Triturador de Moléculas
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo publicado na edição de agosto de
2014 da “Revista Pesquisa FAPESP” destacando que os “Raios Cósmicos”
desintegram ácido fórmico, candidato a
precursor de compostos biológicos.
Duda Falcão
CIÊNCIA
Triturador de Moléculas
Raios cósmicos
desintegram ácido fórmico, candidato
a precursor de compostos biológicos
MARIA GUIMARÃES
Revista Pesquisa FAPESP
Edição 222 - Agosto de 2014
© ABIURO
Abundante nas
regiões do espaço onde se formam as estrelas, em cometas e em corpos
celestes pequenos no sistema solar, o ácido fórmico é considerado um possível
precursor de moléculas essenciais à vida. Físicos e biólogos acreditam que,
quando interage com fontes de nitrogênio, como a molécula de amônia, ele possa
contribuir para formar a glicina – o mais simples dos aminoácidos e um dos
blocos químicos que compõem as proteínas, encontradas em todos os seres vivos.
Mas ninguém sabe ao certo se a molécula de ácido fórmico sobreviveria no espaço
o suficiente para se combinar com fontes de nitrogênio e formar aminoácidos. Se
estiver desprotegida, parece que não: um estudo realizado por pesquisadores
brasileiros em parceria com franceses e publicado neste ano na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical
Society indica que o ácido fórmico não resiste à ação direta dos
raios cósmicos. Em testes que simularam as condições encontradas no espaço, o
ácido fórmico foi degradado em água (H2O), monóxido de carbono (CO)
e dióxido de carbono (CO2). Mais importante do que a ausência de
moléculas maiores, o experimento indica que nessas condições ele não subsiste
para participar de reações com outras substâncias.
O astrofísico Alexandre Bergantini, pesquisador da
Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP) e autor principal do artigo, conta que
o estudo simulou o que aconteceria se raios cósmicos bombardeassem, durante 2
milhões de anos e na presença de água, essas pequenas moléculas pousadas sobre
grãos de poeira de até 1 micrômetro, “menor do que o menor grão de poeira
encontrado na Terra”, explica o pesquisador. No experimento realizado no Grande
Acelerador Nacional de Íons Pesados (Ganil) da cidade de Caen, na França,
Bergantini inseriu amostras de ácido fórmico com água em uma câmara de aço
inoxidável – em que um equipamento especializado suga todo o ar num processo
que pode demorar até uma semana para criar um ultravácuo em baixíssimas
temperaturas, cerca de -260 graus Celsius (°C) – e as bombardeou com íons
pesados como os de níquel, que viajam o Universo inteiro a altíssimas
velocidades, simulando a ação dos raios cósmicos. “Poucos aceleradores de
partículas trabalham com íons tão pesados”, explica Bergantini justificando a
parceria formada para o estudo. No Brasil, não teria sido possível realizar os
experimentos.
O trabalho do grupo da UNIVAP é um descendente do famoso
experimento realizado pelos norte-americanos Stanley Miller e Harold Urey na
década de 1950. Num aparato vedado, eles submeteram água, metano, amônia e
hidrogênio a descargas elétricas e ao longo de dias viram o líquido mudar de
cor e verificaram o surgimento de aminoácidos, como a glicina, entre outros
compostos orgânicos. Ao mostrar que moléculas que compõem a vida surgem de
substâncias inorgânicas em condições extremas, o experimento deu origem a um
campo de pesquisa que hoje dispõe de recursos de uma precisão provavelmente
inimaginável para Miller e Urey, que punham os elementos em quantidade
indeterminada e observavam, em parte a olho nu, o que acontecia. “Nossos
experimentos são feitos com uma ou duas moléculas, em escala nanométrica, com
dosagem de radiação precisamente medida e controlada”, explica Bergantini. Em
seguida às reações, a espectrometria permite detectar exatamente quais
moléculas surgiram e em que quantidade.
Nessa busca por detalhar a possível trajetória do ácido
fórmico no espaço, os brasileiros obtiveram resultados de certa maneira
surpreendentes. “Achamos que a água fosse servir como escudo, mas ela na
verdade ajudou a destruir o ácido fórmico”, conta Bergantini. E essa deve ser a
situação mais comum, já que a água está disseminada pelo espaço. Mas pode não
ser tão fácil assim degradar as moléculas de ácido fórmico. É que nas nuvens
onde é encontrado em maior abundância, o ácido fórmico pode estar mais
protegido pela matéria que existe ali e não ser destruído tão prontamente – o
que lhe daria mais tempo para reagir com compostos contendo nitrogênio e gerar
moléculas bióticas.
Laboratório Espacial
Para entender como a evolução química do Universo
acontece e dá origem à vida, o astrônomo Sergio Pilling, orientador de
doutorado de Bergantini, montou no último ano o Laboratório de Astroquímica e
Astrobiologia (LASA) na UNIVAP, em grande parte com financiamento da FAPESP no
âmbito do programa Jovens Pesquisadores. “Podemos simular simultaneamente os
efeitos dos fótons de ultravioleta e dos elétrons do vento solar, reproduzindo
de forma mais verossímil alguns fenômenos espaciais”, conta Pilling. “É
possível ainda atingir temperaturas de -263 °C e simular o efeito da radiação
espacial em amostras de interesse aeroespacial e aeronáutico.” O laboratório
também é mantido com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)
e da própria UNIVAP.
Outros estudos feitos no laboratório recém-instalado em
São José dos Campos vêm mostrando resultados diferentes quando ácido fórmico e
ácido acético são expostos a luz ultravioleta e raios X, simulando a energia
emitida pelo Sol e por outras fontes. “Estamos vendo a formação de outras
moléculas além das mais óbvias como CO2”, adianta Bergantini sobre
os resultados ainda preliminares.
A Agência Espacial Norte-americana (NASA) anunciou
recentemente que nos próximos 20 anos pretende confirmar se há vida no Universo
além da terrestre. Pilling concorda com a estimativa. “Acredito que a
humanidade está muito perto desse tipo de achado”, diz. Por meio das simulações
feitas no LASA, ele pretende contribuir para essa busca, feita também a partir
da análise de amostras coletadas por sondas espaciais que têm pousado em corpos
celestes ou de material coletado de meteoritos que caem na Terra e também por
meio de sinais detectados por radiotelescópios. “Nossas pesquisas procuram
acrescentar pistas sobre a formação e a origem da vida, uma vez que simulamos
ambientes espaciais onde ocorre a formação de moléculas pré-bióticas como
aminoácidos e bases nitrogenadas essenciais para a vida como conhecemos.”
Projeto
Síntese e degradação de espécies moleculares pré-bióticas
em atmosferas planetárias, cometas e gelos interestelares simulados (nº 09/18304-0); Modalidade
Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável Sergio Pilling (UNIVAP);
Investimento R$ 459.004,82
(FAPESP).
Artigo científico
BERGANTINI, A. et al. Processing of
formic acid-containing ice by heavy and energetic cosmic ray analogues. Monthly
Notices of the Royal Astronomical Society. v. 437, n. 3, p.
2.720-27. 21 jan. 2014.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 222 – Agosto de
2014
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