Perto de Completar 18 anos, AEB Tenta Novo Recomeço
Olá leitor!
Segue agora uma interessante entrevista publicada hoje (18/12) no
site da “Revista Veja” com o, diretor da área de satélites da Agência Espacial
Brasileira (AEB), o físico Thyrso Villela.
Duda Falcão
Ciência - Programa Espacial Brasileiro
Perto de Completar 18 anos,
Agência Espacial Brasileira
Tenta Novo Recomeço
Em entrevista ao site de VEJA, o físico Thyrso Villela, diretor da
área
de satélites, conta como será a nova fase da agência e como ela
poderá ajudar o país a conquistar a tão sonhada independência
espacial
Marco Túlio Pires
18/12/2011 - 07:11
Centro de lançamento de satélites de Alcântara, no Maranhão: "Brasil precisa ser capaz de lançar os próprios satélites de forma independente", diz Thyrso, da AEB (Agência Espacial Brasileira) |
Em números, o programa espacial brasileiro passa a impressão de
ser grande, com seus 20 satélites, 15 foguetes e três centros de lançamento —
de acordo com informações da Agência Espacial Brasileira (AEB). No papel, está
quase em pé de igualdade com potências emergentes como a China e a Índia. Na
prática, contudo, o programa nacional, que em 2012 completa 18 anos, não
apresenta resultados tão expressivos quando os outros membros do BRIC.
Dos 20 satélites listados no programa espacial brasileiro, apenas
um está em funcionamento, quatro foram desativados por atingirem o fim da vida
útil e 15 estão previstos para 'um futuro próximo'. Já entre os 15 foguetes,
quatro estão em operação e 11 são previstos para os próximos anos. Dois centros
de lançamento ainda são promessas.
"Não é ufanismo nem nacionalismo.
O Brasil precisa ser capaz de lançar
os próprios satélites de forma
independente."
No entanto, nada está perdido, acredita o físico Thyrso Villela,
diretor da área de satélites, aplicações e desenvolvimento da AEB. O doutor em
astronomia pela Universidade de São Paulo (USP) garante que o Brasil está
passando por uma transformação espacial inédita.
Nesta quinta-feira, Villela fez uma apresentação sobre o futuro do
programa espacial brasileiro no Instituto de Física da USP, durante a Escola
Avançada de Astrobiologia, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP).
Em entrevista ao site de VEJA, Villela explicou como pretende
fazer a AEB cumprir sua parte para ajudar o Brasil a conquistar a independência
espacial, transformando o país crescer nas áreas científica e tecnológica.
Durante sua apresentação, o senhor disse que a Agência Espacial
Brasileira (AEB) quer começar a planejar com alto custo-benefício. Não deveria
ser sempre assim? Por que isso é uma novidade?
Porque nunca houve uma ação estruturada no programa espacial
brasileiro. Existiram iniciativas isoladas, com institutos, como o INPE,
realizando experimentos separadamente.
Por que motivo nesses 17 anos de Agência Espacial Brasileira nunca
houve uma ação estruturada?
Tem toda uma história. Há um tempo era um ciclo vicioso: não
tínhamos recursos humanos e não tínhamos recursos financeiros. Aí não tínhamos
resultados. Se não tem resultado, vamos mostrar o que para captar recursos? Em
seguida, quando os primeiros resultados começaram a surgir, tivemos sérios
problemas de orçamento por vários anos.
O que nos garante que o ano de 2012 será melhor para o programa
espacial brasileiro?
Em 2011, o Ministro de Ciência e Tecnologia, Aloísio Mercadante,
nos orientou que este ano seria de reflexão para a agência. É exatamente isso
que estamos fazendo.
Não deveria ser um ano para trabalhar em vez de ficar refletindo?
O programa espacial vinha com problemas há muito tempo.
Precisávamos resolver isso. Não adianta colocar dinheiro na agência sem um
propósito muito bem fundamentado.
Mas todos os programas espaciais do mundo têm problemas...
É diferente..
Diferente como?
Não quer dizer que ficamos parados. Fizemos várias coisas. Os
projetos que existem continuaram em andamento. O CBERS-3, satélite construído
junto com os chineses, com 50% de tecnologia brasileira, ficou pronto e está
sendo testado. Tivemos avanços com a plataforma multimissão, com o veículo
lançador de satélites, o projeto do satélite geoestacionário... No geral, o
último ano do orçamento bianual, nesse caso 2011, é mais reflexivo. Se não
tivéssemos repensado nossas estratégias passaríamos os próximos três anos
estagnados.
"O que ganhamos com informação
de meteorologia, por exemplo,
chega a ser o equivalente ao que
gastamos com nosso programa
espacial anualmente, cerca de 300
milhões de reais."
A AEB está apostando alto em uma plataforma multimissão que vai
servir de base para outros satélites, barateando o processo de construção.
Contudo, o projeto que tinha cinco anos de previsão para ser concluído ainda
não está pronto 10 anos depois. Por quê?
É algo que nunca foi feito antes. Isso quer dizer que precisamos
criar a tecnologia, testá-la e fazer com que ela dê certo com uma indústria que
ainda está crescendo e aprendendo a produzir os componentes. É diferente de
fazer uma ponte ou um prédio. Vários dos sistemas presentes na plataforma nunca
haviam sido desenvolvidos no Brasil. No meio do caminho, muitos componentes que
iríamos comprar acabaram entrando na lista internacional de embargo. Ou seja,
tivemos que aprender sozinhos como fazer as partes que faltavam e isso acabou
atrasando ainda mais o projeto.
Como o Brasil vai conseguir se livrar dos embargos internacionais?
O único caminho é desenvolver a própria tecnologia. A questão de
embargo é política e militar, mas também é profundamente comercial. Existem
vários interesses em jogo e precisamos pegar os atalhos para chegar onde
queremos.
O senhor disse durante a apresentação que o Brasil não tem escolha
a não ser ter acesso independente ao espaço, referindo-se à construção de
foguetes e satélites nacionais. Por que não temos essa escolha?
Atualmente, qualquer sensoriamento remoto que o Brasil quiser
fazer, seja o monitoramento do desmatamento da Amazônia ou a previsão do tempo,
depende de satélites internacionais. Existem acordos para que a utilização
desses equipamentos seja garantida, mas ninguém sabe o que pode acontecer.
Estamos nas mãos de outros países. Durante a Guerra das Malvinas e o furacão
Katrina ficamos praticamente sem imagens de satélite. É uma posição muito
vulnerável. Não é ufanismo nem nacionalismo. O Brasil precisa ser capaz de lançar
os próprios satélites de forma independente.
O que mais o país poderia ganhar com independência espacial?
Somos um país com uma extensão territorial enorme. Temos vários
recursos minerais que precisam ser conhecidos e explorados da melhor forma possível.
O que ganhamos com informação de meteorologia, por exemplo, chega a ser o
equivalente ao que gastamos com nosso programa espacial anualmente, cerca de
300 milhões de reais.
Mas esse dinheiro, uma vez economizado, seria revertido para a
AEB?
Estamos trabalhando para isso. O programa espacial brasileiro
apesar de ser velho, é novo. Começou há 50 anos, mas veio parando. Ficamos
estagnados no tempo e acabamos não tendo investimento. Para se ter idéia, o
mercado de serviços de satélites é da ordem 200 bilhões de dólares por ano. Não
estamos querendo entrar nesse campo pela aventura tecnológica. Queremos tudo
que vem junto: empresas brasileiras de altíssima tecnologia, cursos
universitários de ponta, institutos especializados. É algo que se espalha pela economia
e melhora a qualidade dos empregos. O Brasil não pode continuar sendo o celeiro
do mundo, isso é ridículo.
Já existem exemplos de empresas brasileiras que se especializaram
em tecnologia espacial?
Essa é uma das missões da agência: fomentar o parque industrial
brasileiro de alta tecnologia. O parque é pequeno, mas existe. Temos o exemplo
dos satélites Amazônia-1 e CBERS. Trouxemos uma empresa que não tinha nada a
ver com o programa espacial. Ela fez contribuições importantíssimas com um
instrumento ótico e componentes de câmeras. Agora, ela é nossa parceira.
O Brasil teve três lançamentos fracassados com o Veículo Lançador
de Satélites (VLS), um deles causando a morte de 21 pessoas em 2003, no Centro
de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. O Brasil está pronto para lançar os
próprios satélites?
Os dois primeiros vôos do VLS-1, sob o ponto de vista estritamente
técnico, foram bons. Veja o que os Estados Unidos tiveram que fazer para
conquistar o espaço. Eles tiveram uma série de acidentes, muito mais do que já
tivemos. Também estamos aprendendo sozinhos. O sistema de controle, por
exemplo, que é uma parte complicadíssima do foguete, funcionou perfeitamente.
Esperamos que os vôos experimentais do VLS-1 se iniciem em 2012 e ele esteja em
operação em 2016.
A exemplo da fabricante de aviões americana, Boeing, que ajuda a
Nasa na construção de foguetes, por que a AEB não conta com a parceria da
Embraer?
Não é uma possibilidade totalmente descartada. Na área espacial,
todas as empresas fortes se envolvem com o Ministério da Defesa, que coordena a
construção de foguetes. Metade dos artefatos que orbitam a Terra é militar. A
Embraer vai construir um satélite geoestacionário, o primeiro brasileiro, e vai
operá-lo junto com a Telebrás. O dinheiro, 700 milhões de reais, já está
alocado. Os passos estão sendo dados.
"O programa espacial brasileiro
apesar de ser velho, é novo.
Começou há 50 anos, mas veio
parando. Ficamos estagnados no
tempo."
O senhor disse na apresentação que o orçamento da AEB vai triplicar
em dois anos, passando de 200 a 300 milhões de reais por mês, para algo entre
600 e 900 milhões de reais. Dado o histórico financeiro da agência, como o
senhor espera que isso aconteça?
É um caminho inevitável. O passo mais difícil já foi dado. Os satélites
geoestacionários têm prazo de validade. Vamos precisar repô-los a cada 15 anos.
Isso quer dizer que haverá uma indústria por trás da construção da sonda,
indefinidamente. Daí a coisa começa a andar, em todos os setores. Se não
fizermos isso, teremos que contratar o serviço. Estamos fazendo o satélite
justamente para não ter que gastar 60 milhões por ano alugando dos outros. É
por isso que esperamos que o governo mantenha o projeto em gestões futuras e o
orçamento seja triplicado.
Atualmente a AEB gasta menos de 1% — do já reduzido orçamento — em
ciência, cerca de três milhões de reais. Como a AEB espera avançar em
conhecimento gastando tão pouco?
Em 2012 estamos planejando gastar cinco vezes mais em ciência,
algo na ordem de 15 milhões de reais. Estamos nos aproximando das universidades
para que elas tenham equipes preparadas para atender as necessidades da agência
e para que elas tenham espaço para realizar seus experimentos.
Mas isso está longe de acontecer...
É verdade. Mas veja, falo isso tranquilamente. Ainda não temos a
garantia de que uma missão vai existir. Ninguém quer arriscar a carreira e
chegar lá e não dar em nada.
Então que cientista se arriscaria aliar-se à agência agora?
Se garantirmos o acesso, o lançamento do projeto e o recurso financeiro,
as coisas acontecem. Foi o que fizemos no ITASAT, uma pequena plataforma de
satélite desenvolvida pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica e outras
instituições.
O que foi feito?
Garantimos o recurso, cerca de 5 milhões de reais e a plataforma
foi desenvolvida com sucesso. Agência, indústria e cientistas trabalharam em
conjunto. Há um desconto por causa do desenvolvimento tecnológico, mas ele será
incremental. Vamos andar como todo mundo andou: aprenderemos a engatinhar, dar
os passos depois correr.
Qual é a nova missão da Agência Espacial Brasileira?
Vamos publicar em janeiro um documento mostrando quais tecnologias
que vão nos nivelar com outros países e quais são de vanguarda. Vamos organizar
encontros, workshops e vamos nos aproximar dos cursos de engenharia espacial.
Temos pesquisadores brasileiros que realizam pesquisas de ponta. Essas pessoas
contribuem para o avanço do conhecimento, mas que não têm projetos voltados
para as necessidades da AEB. A contradição está aí. Temos um capital humano
preparado, mas eles não sabem dos nossos problemas. Vamos virar essa mesa e,
com eles, faremos a coisa passo-a-passo.
Fonte: Site da Revista Veja - http://veja.abril.com.br/
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