Aeronáutica desiste do S50 e da Avibras... Será?

Olá, Leitora! Olá, Leitor!


O SindCT (Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial) publicou na noite de ontem (domingo, 18 de agosto), no canal da Rede TVT no YouTube, um novo video do seu programa "Brasil com Ciência", cujo título vaticina que "Aeronáutica desiste do S50 e da Avibras e transfere produção para Mac Jee". Assim como na sua descricão, o vídeo direciona ao pensamento de "que a Aeronáutica está desistindo de seu próprio foguete, o VS-50, para contratar junto a iniciativa privada uma empresa que possa terminar o trabalho que vinha sendo feito com os serviços da Avibras." (I).

A matéria crava ainda que "A decisão visa acelerar os estudos de velocidade hipersônica que vem sendo conduzidos pelo IEAv (Intituto de Estudos Avançados) mas deverá se estender para todos os demais projetos, incluindo o VLM (Veículo Lançador de Microssatélite)." (II).

Complementarmente, o vídeo afirma que  a "decisão também tem impacto sobre uma das mais antigas e tradicionais estruturas da Força: sucateada, a Usina Coronel Abner, deverá ser substituída pelos serviços da empresa Mac Jee." (III) e que a "mudança de rota não será impune, a troca pelo novo fornecedor poderá alterar o cronograma atual de desenvovimento de todos os projetos em pelo menos dois anos." (IV).

Por mais que o programa Brasil com Ciência seja um importante veículo de divulgação sobre temas do setor, muito bem produzido e que conta com muitos convidados de referência, sem nenhum demérito, não podemos esquecer que o mesmo é um veículo de informação com viés político ideológico muito claro, sob a égide da defesa dos intereses dos trabalhadores do setor.

Da análise do discurso e do "direcionamento" e conclusões que o presente vídeo chega, com afirmações muito fortes, não baseadas em fatos, mas em algumas evidências, nos sentimos no dever de debater cada um dos pontos destacados acima, quais sejam:

(I) "A Aeronáutica está desistindo de seu próprio foguete, o VS-50, para contratar junto a iniciativa privada uma empresa que possa terminar o trabalho que vinha sendo feito com os serviços da Avibras."

Essa interpretação, ao nosso ver, está incorreta. Com essa contratação, a Aeronáutica não está necessariamente "desistindo" do VS-50, mas sim, a princípio, transferindo a capacidade de produção para uma empresa que pode modernizar, otimizar e garantir o referido processo. A parceria com a Mac Jee não significa abandono do projeto, mas sim uma evolução estratégica que visa garantir a continuidade e o sucesso do desenvolvimento de tecnologias essenciais, como o motor S50, em novos contextos tecnológicos e produtivos. A decisão de contratar a Mac Jee reflete a necessidade de inovação e diversificação das capacidades nacionais, sem abrir mão dos compromissos estabelecidos, não só com a Avibrás, mas outros players do projeto.

Além disso, desistir do VS-50 seria desistir do VLM-1 (Veículo Lançador de Microssatélites), projeto governamental de um veículo nacional portador de satélites que consta do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) vigente (e da sua versão anterior), no qual temos acordo bilateral Brasil-Alemanha que envolve a Força Aérea Brasileira (FAB), via DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial) e IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço), e a Agência Espacial Brasileira (AEB), do lado brasileiro e o DLR (Deutsches Zentrum für Luft- und Raumfahrt = Centro Aeroespacial Alemão) e seus labotatórios como o MORABA (Mobile Raketenbasis = Base móvel de foguetes), do lado alemão, e que, apesar dos atrasos, está legalmente vigente entre as partes.

(II) "A decisão visa acelerar os estudos de velocidade hipersônica que vêm sendo conduzidos pelo IEAv (Instituto de Estudos Avançados), mas deverá se estender para todos os demais projetos, incluindo o VLM (Veículo Lançador de Microssatélite)."

Embora o foco no desenvolvimento de tecnologias hipersônicas seja um objetivo crucial, a afirmação de que essa decisão se estenderá automaticamente para todos os demais projetos, incluindo o VLM, é exagerada. Como explicado acima, o VLM continua sendo uma peça central na estratégia espacial brasileira, com seu desenvolvimento diretamente vinculado ao uso do S50. A escolha da Mac Jee para a produção do motor não compromete os projetos existentes, mas sim fortalece a capacidade nacional de atender a múltiplas demandas tecnológicas.

Inclusive, o Brazilian Space já fez uma análise independente sobre o projeto RATO, e sobre os limites legais de atuação do projeto (veja o vídeo abaixo), considerando inclusive pelo fato do projeto do VLM sem para fins pacíficos e, por esse motivo, e pelas restrições que a Alemnha tem, desde o final da 2a Gurra Mundial, de produzir misseis balísticos / de cruzeiro (ou equivalentes), a simples transferência do projeto do S50 para um projeto exclusivo da FAB e com um carater forte de defesa, inviabiliza a transferência da tecnologia de controle desenvolvida pelos alemães para o RATO.


Como bem destacado pelo entrevistando Danilo Miranda (Diretor da Mac Jee), a Mac Jee não entrará em contato com o DLR e quem vai dialogar com o DLR será a Força Aérea, que possui um acordo com eles.

Essa afirmação deixa claro que a suposta desistência do S50 e a transferência para a Mac Jee, não é algo simples e automático como o vídeo do SindCT sugere.

(III) "A decisão também tem impacto sobre uma das mais antigas e tradicionais estruturas da Força: sucateada, a Usina Coronel Abner, deverá ser substituída pelos serviços da empresa Mac Jee."

A Usina Coronel Abner (UCA), embora tenha uma história longa e respeitada, realmente precisa de modernização para atender aos padrões atuais da indústria aeroespacial. Tanto a UCA como o próprio IAE vem sendo "sucateados" nos últimos anos e isso é fato. No entanto, sugerir que a UCA será substituída e totalmente desativada é algo que não faz sentido, pois os ativos que ali estão (laboratórios, parque de máquinas e infraestrutura) poderiam e podem ser utilizados em parceria com a indústria nacional, assim como bem destacou Raph Correa (Diretor da empresa CENIC) quando da sua participação na live especial no Brazilian Space de 06 de agosto último (veja aqui). 

Na verdade, embora a Mac Jee tenha como objetivo trazer a atualização e o reforço da capacidade produtiva no segmento, a manutenção e relevância das infraestruturas tradicionais continuam essenciais. Como bem enfatizou Raph Correa, adaptar essas infraestruturas às novas exigências de mercado, que envolvem diversos projetos privados, é crucial para racionalizar e otimizar seu uso. Além disso, essa adaptação é importante para evitar duplicidades de esforços e instalações, com o IAE e a UCA oferecendo serviços e cedendo suas instalações a outras empresas nacionais que, ao contrário da Mac Jee, não têm interesse ou condições de realizar tais investimentos.

(IV) "A mudança de rota não será impune, a troca pelo novo fornecedor poderá alterar o cronograma atual de desenvolvimento de todos os projetos em pelo menos dois anos."

A troca de fornecedor é uma decisão estratégica que visa a continuidade e a sustentabilidade dos projetos no longo prazo. Enquanto qualquer transição pode implicar ajustes temporários, não há evidências concretas de que isso resultará em um atraso de dois anos em todos os projetos. Apesar de reconhecer o prazo para o desenvolvimento do RATO como desafiador e um risco mapeado pelo projeto, Danilo Miranda (Diretor da Mac Jee) enfatiza que, ao contrário, a parceria com a Mac Jee pode trazer mais agilidade e eficiência ao processo, uma vez que a empresa possui a capacidade técnica e os recursos necessários para atender às demandas do projeto, evitando atrasos significativos, no que dela depender.

Conclusão do BS

Em síntese, as declarações alarmistas divulgadas pelo SindCT no vídeo em questão parecem refletir mais uma preocupação ideológica com a estatização da Avibras e a defesa de um modelo estatal para os institutos de pesquisa do que uma análise mais objetiva das circunstâncias e perspectivas reais do setor aeroespacial brasileiro. O discurso sugere um temor exarcerbado de que a transferência da produção do motor S50 para a Mac Jee signifique uma renúncia da Aeronáutica ao projeto do VS-50 e do VLM, quando, na verdade, apresenta-se mais uma decisão estratégica para modernizar e diversificar a base industrial nacional.

A parceria com a Mac Jee não é exatamente uma simples terceirização ou abandono de responsabilidades por parte da Aeronáutica, mas sim um passo deliberado para garantir que o Brasil continue a desenvolver tecnologias de ponta em um cenário cada vez mais competitivo e tecnologicamente avançado. A colaboração com empresas privadas, como a Mac Jee ou com os grupos da CENIC ou Akaer que estáo desenvolvendo os seus VLPPs (Veículos Lançadores de Pequeno Porte), representa uma oportunidade de integrar expertise e recursos que o setor público, por si só, pode não conseguir prover de maneira eficiente, especialmente frente às restrições orçamentárias e à necessidade de inovação ágil.

Além disso, é importante destacar que a manutenção e modernização das infraestruturas tradicionais, como a Usina Coronel Abner e o IAE, permanecem essenciais para o sucesso dos programas espaciais brasileiros. Ao invés de uma simples substituição, o que está em jogo é a integração de capacidades, onde os ativos existentes podem ser usados de forma mais racional e otimizada em parceria com a indústria nacional. Isso não apenas evita a duplicação de esforços, mas também fortalece a cadeia produtiva nacional, garantindo que o Brasil continue a avançar em projetos estratégicos, como o VLM, sem interrupções desnecessárias e sem colocar "todos os ovos em uma única cesta".

Portanto, as preocupações levantadas pelo SindCT parecem alarmistas e mais ancoradas em uma visão conservadora e protecionista, que busca preservar um status quo estatizante, do que em uma avaliação crítica das possibilidades e benefícios que a parceria com a iniciativa privada pode trazer. A verdadeira ameaça aos projetos aeroespaciais do Brasil não está na modernização e na adaptação às novas exigências de mercado, mas sim na resistência à mudança e na perpetuação de um modelo que pode não atender às demandas contemporâneas de inovação e competitividade global.

Em tempo, o Brazilian Space registra uma nota de desagravo em relação ao comentário do locutor do programa Brasil com Ciência, Sr. Edmon Garcia, que no minuto 37:48, usou um tom irônico e sarcástivo para se referir ao lema do portal "Revista Foguetes Brasileiro". Esse tipo de comentário é desnecessário e tão inapropriado quanto o do Sr. Gilberto Câmara sobre o canal Space Orbit, quando do SpaceBR Show deste ano.


Rui Botelho
Editor do Brazilian Space

Brazilian Space 15 anos
Espaço que inspira, informação que conecta!

Comentários

  1. Esse sindicato e a TV são bem ideológicos......tão jurrasicos como "GC".

    ResponderExcluir
  2. Sr. Rui,

    O status quo não é estatizante, mas sim o contrário. As instituições de P&D federais estão sucateadas e com quadro de recursos humanos em níveis deploráveis, sem perspectivas de reposição adequada.
    Como é possível defender um PEB de Estado ao mesmo tempo que se apoia o desenvolvimento de tecnologias estratégicas se apoiando unicamente na iniciativa privada, que muitas vezes tem o capital estrangeiro majoritariamente no controle? (não sei se é o caso da Mac Jee, mas é o caso da Akaer)
    Um PEB de Estado precisa de mais envolvimento de estruturas de Estado. A iniciativa privada se fortalece juntamente com isso.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caro Bruno Henrinque, boa tarde!

      Primeiramente, agradeço pela sua participação no BS e pela oportunidade de conversarmos e esclarecermos alguns pontos, quais sejam:
      1) O status quo e o "mind set" nacional (dos órgaos governamentais, militares ou civis) é, ainda e infelizmente. de um viés desenvolvimentista e estatizante... Está ai a ALADA, criada no governo anterior (que se dizia liberal), com o intuito de criar um monopólio de mercado e garantir receitas, cargos e barganhas políticas para a FAB, gerando uma Infraero do espaço.
      2) Quando falei de estatizante, não me referi aos institutos de pesquisa, mas a ideia de se estatizar a Avibras, fato esse que já conta até com projeto de lei de deputado de SP.
      A existência e importância dos institutos de pesquisa é inequívoca! O problema é querer que o(s) instituto(s) de pesquisa ocupe o papel da indústria, o que era, na falta de empresas públicas, muitas vezes, o que se quis para o IAE, o IEAv e até o INPE.
      3) A ideia não é defender um PEB de Estado, mas um PEB moderno, onde o Estado fomente e alimente a pesquisa, até certo ponto, e depois transfira para o mercado ou o faça em parceria com o mercado, principalmente com Startups espaciais.
      4) Quanto ao capital, creio que só pode ser empresa estratégica de defesa quem tem menos do que 49% das ações votantes de origem estrangeira. Ai precisamos pesquisar mais sobre o assunto, pois esses percentuais tem mudado muito nos [ultimos anos.
      No mais, agradeço pelo conversa e espero que você participe dos nossos programas no YouTube para tratarmos mais do tema. Abraço! Rui Botelho

      Excluir
  3. República Federativa do Brasil

    Eu desejo muito sucesso para às empresas do território nacional privada:
    1° - Mac Jee
    2° - CENIC
    3° - Akaer

    Quero deixar bem claro, às empresas que um nível de alta capacidade para realizarem um avanço no setor tecnológico. Por gentileza, senhores do "Old Space", seria possível, vocês não atrapalharem, vocês já demostram que não tem capacidade de avançar o setor aeroespacial nacional. Deixem o setor PRIVADO mostrar para a população Brasileira que ainda temos uma esperança?

    New Space é a nova onda de empresários privados do setor aeroespacial, acorda BRASIL.

    ResponderExcluir
  4. Só gostaria de apontar que ao mesmo passo que o Sindicato é ideológico, este próprio blog também o é, o que é normal visto que ainda está pra nascer o ser humano sem viés.

    Para dar um exemplo, na conclusão se diz : ".... A colaboração com empresas privadas ,..., representa uma oportunidade de integrar expertise e recursos que o setor público, por si só, pode não conseguir prover de maneira eficiente, especialmente frente às restrições orçamentárias e à necessidade de inovação ágil."

    O que eu diria é existem razões estruturais do porque o estado não inova no setor espacial e tecnologico, o que inclui dentre outras, políticas liberais de austeridade e a própria configuração do estado brasileiro. O que acontece muito nas publicações do blog é uma naturalização do status atual do nosso estado e uma desistencia do mesmo, defendendo a maior participal do setor privado e levando o leitor a ter uma leitura liberal do assunto e do papel do estado no desenvolvimento do setor; veja bem, tal visão é tão ideológica quanto a do sindicato, como disse no início, todos nós somos ideológicos. Mas as postagens por aqui sofrem de uma naturalização de sua própria ideologia, como se essa lógica liberal fosse simplesmente "a modernidade", o que como disse distorce a visão do leitor.

    ResponderExcluir
  5. Quem defende uma maior participação da iniciativa privada, é tachado de "neoliberal", esse país tem um debate muito raso,por isso fracassamos como nação, o PEB é reflexo de muitas coisas que estão aí.É a lei da semeadura pura e simples.

    ResponderExcluir

Postar um comentário