
lançado, que esteja ou não em órbita, ou além; ou (iii) qualquer objeto usado
instrumentalmente como meio para lançar qualquer objeto definido no item 1(a);
e 2) e inclui (a) qualquer parte oriunda do objeto espacial ou (b) qualquer
objeto a bordo do qual se desprenda, seja ejetado, emitida, lançado ou jogado
fora, intencionalmente ou não, desde o momento da ignição dos propulsores do
primeiro estágio."4 É
complicado, mas com um pequeno esforço, dá para entender.
Por sua vez, o Núcleo de Estudos de Direito Espacial
(NEDE), da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), tem
trabalhado com o conceito de objeto espacial como "artefato, no todo ou em
parte, lançado ou a ser lançado para realizar atividades espaciais, bem como
seu veículo lançador e partes componentes, seja qual for o resultado do
lançamento e sendo ou não controlado por seu operador".
Assim, o tamanho, o peso e a missão dos pequenos
satélites não importam. Eles são regidos, tal qual os grandes satélites, pelo
atual sistema jurídico que regula o espaço exterior e as atividades nele
exercidas por entidades governamentais e não-governamentais e organizações
intergovernamentais. O sistema é incompleto e carente de atualização, mas é o
que temos hoje e deve ser respeitado, dentro do compromisso e do espírito de
fortalecer o Estado de Direito, sem o qual a situação pode tornar-se ainda mais
prejudicial para a paz e a cooperação entre todos os países, grandes e
pequenos.
E as resoluções da Assembleia Geral da ONU? - Elas também
são consideradas parte do dito sistema, embora não com a mesma força dos
tratados. Entre as resoluções, declarações, princípios e diretrizes sobre
questões espaciais aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, estão: os
Princípios Reguladores do Uso pelos Estados de Satélites Artificiais para
Transmissão Direta Internacional de Televisão, de 1982; os Princípios sobre
Sensoriamento Remoto, de 1986; os
Princípios Relativos ao Uso de Fontes de Energia Nuclear no Espaço Exterior, de
1992; a Declaração sobre a Cooperação Internacional na Exploração e Uso do
Espaço Exterior em Benefício e no Interesse de todos os Estados, Levando em
Especial Consideração as Necessidades dos Países em Desenvolvimento, de 1996; a
Aplicação do Conceito de Estado de Lançamento, de 2004; a Plataforma das Nacões
Unidas de Informações Obtidas a partir do Espaço Exterior para a Gestão de
Desastres Naturais e a Resposta de Emergência, de 2006.
Também aqui se fala em objetos espaciais e satélites, mas
sem diferenciá-los do ponto de vista jurídico.
Com base em tal sistema de princípios, normas e
resoluções, obrigatórios ou apenas recomendativos, pode-se afirmar que
"todos os direitos e obrigações internacionais dos Estados relativos aos
grandes satélites são igualmente relevantes para a conduta das atividades
espaciais que utilizam pequenos satélites", como salienta Ram S. Jakhu,
professor do Instituto de Direito Aeronáutico e Espacial da Universidade
McGill, que tem sede em Montreal, Canadá.5
Mas essa situação permanecerá assim para sempre? O que se
pode esperar de uma futura legislação sobre os pequenos, micros e mini
satélites? Seu uso poderá ser restringido de alguma forma?
São os desafios que enfrentaremos em próximo artigo. Até
lá.
* José Monserrat Filho é chefe da Assessoria de Cooperação
Internacional da AEB, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito
Aeronáutico e Espacial, e diretor honorário do Instituto Internacional de
Direito Espacial, membro pleno da Academia Internacional de Astronáutica
Notas e referências:
1) Ver textos das convenções em <www.sbda.org.br>. Ver
também o livro Direito Espacial Contemporâneo -
Responsabilidade Internacional, de Olavo de Oliveira Bittencourt
Neto, publicado pela Ed. Juruá,
em 2011. Ver ainda Cologne Commentary on Space
Law, Volume II, Hobe, Schmidt-Tedd, Schogl (ed); Cologne, Germany:
Carl Heymanns Verlag, 2013, pp. 114-115.
2)
Diederiks-Verschoor, I. H. Ph, An Introduction to Space Law,
Kluwer Law International, 1999, p. 47.
3) Bin
Cheng, Studies on International Space Law,
Clarendon Press, USA, Oxford, p. 464.
4)
Baker, H. A, Liability for Damage Caused in Outer Space by
Space Refuse, 12 Ann. Air & Space L. 183 at 192, 1988, citado
por Bruce A. Hurwitz in Space Liability for Outer
Space Activities, Martinus Nijhoff Publichers, 1992, p. 26.
5)
Jakhu, Ram S., Pelton, Joseph N., Small Satellites and Their Regulation,
SpringerBriefs in Space Development and International Space University (ISU),
2013.
Fonte: Site do Jornal da Ciência de 16/12/2013
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