Uma Lâmpada de Raios X
Olá leitor!
Segue agora uma interessante matéria publicada na edição
de dezembro da “Revista Pesquisa FAPESP” destacando que a astrofísica brasileira,
Thaisa Storchi Bergmann, descobriu que disco de gás ao redor de buraco negro
acende a cada sete dias.
Duda Falcão
CIÊNCIA | CENTRO DA GALÁXIA
Uma Lâmpada de Raios
X
Disco de gás ao
redor de buraco negro acende a cada sete dias
Marcos Pivetta
Agência FAPESP
Edição Impressa 190 - Dezembro 2011
© fotos eso; Gemini
observatory;
baseado em arte de jáderson schimoia
baseado em arte de jáderson schimoia
Em 1991 a
astrofísica gaúcha Thaisa Storchi Bergmann descobriu um disco de matéria, uma
nuvem achatada de gás ionizado, que gira em torno do buraco negro situado no
centro da NGC 1097, uma bela galáxia espiral da constelação de Fornax, distante
45 milhões de anos-luz da Terra. Durante uma década, a pesquisadora da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) observou uma vez por ano a
galáxia e constatou que o disco de gás não era uniforme. A nuvem continha um
braço espiral que, a cada cinco anos e meio, dava uma volta completa em torno
do buraco negro. A astrofísica também verificou que, por vezes, o disco se
tornava mais brilhante do que o usual. Esses picos de luminosidade foram
interpretados como sendo decorrentes de o buraco negro ter, nesses momentos,
engolido mais matéria proveniente da nuvem, em razão de talvez haver ali uma
maior densidade ou quantidade de gás para ser sugado.
Novas observações
feitas com o telescópio Gemini Sul, situado em Cerro Pachon, no Chile, entre o
final do ano passado e o início de 2011, corrigiram a periodicidade em que
ocorre o ciclo da volta completa do braço espiral para um intervalo de um ano e
meio e identificaram uma segunda variação na luminosidade do disco ao redor do
buraco negro da galáxia – desta vez com uma freqüência temporal muito menor, da
ordem de uma semana. As emissões em raios X da parte mais interna da nuvem
gasosa, mais quente e que envolve diretamente o buraco negro, variam em questão
de dias, como se fosse uma lâmpada, e o clarão se irradia do centro para as
bordas do disco. Como demora cerca de uma semana para a luz viajar do centro
para a periferia da nuvem, o tamanho do raio do disco de matéria deve ser de
sete dias-luz. “Só conseguimos perceber essa variação porque fizemos
observações semanais da galáxia durante três meses seguidos”, diz Thaisa. Ao
lado de colaboradores do Brasil e do exterior, entre os quais o aluno de
mestrado Jáderson Schimoia, ela submeteu um artigo em que descreve o fenômeno a
uma revista científica.
Uma analogia com
objetos do dia a dia facilita a visualização do fenômeno. O sistema buraco
negro mais disco de gás gravitacionalmente mantido ao seu redor pode ser
comparado às partes de um velho álbum de músicas gravadas no vinil, o long play (LP). O buraco negro
equivaleria ao furo na bolacha sonora. A porção mais interna do disco de gás
seria o selo de papel no centro do LP. A mais externa se assemelharia à grande
região negra do vinil, onde estão registradas as músicas, que nasce colada ao
selo e vai até as bordas do disco.
A comparação é
útil, mas não é perfeita. O LP é um disco em que todas as partes possuem a
mesma espessura. O disco de matéria da NGC 1097 apresenta irregularidades. Sua
região central (o selo do vinil) é mais grossa, mais gordinha, do que os
setores mais afastados do buraco negro. Tecnicamente, possui a forma de um
toroide, uma figura que lembra um pneu ou biscoito com um furo no meio. “É como
se essa rosquinha fosse uma lâmpada de alta energia fixada num poste que se
encontra um pouco mais elevado do que o resto do disco de gás”, compara Thaisa.
“Ela se acende ou se intensifica em função da quantidade de gás que cai no
buraco negro.”
No estudo, os
pesquisadores analisaram dados obtidos pelo Gemini referentes à chamada linha
espectral H-alfa, a emissão de energia mais intensa e visível do átomo de
hidrogênio, proveniente da zona periférica do disco. Concluíram que a variação
de emissão nessa região se devia à reverberação da luminosidade originada na
“rosquinha”. Não se sabe exatamente por que a lâmpada pisca em intervalos de
sete dias, mas esse evento provavelmente tem a ver com as variações na
quantidade de matéria sugada pelo buraco negro. “Ele estava acostumado com um
regime de captura de gás e, de repente, se viu obrigado a engolir mais
matéria”, compara o astrofísico brasileiro Rodrigo Nemmen, outro autor do
trabalho, que faz pós-doutoramento no Goddar Space-Flight Center, da NASA.
Como se sabe, não
é possível observar de forma direta um buraco negro, uma região do espaço tão
densa e compactada, dotada de um enorme campo gravitacional, da qual nada
escapa, nem a luz. Mas um objeto com essas características fornece pistas
indiretas de sua presença. Quando se descobre uma fonte misteriosa de radiação,
em especial de raios X, num ponto do Universo, como o centro de uma galáxia
ativa, uma das possíveis explicações para o fenômeno é a existência de um
buraco negro. Pouco antes de ser tragada pelo campo gravitacional do buraco
negro, a matéria do disco de gás se encontra tão aquecida que libera energia na
forma de radiação. Portanto, quando ocorre um pico de absorção de matéria, é esperado
que a região mais interna do disco, a lâmpada, aumente sua luminosidade e
reverbere essa energia extra para suas bordas.
Conhecer o tempo
que a luz demora para viajar da parte mais central para a periferia de uma
nuvem de gás permite obter uma estimativa da dimensão do disco de matéria
independentemente de outros modelos teóricos. “Tendo a dimensão do disco e a
velocidade do gás em torno do mesmo, que inferimos a partir de emissões ópticas
e pode chegar a 10 mil quilômetros por segundo, podemos obter a massa do buraco
negro”, explica Thaisa. Por meio dessa abordagem alternativa, os astrofísicos
brasileiros recalcularam esse parâmetro do buraco negro no centro da NGC 1097.
Deu um resultado da ordem de 100 milhões de massas solares, número que bateu com
estimativas feitas por outras técnicas.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Dezembro de 2011
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