Como a China Pretende Se Tornar uma Superp. Espacial?
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo do José Monserrat Filho postado
hoje (02/01) no site da Agência Espacial Brasileira (AEB) destacando como China pretende se tornar uma Superpotência
Espacial.
Duda Falcão
Notícias
Como a China Pretende Se Tornar
uma Superpotência Espacial?
José Monserrat
Filho*
02-01-2012
A China reafirma
que “se opõe à instalação de armas ou a qualquer corrida armamentista no espaço
exterior”. As demais potências espaciais, exceto a Rússia, ainda não assumiram
essa posição. A instalação de armas em órbita da Terra e a corrida por armamentos
espaciais estão entre as maiores ameaças à sustentabilidade das atividades
espaciais a longo prazo. A questão é crucial e está em debate hoje no Comitê
das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço (COPUOS, na conhecida sigla em
inglês). A manifestação chinesa consta do "Livro Branco sobre as
Atividades Espaciais de 2011", lançado pelo governo às vésperas do ano
novo, em 29 de dezembro, relatando o que realizou nos últimos cinco anos (desde
2006) e o que projeta realizar nos próximos cinco.
O documento dedica
parágrafo especial ao tema “O desenvolvimento pacífico”, onde frisa: “A China
tem aderido sempre ao uso do espaço para fins pacíficos, e se opõe à instalação
de armas ou a qualquer corrida armamentista no espaço exterior. O país se
desenvolve e utiliza recursos do espaço de modo prudente e toma medidas
eficazes para proteger o ambiente espacial, garantindo que suas atividades
espaciais beneficiem toda a humanidade”. E ainda: “A China trabalhará junto com
a comunidade global para manter um espaço pacífico e limpo e oferecer novas
contribuições à nobre causa de promover a paz mundial e o desenvolvimento”.
Parte da imprensa
viu o relatório espacial de Pequim como mera demonstração de um país candidato
a “superpotência espacial”, sobretudo pelos seus novos planos de exploração da
Lua.
Eu diria que a
China já é uma potência espacial, tanto pelas conquistas alcançadas, como pelo
que planeja alcançar nos próximos anos. Desde 2006, ela efetuou 67 lançamentos
que puseram em órbita 79 satélites com total êxito. Já realiza voos espaciais
tripulados com seus próprios meios. Está construindo sua própria estação
espacial e seu próprio sistema de navegação e posicionamento global, batizado
de Beijou (Bússola), alternativo ao GPS americano – o Bússola já funciona e
crescerá mais ainda nos próximos cinco anos, inclusive para monitorar o lixo
espacial.
O problema é saber
como, com que idéias e políticas, a China tem ganho status de potência
espacial. Vejo pelo menos quatro tipos de questões importantes a examinar a
propósito, no livro branco, em especial para países como o Brasil, que mantém
cooperação espacial com a China: 1) A visão chinesa do espaço; 2) O papel do
espaço no avanço industrial da China; 3) Políticas de desenvolvimento; e 4)
Políticas e prioridades na cooperação internacional.
A visão chinesa do
espaço – A China define o espaço como “riqueza comum da humanidade”. A seu ver,
“a exploração, o desenvolvimento e o uso do espaço são busca incessante da
humanidade”. Para o dragão asiático, “a posição e o papel das atividades
espaciais são cada vez mais importantes para a estratégia de desenvolvimento
geral de cada país ativo e aumentam sua influência sobre a civilização humana e
o progresso social”.
“Os propósitos da
indústria espacial da China são: explorar o espaço e ampliar a compreensão da
Terra e do Cosmos; usar o espaço para fins pacíficos, promover a civilização
humana e o progresso social, e beneficiar toda a humanidade; atender às
demandas de desenvolvimento econômico, desenvolvimento científico e
tecnológico, segurança nacional e progresso social, e melhorar o conhecimento
científico e cultural do povo chinês, proteger os direitos e os interesses
nacionais da China, e construir uma força nacional abrangente.
A indústria espacial da China subordina-se e serve à estratégia nacional de
desenvolvimento geral, e adere aos princípios de desenvolvimento científico,
independente, pacífico, inovador e aberto.”
São idéias de uma
visão globalizada, em cujo centro estão a humanidade e a civilização humana. Os
chineses não proclamam como prioridades a liderança exclusiva, a segurança e o
interesse estratégico de um país ou grupo de países em detrimento dos demais,
mas não também abrem mão do direito de proteger suas prerrogativas e interesses
nacionais legítimos.
O papel do espaço
no avanço industrial chinês – Esse capítulo e o seguinte são essenciais para
entender o que move a China no espaço. E valem para países como o Brasil, com
vocação e necessidades espaciais inequívocas, sobretudo pela extensão
territorial e pelas riquezas naturais.
Eis alguns trechos
sintomáticos do livro branco:
“O governo chinês
faz da indústria espacial parte importante da estratégia geral de
desenvolvimento da nação (…). Ao longo dos últimos anos, a indústria espacial
da China tem se desenvolvido rapidamente, o que a coloca entre os países
líderes do mundo em certas áreas relevantes da tecnologia espacial. As
atividades espaciais desempenham papel cada vez mais importante no
desenvolvimento econômico e social da China.”
“Os próximos cinco
anos serão um período crucial para a China construir uma sociedade
moderadamente próspera, aprofundar a reforma e a abertura, e acelerar a
transformação do padrão de desenvolvimento econômico do país. Isto trará novas
oportunidades para sua indústria espacial.”
“A China
concentrará seu trabalho nos objetivos estratégicos nacionais, reforçará sua
capacidade de inovação independente, se abrirá ainda mais ao mundo exterior e
ampliará a cooperação internacional. Assim agindo, dará o melhor de si para
fazer sua indústria espacial se desenvolver melhor e mais rápido.”
“A China respeita
a ciência e as leis da natureza. Tendo em mente a situação atual de sua
indústria espacial, ela elabora planos e arranjos abrangentes de suas
atividades ligadas à tecnologia, às aplicações e às ciências espaciais, para
manter o desenvolvimento integral, coordenado e sustentável da indústria.”
“Mantendo-se no
caminho da independência e auto-suficiência, a China apoia-se em primeiro lugar
na própria capacidade para desenvolver a indústria espacial destinada a atender
às necessidades de modernização, com base em suas condições atuais e sua
força.”
“A estratégia da
China para desenvolver a indústria espacial é reforçar sua capacidade de
inovação independente, consolidar suas bases industriais e melhorar seu sistema
de inovação. Executando importantes projetos de ciência e tecnologia espaciais,
o país concentra sua força em fazer descobertas-chave para promover saltos no
desenvolvimento neste campo.
“A China persiste
em combinar independência e auto-suficiência com abertura para o mundo exterior
e cooperação internacional. Empenha-se ativamente em promover o intercâmbio e a
cooperação espaciais no campo internacional, baseados na igualdade e benefícios
mútuos, no uso pacífico e no desenvolvimento comum, esforçando-se para promover
o progresso da indústria espacial da humanidade.”
Políticas de
desenvolvimento – É interessante conhecer as diretrizes traçadas pela China para
desenvolver a indústria espacial:
- Elaborar planos
abrangentes e arranjos prudentes para as atividades espaciais; priorizar os
satélites aplicados e as aplicações de satélites; desenvolver de forma adequada
os vôos tripulados e a exploração do espaço profundo; e apoiar ativamente a
exploração científica do espaço.
- Fortalecer a
capacidade de inovação em ciência e tecnologia espaciais; focar a execução de
projetos de ciência e tecnologia espaciais e promover o avanço da ciência e
tecnologia espaciais por meio de novas descobertas em tecnologias críticas e
integração de recursos; empenhar-se na construção de um sistema inovador de
tecnologia espacial, integrando indústria, academia e comunidade
científica espaciais, com empresas e instituições de pesquisa de ciência e
tecnologia espaciais como principais participantes; reforçar a pesquisa básica
na área espacial e desenvolver múltiplas tecnologias de ponta para aumentar a
capacidade de inovação sustentável em ciência e tecnologia espaciais.
- Promover
vigoroso desenvolvimento da indústria de aplicações de satélites. Elaborar
planos abrangentes e construir infraestrutura espacial; promover o uso público
compartilhado de recursos de aplicações de satélite; promover empresas
“clusters”, cadeias produtivas industriais e mercado para aplicações de
satélites.
- Fortalecer
capacidades básicas em ciência, tecnologia e indústria espaciais; a construção
de infra-estrutura para desenvolver, produzir e testar naves espaciais e
veículos lançadores; a construção de laboratórios e centros avançados de
pesquisa em engenharia para a ciência e tecnologia espaciais; e o trabalho em
informatização, direitos de propriedade intelectual e padronização das
atividades espaciais.
- Reforçar o
trabalho legislativo. Promover ativamente pesquisas sobre o direito espacial
nacional, formular e aperfeiçoar gradualmente leis, regulamentos e políticas
industriais para orientar e regulamentar atividades espaciais, e criar
legislação ambiental favorável a seu desenvolvimento.
- Garantir
investimento sustentável e permanente às atividades espaciais; criar,
gradualmente, um sistema de financiamento espacial diversificado e de múltiplos
canais para garantir o investimento sustentável e permanente, em particular,
para fornecer amplos recursos financeiros a importantes projetos espaciais de
ciência e tecnologia, de satélites aplicados e de aplicações de satélites, de
tecnologias de ponta e de pesquisas básicas.
- Incentivar
organizações e pessoas de todas as esferas da vida para participarem de
atividades espaciais; incentivar institutos de pesquisa científica, empresas,
instituições de ensino superior e organizações sociais, sob a orientação das
políticas espaciais nacionais, para que aproveitem as próprias vantagens e participem
ativamente das atividades espaciais.
- Fortalecer a
formação de profissionais para a indústria espacial; desenvolver um ambiente
favorável ao desenvolvimento de profissionais, promovendo figuras de proa na
indústria espacial e constituindo um contingente profissional bem estruturado e
altamente qualificado no curso da execução de projetos relevantes e pesquisas
básicas; dar publicidade ao conhecimento e à cultura espaciais, e atrair
pessoal de alto nível para a indústria do setor.”
Políticas e
prioridades na cooperação internacional – Eis a lista apresentada:
“- Apoiar as
atividades de uso pacífico do espaço, no âmbito das Nações Unidas, bem como as
atividades de todas as organizações espaciais intergovernamentais e
não-governamentais que promovam o desenvolvimento da indústria espacial;
- Dar ênfase à
cooperação espacial da região Ásia-Pacífico e apoiar a cooperação espacial em
outras regiões do mundo;
- Reforçar a
cooperação espacial com os países em desenvolvimento e valorizar a cooperação
espacial com os países desenvolvidos;
- Incentivar e
endossar os esforços dos institutos nacionais de pesquisa científica, empresas
industriais, instituições de ensino superior e organizações sociais para que
desenvolvam o intercâmbio e a cooperação espacial internacional em diversas
formas e em vários níveis, sob a orientação das políticas de Estado, leis e
regulamentos pertinentes;
- Utilizar de modo
apropriado os mercados interno e externo, recursos de ambas as fontes, e
participar, ativamente, da cooperação espacial internacional.”
O livro branco também
afirma:
“O governo chinês
sustenta que cada país do mundo tem direitos iguais de explorar, desenvolver e
usar livremente o espaço e os corpos celestes, e que as atividades espaciais de
todos os países devem beneficiar o desenvolvimento econômico, o progresso
social das nações, a segurança, sobrevivência e desenvolvimento da humanidade.
A cooperação
espacial global deve se submeter aos princípios fundamentais enunciados na
"Declaração sobre a Cooperação Internacional na Exploração e Uso do Espaço
Exterior em Benefício e no Interesse de todos os Estados, levando em espacial
consideração as necessidades dos países em desenvolvimento" (aprovada pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1996).
O intercâmbio
internacional e a cooperação devem ser reforçados para promoverem o
desenvolvimento espacial inclusivo, com base na igualdade de direitos e
benefícios mútuos, uso pacífico e desenvolvimento comum.”
Tudo indica que o
enfoque chinês da cooperação é não excludente e não discriminatório, isto é,
não procura impedir os demais países de desenvolverem tecnologias espaciais.
Todas essas
concepções e decisões práticas foram omitidas em grande parte das informações
divulgadas pela imprensa sobre o novo documento chinês, que merece exame ainda
mais profundo.
* Chefe da
Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB)
Fonte: Agência Espacial Brasileira
(AEB)
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