Ainda Não Decolamos
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo escrito pelo coordenador do curso de Eng. Aeroespacial da UFABC, Luiz de Siqueira Martins Filho, e postado no site da revista
(Carta na Escola).
Duda Falcão
Ainda Não Decolamos
Uma década após a explosão da base de Alcântara,
temos
muitas iniciativas em desenvolvimento para
nosso programa espacial, mas poucas
de sucesso efetivo
Por Luiz de Siqueira Martins
Filho
Revista Carta na Escola
Edição nº 82
Dezembro de 2013
Foto: Estella Maris
O domínio da tecnologia espacial é fundamental na soberania nacional. |
Há dez anos, um
acidente durante a montagem e preparação para o lançamento do foguete VLS-1
causou a morte de 21 engenheiros e técnicos brasileiros na base de lançamentos
de Alcântara, no Maranhão. Esse trágico acidente mostrou as dificuldades e
limitações do País no domínio de tecnologias fundamentais para o projeto,
principalmente na construção e lançamentos de foguetes para fins de exploração
espacial pacífica. A tragédia provocou ainda o atraso no programa, pela irreparável
perda de vidas humanas e consequente descontinuidade no desenvolvimento das
atividades, e pelos naturais questionamentos sobre as opções e os rumos
adotados na política espacial brasileira.
O programa espacial
brasileiro, conforme definido no Programa Nacional de Atividades Espaciais
(PNAE), na sua versão de 2005, tem como objetivo principal o domínio da
tecnologia espacial, buscando a capacitação do chamado ciclo espacial completo,
que compreende o estabelecimento de centros de lançamento, o projeto e a
construção de veículos lançadores, de satélites e de suas cargas úteis. Esse
programa destaca o caráter estratégico que essa área tem para o Brasil, tanto
em termos de soberania nacional quanto de relevância socioeconômica, pois é
fundamental que um país de dimensões continentais tenha domínio independente de
tecnologias de telecomunicações, de observação terrestre (monitoramento
ambiental, informações agropecuárias etc.), e de previsão meteorológicas. Esse
documento PNAE foi revisado em 2012, colocando num horizonte de dez anos
algumas novidades em termos de ações do governo federal para aumentar e
consolidar investimentos no programa.
As principais
novidades são a inclusão das questões espaciais nos Fundos Setoriais, a
definição de uma Estratégia Nacional de Defesa, o lançamento do projeto do
Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), e a
inclusão de uma reserva especial no programa Ciência sem Fronteiras para esta
área. Houve também uma iniciativa legislativa para a desoneração fiscal do
setor. Essas mudanças e inclusões mostram um entendimento que somente com o
engajamento de setores industriais e a participação de investimentos privados o
País conseguirá superar o atraso tecnológico e a dependência em relação a outros
países fornecedores de produtos e serviços. A Agência Espacial Brasileira (AEB)
mantém dois programas importantes associados à educação: o programa Uniespaço,
para o financiamento de projetos de pesquisa e desenvolvimento em universidades
brasileiras, e o programa AEB-Escola, para divulgar as atividades espaciais e
estimular em nossas crianças e jovens o interesse pela ciência e pela
tecnologia. Esses programas mostram uma preocupação com a disseminação das
ciências espaciais e com o estímulo à formação de profissionais especialistas
para atuar no setor.
Embora haja a
novidade do recente aumento da oferta de cursos de Engenharia Aeroespacial e
Aeronáutica em universidades nos últimos anos (Federal do ABC, Instituto
Tecnológico da Aeronáutica, Federal de Minas Gerais, UNB, USP, Federal de
Uberlândia, Federal de Itajubá e de Santa Catarina), as atividades espaciais,
pesquisa e projetos, se concentram essencialmente no Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (INPE) e nos institutos do Departamento de Ciência e
Tecnologia Aeroespacial do Ministério da Aeronáutica (DCTA).
Os projetos de
satélites são desenvolvidos no INPE, em São José dos Campos, interior paulista.
Entre os vários programas, destaca-se o do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos
Terrestres (CBERS, do nome em inglês China-Brazil Earth-Resources Satellite),
que já lançou com sucesso três satélites da série e produziu uma enorme
quantidade de imagens da superfície terrestre para diversos fins. Essa
cooperação com a China permitiu ter contato com o avançado programa espacial
daquele país, e contar com o lançamento dos satélites utilizando um foguete
chinês. Outro programa desenvolve uma plataforma base para diferentes missões,
denominada Plataforma Multimissão (PMM). Por exemplo, o satélite Amazônia-1
baseado na PMM tem lançamento previsto para 2015, e deverá monitorar o
desmatamento na Região Amazônica.
Com o projeto CBERS, parceria com a China, três satélites foram lançados e o Brasil teve contato com a avançada tecnologia chinesa. |
O maior desafio
atual para o Brasil em termos de satélites é o projeto, construção e colocação
em órbita de um satélite geoestacionário de comunicações. Atualmente, o País
depende de utilização de satélites estrangeiros, que fornecem serviços de
telecomunicação através do aluguel de linhas. A perspectiva de alcançar uma
independência nesse setor estratégico tornou-se mais viável depois da decisão
de o governo federal contratar um consórcio ítalo-francês para o fornecimento e
transferência da tecnologia e de uma empresa nacional para a construção do tão
desejado satélite geoestacionário, o SGDC. A previsão de colocação em serviço é
2016.
Os lançadores de
satélites e foguetes de sondagem são desenvolvidos em São José dos Campos,
principalmente no Instituto de Aeronáutica e do Espaço (IAE). O acidente com o
Veículo de Lançamento de Satélites (VLS-1) provocou uma descontinuidade com a
perda trágica de 21 especialistas. O IAE segue trabalhando no desenvolvimento
dos foguetes, como o VSB-30, que realizou diversas missões de sondagem em
cooperação com outros países. Em outra frente de busca de acesso ao espaço, o
governo consolidou uma cooperação com a Ucrânia, com a criação da empresa
binacional Alcântara Cyclone Space centrada no projeto do foguete Cyclone-4,
a ser lançado da Base de Alcântara. Esse empreendimento, depois de fases
alternadas de indefinições e retomadas, promete lançamento do primeiro foguete
em 2015, e é candidato à principal alternativa de lançadores de satélites
brasileiros para o futuro próximo.
Pode-se ver que há
muitos programas e iniciativas, mas apenas uma parte já chegou com sucesso a
resultados efetivos. E por que seria? As razões são várias. Talvez as primeiras
delas sejam a limitação e a descontinuidade de investimentos financeiros no
setor. Nos períodos de crise econômica, programas considerados de pouco apelo
popular apesar da relevância estratégica, como é o caso do programa espacial,
são os primeiros alvos de cortes nos orçamentos. Além disso, falta transformar
o programa espacial em um programa de Estado, e não de governos, para que não
sofra com a alternância de partidos e grupos políticos nos postos de comando do
desenvolvimento científico e tecnológico do País. É preciso superar a imagem de
supérfluo das atividades espaciais, pois elas representam muito de
independência tecnológica e de soberania, e são de grande importância
socioeconômica.
Outra razão da
morosidade com que avançamos nas tecnologias espaciais é o reduzido número de
especialistas no mercado de trabalho. Essa carência começa a ser combatida com
a expansão de oferta de cursos específicos em universidades públicas de
primeira linha, mas necessita igualmente da consolidação da perspectiva de uma
carreira profissional atraente para estimular nossos estudantes para o ingresso
na área. O incentivo às empresas privadas para colocar as tecnologias espaciais
entre suas atividades ainda obtém poucos resultados, e as instituições públicas
federais INPE e IAE vêm perdendo seus especialistas por aposentadoria sem
reposição de quadros num ritmo adequado.
Dentro da política
de estímulo para o setor privado, o plano Inova Aerodefesa, ação conjunta da
Financiadora de Estudos e Projetos, do BNDES, do Ministério da Defesa e da
Agência Espacial Brasileira pretende estimular empresas brasileiras para que
incluam em seus planos de negócios temas comprometidos com a pesquisa, o
desenvolvimento e a inovação das cadeias produtivas desses setores.
Esse apoio se dará
por meio de crédito, subvenção econômica e projetos cooperativos entre
instituições e empresas, e seu enfoque é a inovação tecnológica e o aumento da
competitividade no setor Aeroespacial e de Defesa. Isso é fundamental, pois
entre as tecnologias espaciais, são muitas as consideradas sensíveis (de
aplicação bélica), que não estão disponíveis para aquisição ou importação.
O que todos
esperamos é que haja continuidade nos investimentos, incentivos e esforços para
que o Brasil avance na intensidade e no ritmo necessários para tornar o setor
espacial uma área importante de desenvolvimento socioeconômico. E é também
uma opção atraente de carreira para profissionais qualificados e motivados.
Ordem de Chegada da
Corrida Espacial
1º URSS (1957)
2º EUA (1958)
3º França (1965)
4º China (1970)
5º Japão (1970)
6º Reino Unido
(1971)
7º Índia (1980)
8º Israel (1988)
9º Irã (2009)
10º Coreia do Sul
(2009)
Ranking de Investimento
em Programas Espaciais*
1. EUA (0,295%)
2. Índia (0,1%)
3. França (0,0097%)
4. Rússia (0,085%)
5. China (0,069%)
23. Brasil (0,010%)
*Verba dos programas
dividida pelo PIB
Fontes: Portal da
Transparência e Official Nasa budget
Fonte: Site da
revista Carta na Escola - http://www.cartanaescola.com.br/
Comentário: Gostaríamos de agradecer ao leitor Edgard Packness pelo envio
desse artigo.
Não sei se essa matéria é comprada ou não, mas achei estranho ele ter mencionado o acidente do VLS-1 e ter dito logo em seguida que o Cyclone-4 é o principal lançador para o futuro. Quer dizer que o desenvolvimento do VLS é irrelevante? Porque ele não mencionou os foguetes de tecnologia nacional?
ResponderExcluirEita povo que gosta de criar caso!
ExcluirO cara escreveu que o Cyclone 4 é a alternativa de lançador pro futuro próximo. O que é verdade.
Ele não falou nenhuma mentira. Critica a falta de investimentos e relata o prejuízo irreparável causado pelo acidente do VLS, o que provocou a descontinuidade do programa por muito tempo, afinal foram 21 profissionais de altíssima qualidade que tiveram suas vidas perdidas.
Volto a dizer: O VLS deveria ter sido testado primeiro sem os boosters laterais, qualificado assim e adicionado os boosters depois. O primeiro lançamento em 1997 teve falha num desses boosters.
Me parece que o segundo em 1999 teve falha na separação dos boosters e o terceiro, o incêndio começou em um dos boosters.
É anônimo, a boa notícia é que segundo o brigadeiro Kasemodel teremos o lançamento do VLS-SISNAV. Esperemos que esses testes deem certo. Paz!
ExcluirE qual o motivo?
ResponderExcluirO artigo menciona com razão: "há muitos programas e iniciativas, mas apenas uma parte já chegou com sucesso a resultados efetivos".
Na minha modesta opinião, esse é o problema. Parece que as pessoas responsáveis vivem num mundo de "faz de conta". Como é possível tentar conduzir uma ampla gama de projetos em várias áreas com um orçamento pífio?
No momento em que estamos, o certo seria separar muito bem as coisas: as necessidades e as possibilidades.
O Brasil necessita de satélites de monitoração ambiental e comunicação de grande porte. No entanto, não tem orçamento para tal. Então essa necessidade deveria ser completamente desvinculada do nosso programa espacial. O Brasil deveria comprar os satélites que necessita, preferencialmente com cláusula de pagamento contra entrega (riscos por conta do fornecedor) e fim.
Quanto as possibilidades, com um orçamento desses, o máximo e melhor que poderíamos esperar é finalizar o VLM e um pequeno satélite de sensoriamento remoto ou de pesquisa científica de outro aspecto para acompanha-lo. Tudo com um único e simples objetivo: passar a fazer parte daquela lista "Ordem de Chegada da Corrida Espacial" da qual já deveríamos e poderíamos estar fazendo parte desde o final dos anos 90 início dos anos 2000 se não tentassem fazer o ótimo sem sequer ter conseguido fazer o bom.
É hora de alguém de bom senso, se é que existe, nessa área, colocar os pés no chão e aceitar o fato que não dá para tentar fazer tudo que estão tentando fazer com esse orçamento ridículo. Então volto aquela proposta que tenho feito desde as minhas primeiras participações aqui: Um lançador simples e um satélite simples. Se é isso que podemos fazer, que seja feito, mas que ao menos isso seja feito de maneira correta.
Parece que tem gente mais interessada em mostrar o que poderíamos fazer se tivéssemos as condições necessárias do que efetivamente o que podemos fazer com as condições que temos.