O Início e o Fim dos Raios Cósmicos
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo publicado na edição 200 (outubro de
2012) da “Revista Pesquisa FAPESP” destacando que novos estudos ampliam o conhecimento sobre as possíveis origens dos Raios
Cósmicos.
Duda Falcão
CAPA
O Início e o Fim dos Raios Cósmicos
Novos estudos
ampliam o conhecimento sobre possíveis
origens dessas
partículas subatômicas, que são aceleradas
até atingir uma
velocidade muito próxima à da luz, atravessam
o espaço
intergaláctico e, ao chegar à Terra, se desfazem
ao colidir com
outras partículas
CARLOS FIORAVANTI
Edição 200
Outubro de 2012
© DRüM
A formação e o comportamento dos raios cósmicos –
partículas que chegam à Terra à velocidade muito próxima à da luz e colidem com
as moléculas de nitrogênio e oxigênio da atmosfera terrestre, resultando em
trilhões de novas partículas – estão sendo detalhados em dois estudos recentes.
Um dos trabalhos, de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e dos
Estados Unidos, indicou que os raios cósmicos poderiam se formar em
consequência do encontro e da aniquilação de campos magnéticos de polaridades
opostas em atmosferas de estrelas e de objetos cósmicos compactos como buracos
negros de massas estelares ou núcleos ativos de galáxias. Para os pesquisadores
responsáveis pelo estudo, esse mecanismo oferece uma alternativa ao modelo mais
aceito de formação de raios cósmicos e poderia explicar as origens
extragalácticas – ainda incertas – daqueles de energia mais alta.
Projetos
1.
Investigação de fenômenos de
altas energias e
plasmas
astrofísicos:
teoria, observação e
simulações
numéricas - nº 06/50654-3
2. Reconexão
magnética e
aceleração de partículas em fontes
astrofísicas e meios difusos - nº 09/50053-8
3. Estudo dos
raios cósmicos de
mais altas
energias com o
Observatório
Pierre Auger - nº 10/07359-6
Modalidades
1. e 3. Projeto Temático
2. Bolsa de
pós-doutorado
Coordenadoras
1. Elisabete Maria
de Gouveia Dal
Pino - IAG/USP
3. Carola Dobrigkeit Chinellato -
IFGW/Unicamp
Bolsista
2. Grzegorz
Kowal - IAG/USP
Investimentos
1. R$
366.429,60 (FAPESP)
2. R$
241.582,45 (FAPESP)
3. R$
3.182.417,76 (FAPESP)
O outro
estudo – da equipe do Observatório Pierre Auger, com a participação de físicos
de universidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia – analisa as colisões dos
raios cósmicos de alta energia com os núcleos dos átomos da atmosfera e
apresenta a área de interação dos raios cósmicos de energia de 10 elevado a 18
a 10 elevado a 18,5 eV (elétron-Volt) com os núcleos dos átomos da
atmosfera. Nesses níveis de energia, a área de interação dessas partículas – ou
seção de choque – corresponde a 5,05 x 10 elevado a -29 metros
quadrados (o número zero seguido da vírgula e por 28 zeros antes do número
505). “Nenhum outro experimento havia feito essa medida da seção de choque
próton-ar ou da seção de choque próton-próton nessas energias altíssimas”, diz
Carola Dobrigkeit Chinellato, pesquisadora do Instituto de Física da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora da equipe paulista
no Observatório Pierre Auger.
Construído
de 2000 a 2008 ao pé dos Andes, em uma planície semidesértica dos arredores de
Malargüe, ao sul da cidade de Mendoza, na Argentina, o Observatório Pierre
Auger é o resultado de uma colaboração internacional que reúne hoje cerca de
500 físicos de 18 países. É o maior observatório de raios cósmicos em funcionamento,
com 1.660 detectores de superfície, formados por tanques cilíndricos
instrumentados de 3,7 metros de diâmetro por 1,2 de altura, cada um a uma
distância de 1,5 quilômetro do outro, formando uma malha triangular. Espalhados
por 3,3 mil quilômetros quadrados – o dobro da área da cidade de São Paulo –,
os detectores de superfície funcionam de modo integrado com os 27 telescópios
de fluorescência, os chamados olhos de mosca, capazes de registrar a tênue luz
emitida pelas moléculas de nitrogênio da alta atmosfera quando excitadas pelas
partículas do chuveiro iniciado pelo raio cósmico que chegou à Terra. Os
leitores desta revista acompanharam a construção do Observatório Pierre Auger,
desde os bastidores das negociações, apresentados em agosto de 2000 na matéria
de capa de Pesquisa FAPESP.
Os raios
cósmicos foram descobertos há 100 anos pelo físico austríaco Victor Hess,
ganhador do Prêmio Nobel de 1936. Agora, com esses dois estudos recentes, o
comportamento dessas partículas torna-se menos nebuloso, embora sua composição
permaneça duvidosa: há indicações de que os raios cósmicos na faixa de energia
até 10 elevado a 18,5 eV devem ser prótons, enquanto os de energia
mais alta talvez sejam núcleos de elementos químicos pesados, como ferro.
Campos
Magnéticos
Na Via
Láctea, as explosões conhecidas como supernovas, que marcam o fim de estrelas
massivas, liberam uma quantidade de energia suficiente para explicar a formação
dos raios cósmicos de baixa e alta energia, enquanto os de energia mais alta,
acreditava-se, poderiam resultar de objetos mais distantes como os núcleos
ativos de galáxias, explica Elisabete de Gouveia Dal Pino, do Instituto de
Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Segundo ela, os
prótons que formam o gás do meio interestelar poderiam ser acelerados a
velocidades próximas à da luz, ganhando o status de raios cósmicos, ao
colidirem com as chamadas ondas de choque, que se formam nas explosões de
supernovas e causam variações abruptas de velocidade, pressão e temperatura nas
regiões vizinhas, como as causadas pela passagem de um avião a jato ou pela
explosão de uma bomba atômica.
Os físicos
supõem que outra fonte de raios cósmicos podem ser as ondas de choque que
resultam do impacto das extremidades dos feixes de matéria, chamados jatos,
emitidos pelos núcleos de galáxias ativas com o ambiente. O problema é que as
extremidades dos jatos dos núcleos ativos de galáxias podem ser insuficientes
para gerar as partículas com energia acima de 10 elevado a 18 eV.
“Os raios cósmicos têm de ser capazes de sair do confinamento gerado pelos
campos magnéticos sem perder muita energia devido à interação com os fótons do
meio onde foram gerados”, diz Elisabete. “Outra dificuldade, encontrada
com observações mais recentes de radiação gama de núcleos ativos de galáxias, é
que os raios cósmicos responsáveis por essa emissão são produzidos em regiões
ultracompactas onde choques são aparentemente inexistentes.”
Elisabete e
Alexander Lazarian, da Universidade de Wisconsin, Estados Unidos, procuraram
outros mecanismos de formação de raios cósmicos de energia altíssima e, em
2005, apresentaram uma proposta teórica que ampliava suas possíveis fontes.
Agora, por meio das chamadas simulações numéricas magneto-hidrodinâmicas,
apresentadas em junho deste ano na revista Physical Review Letters,
Grzegorz Kowal, astrofísico polonês que trabalha no IAG desde 2009, Elisabete e
Lazarian confirmaram as hipóteses do artigo de 2005 e mostraram que os raios
cósmicos poderiam se formar nas atmosferas magnetizadas, também chamadas de
coroas, que circundam buracos negros e seus discos de acresção.
“A ideia é
simples”, assegura Elisabete. “Como resultado do encontro rápido entre linhas
de campo magnético de polaridades opostas, a energia magnética liberada é capaz
de acelerar partículas inicialmente de baixa energia a velocidades
relativísticas. O processo é muito parecido com o que ocorre com partículas
térmicas em ondas de choque. Quando aprisionadas entre duas linhas de campo
magnético de polaridades opostas, elas colidem várias vezes com flutuações
magnéticas, ganhando progressivamente energia a partir dessas colisões até
adquirirem velocidades próximas à da luz e finalmente escaparem dessa região de
aceleração promovidas a raios cósmicos.”
Essa
proposta, diz ela, foi inspirada na intensa atividade magnética do Sol.
Frequentemente, tubos curvos de linhas de campo magnético, os loops, com
uma extensão aproximada de 10 mil quilômetros, emergem na superfície do Sol, a
chamada coroa solar. Os loops podem ter polaridade positiva ou negativa,
como as linhas magnéticas da Terra. Quando colidem, os loops de
polaridade oposta liberam energia, produzem calor e aceleram os prótons que
estiverem por lá, convertendo-os em raios cósmicos. Segundo Elisabete, esse
processo pode originar boa parte dos raios cósmicos de baixa energia, até 10
elevado a 10 eV, que chegam à Terra.
Elisabete,
Lazarian e Kowal concluíram que os campos magnéticos de polaridades opostas,
quando envoltos por movimentos descontínuos chamados de turbulência, podem se
encontrar e se aniquilar rapidamente, acelerando os prótons próximos de baixa
energia e transformando-os em raios cósmicos, também nas coroas de gás
magnetizado próximas a buracos negros ou estrelas – ou, de modo geral, “em
regiões compactas altamente magnetizadas”, diz ela. Nessas regiões, que podem
ter centenas de milhares de quilômetros de extensão, os prótons podem ampliar
sua energia em 10 milhões de vezes em cerca de mil horas (ou 41 dias), à medida
que colidem com os campos magnéticos, de acordo com esse estudo.
Os
pesquisadores encontraram outra possibilidade, que amplia ainda mais os
possíveis berçários de raios cósmicos. De acordo com esse estudo, embora com um
ganho menor de energia, os raios cósmicos poderiam se formar também no gás
interestelar ou no meio intergaláctico, que são turbulentos e magnetizados.
Segundo Elisabete, sob o efeito da turbulência, as regiões magnetizadas do gás
poderiam se encontrar e se aniquilar, transferindo a energia para as partículas
próximas. A etapa seguinte do trabalho é combinar esses resultados com
mecanismos físicos de perdas energéticas dos raios cósmicos e examinar
observações de telescópios que possam confirmar ou corrigir essas hipóteses.
“Precisamos
ver qual é o mecanismo dominante de formação de raios cósmicos de energia
ultra-alta”, diz ela. Até agora as fontes das partículas mais energéticas
limitavam-se a ondas de choques nos jatos de galáxias ativas. Enquanto as ondas
de choques de explosões de supernovas parecem ser o principal mecanismo de produção
dos raios cósmicos na nossa galáxia com energias até 10 elevado a 16-10
elevado a 17 eV e o Sol aparece como uma das principais fontes de
energia mais baixa (10 elevado a 9-10 elevado a 10 eV),
diz ela, “as fontes dos raios cósmicos de mais alta energia permanecem um
mistério e o mecanismo de reconexão magnética aparece como uma nova
possibilidade atraente”.
Outros
Encontros
O outro
estudo também trata de colisões de raios cósmicos a altíssimas energias,
examinadas por meio do Observatório Pierre Auger na Argentina. Quando um raio
cósmico de altíssima energia entra na atmosfera e colide com suas partículas,
novas partículas são produzidas. As novas partículas, por sua vez, continuarão
se propagando na atmosfera e também poderão sofrer novas colisões e gerar novas
partículas.
A cascata
prossegue enquanto as partículas do chuveiro têm energia suficiente para
produzir outras. “Quando as partículas não mais tiverem energia suficiente, o
número de partículas do chuveiro terá atingido o seu máximo e, a partir daí,
poderá apenas diminuir”, diz Carola Chinellato, da Unicamp. Segundo ela, a
energia do raio cósmico original será repartida entre esse enorme número de
partículas produzidas; portanto, se ao final 1 trilhão de partículas tiverem
sido produzidas, a energia de cada uma delas será aproximadamente 1
trilionésimo da energia do raio cósmico original.
Medidas
recentes do Observatório Pierre Auger permitiram, pela primeira vez, detalhar
as interações entre partículas em uma energia ainda não alcançada nos aceleradores
de partículas. Em um trabalho publicado em agosto na revista Physical Review
Letters, a equipe do observatório examinou colisões de 11.628 raios
cósmicos com energia entre 10 elevado a 18 e 10 elevado a 18,5
eV com os núcleos de nitrogênio ou oxigênio da atmosfera, registradas de
dezembro de 2004 a setembro de 2010. Segundo Carola, resultados anteriores do
Observatório Pierre Auger já haviam indicado que, nesse intervalo de energia,
as partículas cósmicas que chegam à Terra devem mesmo ser prótons.
Analisando
as altitudes em que os chuveiros mais penetrantes na atmosfera apresentam o
maior número de partículas, os pesquisadores determinam a seção de choque
inelástica – uma grandeza física fundamental que mede a probabilidade de
interação de uma partícula com outra – em colisões de prótons com núcleos do
ar. No caso de um próton colidindo com os núcleos de ar, essa área de interação
é de 5,05 x 10 elevado a -29 metros quadrados. “Quanto maior a seção
de choque, maior a probabilidade de uma colisão ocorrer”, diz ela. Na verdade,
as coisas não são tão simples no mundo das partículas. “Para interagir, as
partículas não precisam se tocar.”
© NASA
Cassiopeia, remanescente de supernova: agora, a aceleração de prótons é provavelmente o resultado da onda de choque formada pelos movimentos da camada externa de gás |
“Não existe contato entre as partículas”, alerta Marcio
Menon, também pesquisador da Unicamp. Provavelmente, acreditam os físicos, são
componentes dos prótons chamados glúons que saltam para outras partículas,
passando informações sobre velocidade e modificando o comportamento delas.
Menon utilizou os valores obtidos pela equipe do Observatório Pierre Auger para
comparar com valores medidos por outros experimentos e propor ajustes nas
fórmulas matemáticas que regem a variação da seção de choque entre partículas
elementares.
A medida da seção de choque das colisões entre prótons e
os núcleos da atmosfera obtida pelos telescópios do Observatório Pierre Auger
está também contribuindo para estimar o comportamento dos encontros entre
prótons induzidos nos túneis do Grande Colisor de Hádrons (LHC), sediado em
Genebra. O observatório na Argentina e o LHC foram construídos para, cada um a
seu modo, ampliar o conhecimento sobre as propriedades das partículas
elementares. A equipe do Observatório Pierre Auger trabalha com colisões
naturais de partículas com energias 1 milhão de vezes maiores que as maiores
energias alcançadas hoje no LHC, mas os raios cósmicos colidem com outras, as
do ar, praticamente paradas, enquanto nos túneis do LHC são dois feixes de
prótons bastante acelerados que se encontram em colisões frontais. Segundo
Carola, nessa faixa de energia, a energia total da colisão de um próton dos
raios cósmicos com um núcleo do ar é apenas cerca de oito vezes maior do que a
de uma colisão entre dois prótons no LHC.
Colisões Entre Prótons
A partir do resultado da medida da seção de choque
inelástica próton-ar, os pesquisadores do Observatório Pierre Auger calcularam
a seção de choque total em colisões próton-próton e concluíram que a área de
interação entre partículas continua aumentando com a energia. Segundo Carola,
esse aumento já havia sido observado em energias muito mais baixas há 40 anos,
também no Centro Europeu de Energia Nuclear (Cern), e de maneira mais indireta
em experimentos envolvendo raios cósmicos. “Surpreendentemente”, diz ela, “o
resultado observado indicava que o próton ficava maior e mais opaco à medida
que a sua energia aumentava”.
Atualmente o LHC, em operação no Cern, representa uma
nova oportunidade para seguir estudando o comportamento da seção de choque
próton-próton em experimentos realizados com aceleradores, agora em energias
mais altas, da ordem de 7 x 10 elevado a 12 eV, quase 100 vezes
acima da energia alcançadas há 40 anos. Os primeiros resultados obtidos em 2011
no experimento Totem, no Cern, que envolvem também colisões próton-próton,
confirmaram que o próton continua se tornando maior com o aumento da energia,
e, consequentemente, que a seção de choque total continua crescendo. Segundo
Carola, os pesquisadores do experimento Totem mediram a seção de choque em
colisões elásticas próton-próton e, a partir dela, estimaram a seção de choque
total próton-próton, aplicando um modelo teórico. O valor publicado é de 9,83 x
10 elevado a -30 metros quadrados para a energia total da colisão de
7 x 10 elevado a 12 eV, que ela compara com o valor da seção de
choque total na colisão próton-próton obtida pelos pesquisadores do
Observatório Pierre Auger, de 1,33 x 10 elevado a -29 metros
quadrados, a energias ainda mais altas, correspondentes a 5,7 x 10 elevado a 13
eV. “O próton continua ficando maior e mais opaco a essas energias”, comenta
Carola.
“Em essência”, diz ela, “o que estamos estudando no LHC e
no Auger é algo muito similar ao que Rutherford estudava no início do século
passado”. Em 1911, na Inglaterra, o físico Ernest Rutherford fez uma série de
experimentos, atirando partículas alfa, de carga positiva, contra uma folha de
ouro, concluindo que o átomo era formado por um núcleo minúsculo cercado por
uma região muito mais extensa em que circulam os elétrons. “A diferença é que a
escala de energia é muito mais alta e os experimentos são muito mais
interessantes e mais complicados. E é fantástico que o Observatório Pierre
Auger consiga medir uma grandeza tão fundamental partindo da observação de
chuveiros atmosféricos.”
Artigos Científicos
DE GOUVEIA DAL PINO, E.M. e LAZARIAN, A. Production of
the large scale superluminal ejections of the microquasar GRS 1915+105 by
violent magnetic reconnection. Astronomy & Astrophysics.
v. 441, p. 845-53. 2005.
KOWAL, G. et al. Particle acceleration in turbulence and weakly stochastic reconnection. Physical Review Letters. v. 108, n. 24, p. 241.102. 2012.
KOWAL, G. et al. Particle acceleration in turbulence and weakly stochastic reconnection. Physical Review Letters. v. 108, n. 24, p. 241.102. 2012.
ABREU, P. et al. Measurement of the Proton-Air Cross
Section at √s = 57 TeV with the Pierre Auger Observatory. Physical Review Letters. v.
109, n. 6, p. 062002. 2012.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 200 - Outubro de 2012
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