'É Importante Meninas Verem Mulheres Astronautas e Cientistas', Diz Brasileira da NASA

Olá leitor!

Segue abaixo uma matéria postada hoje (02/04) no site do jornal “O Globo” destacando que segundo a Dra. Rosaly Lopes, cientista brasileira do Jet Propulsion Laboratory (JPL) da NASA, é importante para meninas verem mulheres astronautas e cientistas'.

Duda Falcão

CELINA

'É Importante Meninas Verem Mulheres Astronautas e Cientistas',
Diz Brasileira da NASA

Rosaly Lopes estuda vulcanismo na lua de Titã e é a primeira editora-chefe
da revista "Icarus", publicação referência entre cientistas

Por Constança Tatsch
02/04/2019 - 04:30
Atualizado em 02/04/2019 - 10:22


RIO - Nos anos 1960, Rosaly Lopes queria ser astronauta. Depois, inspirada em reportagens que mostravam uma mulher ajudando a trazer a Apollo 13 para casa, decidiu que iria mesmo trabalhar na NASA. Afirma que ter visto Frances Northcutt, pelo menos ela, na agência espacial foi fundamental como modelo e é nessa estratégia que aposta para fazer mais garotas acreditarem que é possível ser cientista.

Rosaly estava disposta a abrir mão de vida pessoal pelo seu sonho: “Quando pequena, eu dizia que não ia casar e ter filhos porque ia ser da NASA e estaria muito ocupada para cuidar de marido.” Não foi preciso. Casou, teve filho, se tornou editora-chefe da revista científica "Icarus" e está há 30 anos na agência espacial americana, com mais de 120 trabalhos científicos publicados.

Astrônoma e vulcanóloga, atuando no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, jura que sua vida tem coisas sem graça e burocracias, mas quem poderia lembrar delas em meio a Mundos Oceanos, criovulcanismo, missões espaciais às luas de Io ou Titã e vida em outros planetas...

O GLOBO: O sonho de muitas crianças é ser astronauta. Você algum dia imaginou que trabalharia mesmo na NASA?

ROSALY LOPES: Com 4 ou 5 anos eu comecei a dizer que queria ser astronauta. Cresci com o programa Apollo e acompanhava pelos jornais. Queria ir para o espaço, para a lua... Mas sou muito míope. Com seis anos usava óculos e descobri que não seria possível ser astronauta porque pilotos precisam ter boa visão. Além disso, naquela época, com exceção de uma mulher russa, todos os astronautas eram homens, americanos ou russos. Achei que não seria possível. Mas eu adorava ficção científica, sempre quis me dedicar ao espaço. Resolvi estudar Astronomia e trabalhar para a NASA, como astrônoma.

O GLOBO: Naquela época, esse não era um emprego típico de mulheres.

ROSALY LOPES: Na época da Apollo 13, vi uma reportagem no GLOBO sobre uma mulher que trabalhava no centro de controle da NASA, em Houston (EUA). Ela ajudou a calcular a rota para trazer a Apollo 13 de volta. O nome dela era Frances Northcutt, e ver essa mulher trabalhar foi muito importante. Vi que pelo menos tinha uma, e foi importante para mim saber que era possível. Mas nunca deixei o fato de ser mulher ou ser brasileira me limitar de alguma maneira.

O GLOBO: Você começou sua carreira no Brasil?

ROSALY LOPES: Comecei a faculdade no Rio, mas fiz só um semestre. Percebi que as oportunidades no Brasil, nos anos 1970, eram muito poucas. Eu falava inglês, então fui para Londres e me graduei na University College London. Meus pais me deixaram ir, foi uma coisa muito corajosa para eles fazerem naquela época.

No princípio, foi difícil porque o nível de ensino era muito mais adiantado em comparação ao que a gente chamava de Científico (os últimos anos do ensino médio). Eles só faziam três matérias, então estavam muito mais adiantados em física e matemática, mesmo eu tendo sido boa aluna. Além de ser uma língua estrangeira. Mas consegui me formar e me tornei PhD em geologia dos planetas, na mesma universidade. Sempre gostei de viajar, explorar lugares novos, gostei dessa área porque tive e ainda tenho que visitar vulcões. Meu espírito é aventureiro.

O GLOBO: Se considera uma desbravadora?

ROSALY LOPES: A gente não diz isso de si mesma mas, sim, outras pessoas me consideram desbravadora.

O GLOBO: Entrar na NASA foi muito difícil?

ROSALY LOPES: A NASA tem um programa de pós-doutorado que dá oportunidades para americanos e estrangeiros. Escrevi uma proposta, ela foi aceita, eu vim. Era uma coisa de dois anos, mas  gostaram do meu trabalho e me ofereceram emprego. Era para trabalhar na missão Galileu e estudar os vulcões na lua de Io, a lua vulcânica de Júpiter, onde tem vulcões ativos. Depois entrei na missão Cassine para estudar a geologia da lua de Titã, que nós achamos que tem uns vulcões antigos, diferentes, que em vez de expelir rocha derretida, expele água. São criovulcões ou vulcões de gelo. A existência de criovulcões já está comprovada na lua de Enceladus. Essas luas têm a crosta de gelo e abaixo dela tem oceano. O oceano não é em cima, é embaixo. São chamados Mundos de Oceanos.

O GLOBO: Você começou a pesquisar a possibilidade de haver vida em Titã. O que mais sabemos sobre essa lua de Saturno?

ROSALY LOPES: A NASA tem um programa para pesquisar astrobiologia e, como eu estava estudando Titã, resolvemos fazer estudos com dados da missão Cassine. Além dessas informações, fazemos estudos teóricos, experiências em laboratório para ver se organismos microscópicos podem sobreviver nesse oceano. Há muito material orgânico na superfície e na atmosfera, como metano, que poderia entrar pela crosta de gelo ajudando o desenvolvimento de vida. Estou estudando mais a parte de criovulcanismo: temos que ver se esse material que está no oceano pode vir até a superfície já que não podemos num futuro próximo penetrar na crosta de gelo. Mas se vier para a superfície, aí poderemos medir algum vestígio de uma vida biológica, como microrganismos.

O GLOBO: Como é trabalhar na NASA? Todo mundo pensa em coisas ultramodernas e emocionantes.

ROSALY LOPES: No dia a dia tem reuniões, eu escrevo muito, faço propostas de trabalho científico, supervisiono estudantes, trabalho em propostas para outras missões, julgo algumas, faço pesquisas e lido com burocracias, que existem em todo lugar. A gente fica na rotina e até esquece de como é maravilhoso trabalhar aqui. Mas às vezes tem um evento que faz você lembrar, como o pouso em Marte.  É muito moderno, em termos de tecnologia é muito adiantado. Mas em termos de edifício, nem tanto, tem alguns mais novos do que outros.

O GLOBO: Você sofreu com machismo ao longo da sua vida profissional?

ROSALY LOPES: Sim, teve às vezes, mas eu nunca prestei muita atenção nisso. Sempre achei que se uma pessoa tem preconceito é problema dela. Melhor seguir em frente, fazer o meu trabalho. Acho que se você fizer seu trabalho bem dá certo. Temos muitas mulheres na área de ciências planetárias. Se você quiser uma coisa, você consegue. Não vou dizer que é fácil, tem que estudar muito. Quando pequena, eu dizia que não ia casar e ter filhos porque ia ser da NASA e estaria muito ocupada. Mas acabei casando e tive um filho. Dá para ser cientista e mãe, tem muitas ótimas cientistas que tiveram filhos.

O GLOBO: Como fazer para trazer mais mulheres para a ciência? Acredita que hoje esteja mais fácil do que antes?

ROSALY LOPES: Nos últimos anos ou décadas, estamos com muito mais mulheres em ciência, está melhorando. É importante desde a infância as mulheres verem que outras são astronautas, engenheiras, cientistas, é a questão de ter o modelo. Mudar uma cultura leva tempo, mas estamos fazendo muitos progressos. Eu era a única menina a querer ser astronauta, mas meus pais nunca me disseram que isso não era coisa de mulher. Meu pai me dizia que todo mundo tem que seguir os sonhos.

O GLOBO: Você já vem de uma família de mulheres pioneiras.

ROSALY LOPES: Sim, minha bisavó foi a primeira mulher no Brasil a acabar a escola secundária, até ganhou um livro do imperador D. Pedro II por isso. Já a minha tia-avó se tornou uma das primeiras enfermeiras formadas no país. Depois da Primeira Guerra Mundial, a Cruz Vermelha americana foi ao Brasil e escolheu um grupo de moças para vir estudar nos EUA e se tornar enfermeiras qualificadas. Ela foi uma delas.

O GLOBO: Você tem mais de 120 publicações científicas e oito livros publicados. Agora é editora-chefe da revista cientifica "Icarus". É uma pioneira também?

ROSALY LOPES: Fui a primeira editora-chefe dessa revista. Não devo ser a primeira de todas as revistas científicas, mas sou a primeira mulher dessa, que é principal publicação científica para cientistas planetários. Eu recebo os artigos, leio, mando para dois colegas que trabalham na área específica para julgarem o trabalho, se é bom, se deve ser modificado. Depois de refeito e revisado, o julgamento final sobre publicar ou não é meu. É muita responsabilidade porque é muito importante para a carreira de um cientista ter seu trabalho publicado.


Fonte: Site do Jornal o Globo - http://oglobo.globo.com

Comentário: Pois é, muito interessante essa entrevista com a Dra. Rosaly Lopes, e concordo com ela sobre a importância de nossas meninas terem acesso a Astronautas e cientistas. Aproveito para agradecer a nossa leitora Mariana Amorim Fraga pelo envio dessa matéria.

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