Declaracão da ONU Completa 15 Anos
Olá leitor!
Segue abaixo um novo artigo do José Monserrat Filho postado hoje
(19/12) no site da “Agência Espacial Brasileira (AEB)” destacando que Declaração
da ONU sobre Cooperação Espacial Internacional completa 15 anos.
Duda Falcão
Declaração da ONU Sobre
Cooperação Espacial Internacional
Completa 15 Anos
“O futuro é global, não individual.”
Jean Jacques Dordain, Diretor Geral da Agência Espacial Européia
José Monserrat Filho*
19/12/2011
“Declaração sobre a Cooperação Internacional na Exploração e
Uso
do Espaço Exterior em Benefício e no Interesse de todos os
Estados levando em
Especial Consideração as Necessidades
dos Países em Desenvolvimento.”
Esse documento de título longo e expressivo comemorou 15 anos, em
13 de dezembro de 2011. Mas, fora de restritas hostes jurídicas, é pouco
conhecido, quase ignorado.
Foi elaborado e aprovado por consenso pelo Comitê da Organização
das Nações Unidas (ONU) para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (COPUOS), em sua
39ª Sessão, após anos de intensos debates, e logo adotado pela Assembléia Geral
da ONU, como a Resolução 51/122, em 13 de dezembro de 1996.
Chamado sinteticamente de “Declaração sobre Benefícios Espaciais” (Space
Benefits Declaration) tem suas origens na pressão exercida pelos
países em desenvolvimento, a partir dos anos 70, para se detalhar o conteúdo do
Artigo 1º do Tratado do Espaço², de 1967 – o código maior do espaço e das
atividades espaciais.
O Artigo 1º dá especial ênfase ao interesse dos países em
desenvolvimento e fixa o princípio básico de que “a exploração e o uso do
espaço exterior, inclusive a Lua e demais corpos celestes, devem ter em mira o
bem e o interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu
desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a
humanidade”. Não por acaso, uma das metas da Declaração – afirma seu preâmbulo
– é “facilitar a aplicação” de tal princípio.
Como suas fontes de inspiração, o preâmbulo cita “as recomendações
da 2ª Conferência das Nações Unidas sobre Exploração e Uso Pacífico do Espaço
Exterior [Viena, 1982] e de outras conferências internacionais relevantes neste
campo”.
Ele também reconhece “o alcance e a importância crescentes da
cooperação internacional entre os Estados e entre os Estados e as organizações
internacionais na exploração e uso do espaço exterior para fins pacíficos”.
Afirma, ainda, que a Assembléia Geral das Nações Unidas está
“convencida da necessidade e da relevância do contínuo fortalecimento da
cooperação internacional para alcançar ampla e eficiente colaboração neste
campo, em benefício mútuo e no interesse de todas as partes envolvidas”.
Palavras generosas e atraentes, mas como elas se traduzem na realidade?
A norma central da Declaração está expressa no ponto 2: “Os
Estados têm liberdade para definir todos os aspectos de sua participação na
cooperação para a exploração e uso do espaço exterior, em bases equitativas e
mutuamente aceitáveis. Os termos contratuais destes empreendimentos
cooperativos devem ser justos e razoáveis e estar em plena conformidade com os
direitos e legítimos interesses das partes concernentes, como, por exemplo, com
os direitos de propriedade intelectual”.
Quer dizer: são os Estados, e apenas eles, que, soberanamente,
definem por completo se e, em caso positivo, como a cooperação espacial será
realizada. Nada os obriga a nada. Cooperar ou não, sobre que bases, até que
ponto e em que área – tudo isso é matéria de decisão própria, irrevogável,
intransferível e incontestável de cada Estado.
Claro que a cooperação deve se realizar “em bases equitativas e
mutuamente aceitáveis”, e os termos dos contratos necessários à cooperação
“devem ser justos, razoáveis e respeitar os direitos e interesses legítimos das
partes, a começar pelos direitos de propriedade. Não se poderia imaginar algo
diferente. Qualquer outra coisa seria ilícito. Isso, portanto, não é novidade,
nem é o cerne da questão.
O conceito mais importante consagrado na declaração é o de que a
cooperação espacial é opção individual, ato de vontade de cada Estado. É o
princípio supremo. Acima dele nada existe ou subsiste de palpável. Nem se
estiver em jogo uma questão vital à sobrevivência, ao bem estar e ao
desenvolvimento dos países. O interesse de um país pode reinar, impávido
colosso, sobre o interesse do conjunto de países. Certo?
Errado. Como ignorar em pleno século XXI que vivemos, há já várias
décadas, num mundo globalizado, absolutamente interligado e interdependente, em
que problemas transcendentais e comuns a todos ou a um grande número de países
ultrapassem as fronteiras políticas e formalidades estabelecidas num passado
longínquo? A lista é longa e desafiadora: mudanças climáticas, aquecimento
global, degradação do planeta, desmatamento, poluição dos mares e rios,
escassez de água, destruição de riquezas e patrimônios culturais, desastres
naturais, defesa da diversidade biológica, conquista do acesso amplo ao
conhecimento qualificado, desarmamento, tráfico de armas, crime organizado em
escala mundial, solução exclusivamente pacífica dos conflitos, fome, endemias,
migrações, desenvolvimento social e humano.
Atualizar e Ampliar o Conceito Legal de Cooperação
Por tudo isso, urge ampliar o conceito de cooperação
internacional, inclusive e em especial a cooperação em atividades espaciais,
por ser ela estratégica à sobrevivência e ao desenvolvimento sustentável do
mundo inteiro. Isso não significa deletar, desprezar ou reduzir os direitos
soberanos legítimos de cada Estado. Significa colocar a soberania dos países a
serviço de um bem maior, benéfico a todos eles. Significa criar um ambiente
mais responsável, justo e eficaz de cooperação, atendendo às demandas mais
prementes do nosso tempo, antes que seja tarde demais.
A Declaração, em seu ponto 5, formula recomendações positivas, mas
que precisariam ser mais desenvolvidas e detalhadas, por terem forma muito
genérica, conforme se pode ver: “A cooperação internacional, ao levar em
especial consideração as necessidades dos países em desenvolvimento, deve
perseguir, inter
alia, os seguintes objetivos, tendo em vista eficiente alocação de
recursos: a) Promover o desenvolvimento da ciência e tecnologia espaciais e de
suas aplicações; b) Estimular o desenvolvimento das capacidades espaciais
relevantes e apropriadas nos países interessados; e c) Facilitar o intercâmbio
de especialistas e de tecnologias entre os Estados, em bases mutuamente
aceitáveis.”
O principal, aqui, é a indicação para se estimular “o
desenvolvimento de capacidades espaciais relevantes e apropriadas nos países
interessados”. Isso implica o reconhecimento de que os países interessados
devem ser estimulados a desenvolver capacidades espaciais de peso, ou seja, que
envolvam ganhos e avanços tecnológicos. Em outras palavras, eles devem ter
acesso a informações qualificadas, sem o que nenhum país se capacita
efetivamente em qualquer área, muito menos no setor espacial.
Bom exemplo de ação neste sentido está na Declaração da
Conferência de Cúpula “Eye on Earth”4, organizada pelos Emirados Árabes Unidos,
em sua capital, Abu Dhabi, de 12 a 15 de dezembro de 2011, com o apoio do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP).
Essa Declaração ressalta a importância da coleta, gestão,
divulgação das informações sobre o meio ambiente, bem como do pleno acesso a
elas. E afirma: “as informações ambientais devem estar disponíveis ao público,
com todas as isenções definidas em lei e interpretadas de forma restritiva,
tendo em vista o interesse público na divulgação para que o acesso à informação
seja oportuno, eficaz e possível a todos os usuários interessados”.
Interesse público global, eis o novo objetivo a que a cooperação
internacional precisa atender, abandonando a exclusividade do próprio umbigo,
para garantir a permanência e a evolução de todos os povos, de toda a
humanidade.
O mundo está clamando por novos tratados e acordos sobre
cooperação internacional, sintonizados com os anseios e imperativos dos dias de
hoje e de amanhã.
Por uma Cultura de Cooperação Internacional
Jean-Jacques Dordain, diretor geral da Agência Espacial Européia,
considera a cooperação internacional um dos instrumentos mais importantes para
se construir o futuro, de modo a fazê-lo ainda melhor que o presente. Falando a
estudantes, ele disse: “Meu sonho é que a geração mais jovem perceba a
cooperação internacional não apenas como ferramenta, mas como cultura, porque o
futuro exige uma visão global e uma cultura de cooperação internacional”².
Na realidade, o presente desafiador que vivemos já nos exige uma
visão global, junto com uma cultura de cooperação internacional, em especial no
campo da ciência, tecnologia e inovação, e, particularmente, nas atividades
espaciais. Mas Dordain tem toda razão quando diz que “o futuro é global, não
individual e, certamente, a mais importante mensagem vinda do espaço até agora
é a de que o futuro do planeta Terra e seus habitantes deve ser tratado a
partir de uma visão global”.
Ele reconhece: “O espaço, inclusive a colaboração espacial
internacional, já é importante fator de nossa vida”. Mas, a seu ver, mal
iniciamos a era espacial. O que são 50 anos? Para ele, esse é um tempo “curto
demais para prever o futuro por mera extrapolação, porém suficiente para tirar
algumas lições capazes de moldar o futuro”.
E reforça: “O espaço é onipresente em nossa vida diária, e não há
mais um único cidadão na Europa que não dependa de sistemas espaciais, mesmo
que nem todos os cidadãos saibam dessa dependência em comunicações, navegação,
gerenciamento, etc.”. Aí Dordain foi modesto ou europeu demais: hoje, na visão
global que ele próprio enaltece, dificilmente haverá algum cidadão deste
planeta que – sabendo ou não, querendo ou não – não dependa de sistemas
espaciais.
Por essas e outras, como ele adverte, a cooperação é “complexa e
difícil”. Afinal, cresce o número de atores espaciais. Há um número maior de
potências espaciais. Há mais participantes atuando não só no espaço, mas também
na Terra, desenvolvendo e prestando serviços baseados em sistemas espaciais.
“Esta evolução, sinal de sucesso e clara demonstração de que o espaço
integrou-se à vida diária, seguirá em frente e tornará a colaboração ainda mais
complexa do que hoje, pois preocupa diferentes governos, diferentes atores
industriais, prestadores de diferentes serviços etc.”.
Dordain conta uma história válida para todo o mundo: “A cooperação
começou na Europa, pois não tínhamos outra alternativa senão cooperar. Qualquer
país da Europa é muito pequeno para desenvolver por conta própria um programa
espacial saudável. Mas depois de mais de 30 anos temos o prazer de colaborar,
porque aprendemos que além das dificuldades de cooperar, há o sucesso da
cooperação. Sabemos hoje que sempre é mais fácil não cooperar, mas que sempre é
mais difícil ter sucesso sozinho”. A gravíssima crise européia atual nos passa
esse recado.
Para o Sucesso da Cooperação Espacial
Há cada vez menos alternativas à cooperação internacional, diz
Dordain. Pelo seguinte:
Nosso futuro é global e os problemas globais exigem soluções
globais;
A relação custo-benefício é fortalecida pela cooperação.
Em especial, os empreendimentos espaciais são caros e arriscados.
A partilha das despesas não reduz o custo total, mas torna o projeto acessível
a cada parceiro. Os projetos podem ser realizados em um futuro mais próximo, o
que é muito importante para as novas gerações. Reunir os melhores talentos do
mundo ajuda a encontrar melhores soluções e reduzir os riscos. Qual é a receita
para o êxito de uma cooperação? Primeiro, não há receita ou modelo, mas
princípios básicos, aplicáveis a todos os modelos:
A cooperação deve se basear em projetos concretos. É a única forma
de definir objetivos claros e comuns. Não deve haver objetivos demais, nem
muito distantes. Eles devem ser definidos em etapas sucessivas. É importante
que os parceiros definam os objetivos em conjunto e não dêem a impressão de que
cooperação significa que todos os parceiros estão pagando para os objetivos de
um deles em particular.
Flexibilidade – a cooperação não deve ser restritiva, mas
facilitadora.
Governança baseada no equilíbrio entre interesse do parceiro
individual e interesse comum. Equilíbrio não significa ausência de liderança.
Pelo contrário, clara liderança implica também compromisso e assunção de responsabilidade,
sendo ambos imprescindíveis à realização de uma cooperação bem sucedida.
Não Mudar a Base de Financiamento – essa é a única forma de fazer
a cooperação coexistir com a concorrência.
Transparência – pré-requisito para se construir confiança mútua.
Além desses princípios, o fator mais importante para uma cooperação bem
sucedida é a relação entre as pessoas, porque a cooperação é implementada por
pessoas. Na ESA, pessoas de 18 nacionalidades diferentes trabalham juntos para
atingir um objetivo comum: fazer os melhores lançadores e satélites do mundo. E
quando as pessoas trabalham juntas, elas esquecem suas nacionalidades. No
entanto, a cooperação não conduz à uniformidade. A diversidade é forte trunfo
da ESA, e hoje o nosso objetivo não é sermos apenas europeus - queremos pensar
globalmente para moldar um futuro global. Em suma: a cooperação é sempre a
combinação entre relacionamentos pessoais e institucionais. Como diz Robert
Schuman, "nada é possível sem as pessoas, e nada é sustentável, sem as
instituições".
Com base nessa experiência e nesses sucessos, diz Dordain, a ESA
quer contribuir para um futuro global, por meio de programas espaciais globais,
em particular nos seguintes campos:
1) Ciência - A ciência já é global e foi o primeiro esforço global
no espaço, graças às comunidades científicas em todo o mundo. Mas a ciência não
é um programa global. É combinação de programas bilaterais e multilaterais,
ainda sem coordenação global. A ESA está abrindo suas chamadas à apresentação
de propostas no mundo inteiro para melhorar a coordenação.
2) Observação da Terra - Uma abordagem global está em construção
desde a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, reunida em 2002,
mediante a criação de um Sistema Global de Sistemas de Observação da Terra
(GEOSS). GEO, seu grupo de coordenação, foi criado como instância na qual os
parceiros podem desenvolver novos projetos e coordenar estratégias e
investimentos com base em um plano de implementação de dez anos. São membros do
grupo 77 governos, a Comissão Européia e 56 organizações internacionais, entre
elas a ESA. A governança não é fácil e ainda não há um programa global, mas já
foi dado o primeiro passo para a coordenação em nível global. ESA e Comissão Européia
contribuem para GEOSS através do programa GMES.
3) Exploração Espacial - Neste campo poderá ocorrer a primeira ação
concreta do programa global, graças à experiência adquirida por meio do
programa da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). A
parceria construída em 20 anos de cooperação é o ativo mais importante da ISS,
que ficará muito mais tempo em órbita do que o hardware. É parceria
sólida. Tem sido moldada com a superação de muitas dificuldades e até mesmo de
catástrofes.
Essa parceria deverá ser o núcleo sobre o qual um programa global
de exploração será definido e desenvolvido. Mas, para se tornar realmente
global, ela não poderá ser seletiva, e sim aberta a todos.
Hoje, isso significa, por exemplo, permitir que a China participe
do empreendimento.
Como se vê, há muito a estudar e debater sobre cooperação espacial
em nossa época.
Referências
1) Ver o texto completo em português no site
<http://www.sbda.org.br>.
2) Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados
na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos
Celestes, aberto à assinatura dos Estados em 27 de janeiro de 1967 e em vigor
desde 10 de outubro do mesmo ano. Já foi ratificado por 100 países e assinado
por 26. Ver também o texto completo em português no site <http://www.sbda.org.br>.
3) Dordain, Jean-Jacques, Palestra sobre “Cooperação Internacional
no Espaço Exterior”, proferida na cerimônia comemorativa do 40º aniversário da
Associação de Universidades com Pesquisas Espaciais (Universities Space
Research Association – USRA), em 26 de março de 2009. A USRA reúne hoje cerca
de 100 universidades e 400 profissionais, entre cientistas, técnicos e
professores, e funciona em seis centros de pesquisa da NASA, nos Estados
Unidos. Ver o site
<http://www.usra.edu>.
4) Ver no site <http://www.eyeonearthsummit.org>
* Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência
Espacial Brasileira (AEB).
Fonte: Site da Agência Espacial Brasileira (AEB)
Comentários
Postar um comentário