Nas Redondezas de Outros Mundos
Olá leitor!
Segue abaixo uma matéria publicada na “Revista Pesquisa
FAPESP” (edição 191) destacando que graças ao trabalho de astrofísicos teóricos
e entre eles brasileiros, em breve será possível observar luas, anéis e até o
magnetismo de planetas fora do sistema solar.
Duda Falcão
CIÊNCIA - CAPA
Nas Redondezas de Outros Mundos
Como observar luas, anéis e até o magnetismo
de planetas fora do sistema solar
Igor Zolnerkevic
Edição Impressa 191
Janeiro 2012
© Drüm
Ainda é muito vaga a visão que temos dos planetas
orbitando outras estrelas além do Sol, os exoplanetas. Em vez de fotos
maravilhosas, por enquanto temos que nos contentar com as deduções do raio, da
massa e das características de suas órbitas, feitas indiretamente por meio dos
dois métodos de detecção mais utilizados – a técnica da velocidade radial, em
que se mede como a influência gravitacional do planeta faz sua estrela oscilar,
e o método do trânsito planetário, que registra a diminuição de luminosidade
causada pela passagem do planeta na frente de sua estrela. Foi pelo trânsito
planetário, por exemplo, que o telescópio espacial Kepler, da NASA, já
identificou mais de 2 mil possíveis exoplanetas. Uma de suas descobertas,
confirmada por observações de outros telescópios, é o planeta Kepler 22b, com
um raio apenas 2,4 vezes maior que o da Terra, orbitando a zona habitável
de uma estrela muito parecida com o Sol, isto é, a uma distância tal que a
temperatura em sua superfície permitiria a existência de água líquida sobre ela
(veja o infográfico). Ninguém sabe, entretanto, se o Kepler 22b
é um enorme planeta rochoso, uma super-Terra, ou se é um mini-Netuno – uma
versão em miniatura dos gigantes gasosos do sistema solar.
Nossa imagem dos exoplanetas, entretanto, deve ficar
muito mais rica nos próximos anos graças ao trabalho de astrofísicos teóricos
que vêm propondo novas maneiras pelas quais seria possível observar no trânsito
planetário os sinais de outras propriedades desses mundos. A astrofísica
Adriana Válio, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, e seu
aluno de doutorado Luis Ricardo Tusnski, do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais, em São José dos Campos, foram os primeiros a determinar qual deve
ser o tamanho mínimo de luas e anéis em torno de planetas extrassolares para
que sejam detectáveis pelo Kepler e pelo telescópio espacial Corot, da Agência
Espacial Européia, que também utiliza o método de trânsito planetário e conta
com a participação de pesquisadores brasileiros. Já uma equipe coordenada pela
astrofísica brasileira Aline Vidotto, da Universidade de Saint Andrews, na
Escócia, descobriu que o trânsito planetário pode ser usado em certas condições
para medir o campo magnético de um exoplaneta.
Esses trabalhos de ponta feitos por brasileiros
contribuem de uma forma ou de outra para avançar a busca por um exoplaneta
capaz de suportar a vida como nós a conhecemos. Embora a maioria dos mais de
700 planetas extrassolares cuja descoberta já foi confirmada sejam gigantes
gasosos, tão grandes ou maiores que Júpiter, aqueles localizados nas zonas
habitáveis de suas estrelas poderiam ter luas rochosas grandes o suficiente
para reterem uma atmosfera por bilhões de anos e assim abrigarem oceanos cheios
de vida. “Se o Kepler 22b tivesse uma lua do tamanho de Marte, por exemplo, ela
seria habitável”, diz Adriana. “Outro fator importante que permite que um
planeta seja habitável é o seu campo magnético”, explica Aline. “O campo
funciona como um escudo protetor, impedindo que as partículas de alta energia
vindas da estrela desgastem a sua atmosfera.”
Luas Ocultas
Desde 2003, Adriana desenvolve um modelo computacional
para estudar como as manchas estelares – o fenômeno análogo ao das manchas que
surgem na superfície do Sol – interferem na curva de luz do trânsito
planetário. Em 2009, Tusnski, então seu aluno de mestrado, decidiu adaptar o
modelo para simular o trânsito de um planeta com uma lua. Outros pesquisadores
haviam proposto antes detectar luas por meio da perturbação que elas causam no
movimento do planeta, mas observar isso exigiria acompanhar a variação do
brilho da estrela por um tempo maior do que os telescópios costumam fazer. O
modelo dos brasileiros mostrou que isso era desnecessário. Se uma lua fosse
grande o suficiente, um sinal inconfundível de sua presença surgiria na curva
de luz do trânsito planetário na forma de pequenos “degraus”.
No entanto, as curvas de luz obtidas pelo Kepler e o
Corot não são lisas como as dos modelos, pois o brilho das estrelas não é
constante, flutuando erraticamente, entre outros motivos, pela aparição e
sumiço de manchas estelares. “A coisa é ainda mais complicada porque há certo
ruído no instrumento que gera uma incerteza na medida”, explica Tusnski. Os
“degraus” indicando a presença das luas precisariam, portanto, ser
identificados em meio ao ruído criado por essa variação. Mesmo assim, em um
artigo publicado em dezembro na revista Astrophysical Journal,
Tusnski e Adriana mostraram por meio de simulações dessas flutuações que seria
possível distinguir nos dados do Corot luas 1,3 vez maiores do que a Terra,
enquanto nos dados do Kepler poderia haver evidências de satélites tão pequenos
quanto a nossa Lua. Tusnski já começou a buscar por esses sinais nos dados. “A
aplicação dessa ferramenta pode resultar na descoberta do primeiro satélite
natural em exoplanetas”, afirma o especialista em dinâmica planetária Othon
Winter, da UNESP. “Uma das grandes vantagens desse trabalho é a facilidade de
aprimorar o modelo (já utilizado), incluindo manchas estelares e mais luas.”
Embora a maior lua do sistema solar, Ganimedes, em
Júpiter, tenha um tamanho um pouco menor que a metade da Terra, Winter, junto
com Rita Domingos e Tadashi Yokoyama, ambos também da UNESP, calcularam em um
artigo publicado em 2006 na revista Monthly Notices of Royal Astronomical
Society (MNRAS) que exoplanetas semelhantes a Júpiter orbitando na zona
habitável de estrelas do porte do Sol poderiam ter satélites do tamanho
da Terra ou maiores. “Há uma expectativa crescente de que a detecção de luas
será feita em breve, por causa do tremendo volume de dados esperando para ser
analisado”, diz o astrônomo Darren Williams, da Universidade Estadual da
Pensilvânia, nos Estados Unidos, que também demonstrou recentemente como
exoplanetas gigantes gasosos poderiam ter luas grandes. “Suspeito que a maioria
dos planetas detectados pelo Kepler tenha luas e uma fração delas seja
maior que Marte.”
Adriana e Tusnski também foram os primeiros a determinar
como a presença de anéis ao seu redor dos exoplanetas afetaria a curva de luz
do trânsito planetário. Seu modelo mostrou que o efeito dos anéis seria
suavizar as bordas do “poço” da curva de luz, bem como torná-lo mais fundo.
Realizando uma análise semelhante àquela das luas, eles mostraram que um
sistema de anéis como o de Saturno pode ser detectável pelo Kepler, enquanto os
anéis só seriam visíveis pelo Corot se fossem pelo menos 50% maiores que os de
Saturno.
O próximo passo dos pesquisadores será adaptar seu modelo
para identificar o sinal dos anéis de exoplanetas extremamente próximos de suas
estrelas. Nesse caso, a atração gravitacional da estrela é capaz de entortar os
anéis. Segundo Tusnski, eles poderiam usar essa deformação para obter informações
sobre as densidades dos núcleos dos exoplanetas.
Arcos de Choque
Também seria possível conhecer mais sobre o interior dos
exoplanetas se os astrônomos conseguissem detectar o campo magnético deles.
Pesquisadores vêm buscando sinais desses campos por meio de radiotelescópios. A
idéia seria captar as ondas de rádio emitidas por partículas eletricamente
carregadas disparadas pelas estrelas, quando elas fossem capturadas pelos
campos magnéticos planetários – é o mesmo fenômeno que produz as auroras boreais
na Terra. Mas todas as buscas falharam até agora.
Desde 2010, Aline e seus colegas Moira Jardine, Christiane
Helling, Joe Llama e Kenneth Wood, todos da Universidade de Saint Andrews,
publicaram uma série de quatro artigos nas revistas Astrophysical Journal
Letters, MNRAS e MNRAS Letters, detalhando um novo método, mais indireto mas
promissor, de medir campos magnéticos de exoplanetas. De fato, a equipe afirma
ter conseguido estimar a intensidade do campo magnético do exoplaneta Wasp 12b,
descoberto em 2008 pelo telescópio Super Wasp, instalado em La Palma, uma das
ilhas do arquipélago espanhol das Canárias.
Quase duas vezes maior que Júpiter, o Wasp 12b orbita sua
estrela a uma distância 16 vezes menor que a distância entre o Sol e Mercúrio,
dando uma volta completa em torno dela a cada 26 horas, à velocidade estupenda
de cerca de 300 quilômetros por segundo. Observações do trânsito planetário com
o telescópio Hubble mostraram que a curva de luz da estrela começa a cair antes
no comprimento de onda da luz ultravioleta que no da luz visível. Aline e sua
equipe acreditam que esse efeito seja provocado pela formação de um “arco de
choque” na frente do planeta, criado pelo fato de ele estar se movendo a uma
velocidade maior que a da propagação do som num meio permeado por partículas
emitidas pela estrela, o chamado vento estelar.
De
acordo com o modelo dos pesquisadores, as partículas do vento estelar estariam
se chocando contra o campo magnético do Wasp 12b, formando na sua frente uma
região em forma de arco que seria transparente à luz visível, mas opaca à
ultravioleta. Medindo a diferença entre o início do trânsito nos dois
comprimentos de onda, a equipe conseguiu estimar a distância entre o planeta e
o arco de choque, e a partir daí inferir a intensidade do campo magnético do
planeta, que deve ser menor que 24 Gauss, um valor comparável ao campo nos
polos de Júpiter, que varia entre 10 e 14 Gauss, e é quatro vezes maior que o
da Terra.
Para
guiar novas observações do fenômeno, a equipe analisou uma série de exoplanetas
já descobertos por trânsito planetário, verificando dados como a distância dos
planetas a suas estrelas e a intensidade dos ventos estelares. “Fizemos uma
lista dos exoplanetas que seriam os melhores candidatos a ter um arco de choque
observável”, diz Aline. Entre eles estão vários dos mais próximos da Terra
descobertos pelo Super Wasp e pelo Corot.
“Aline
e seus colegas encararam um problema astrofísico muito difícil”, comenta a
especialista em interações magnéticas entre estrelas e planetas Evgenya
Shkolnik, do Observatório Lowell, no Arizona, nos Estados Unidos. “Seria
extremamente valioso se pudéssemos medir ao menos o campo magnético de alguns
dos exoplanetas mais próximos de suas estrelas, os chamados Júpiteres quentes,
para distinguir diferenças estruturais entre eles.”
O Projeto
Investigation
of high energy and plasma astrophysics phenomena: theory, observation, and
numerical simulations – nº 2006/50654-3
Modalidade
Projeto
Temático
Coordenador
Elisabete
Maria de Gouveia Dal Pino - IAG/USP
Investimento
R$
366.429,60 (FAPESP)
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 191 - Janeiro
2012
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