Made in Brazil
Olá leitor!
Segue abaixo uma matéria postada na edição de setembro de
2012 da “Revista Retrato do Brasil” dando destaque as atividades espaciais relativas
aos projetos de satélites e suas tecnologias associadas atualmente em curso no
“Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)” e na empresa brasileira Otpo
Eletrônica.
Duda Falcão
Tecnologia
Made in Brazil
O desenvolvimento
de uma câmera para capturar imagens a
partir do espaço
representa um feito da indústria nacional e
expõe os desafios
do Programa Espacial Brasileiro
Por Tânia Caliari
Revista Retrato do Brasil
Edição nº 62 - Setembro/2012
Quando Mario
Stefani ficou sabendo que não conseguiria comprar no exterior um chip
fundamental para obter imagens da Terra a partir do espaço, percebeu que as
dificuldades que sofreria para a construção da câmera MUX, uma das quatro
embarcadas no satélite CBERS 3, desenvolvido pelo Brasil em conjunto com a
China, não parariam por ali. Decidiu então criar um dispositivo com arquitetura
própria, cujo modelo pudesse prescindir de componentes estrangeiros sujeitos a
restrições, como o PGA, o chip que processa as imagens, cuja compra foi barrada
pela International Traffic in Arms Regulation (ITAR), legislação americana que
impede a exportação de componentes usados para o desenvolvimento de produtos da
área de defesa e aeroespacial. “Não se trata de má vontade. Trata-se de leis –
americanas, francesas, alemãs e de outros países – que protegem os interesses
geopolíticos e de detentores de tecnologia de cada país”, esclarece Stefani.
Ele comanda o departamento de pesquisa e desenvolvimento da Opto, uma empresa de
médio porte sediada em São Carlos, interior do estado de São Paulo, com cerca
de 400 funcionários, 60 dos quais engenheiros e físicos.
A Opto se dedica ao desenvolvimento e emprego da
optrônica – técnica que reúne recursos da luz e da eletrônica para as mais
diferentes finalidades. Seus fundadores são todos egressos dos cursos de
engenharia aeronáutica, de eletrônica e de física da Universidade de São Paulo
(USP), campus de São Carlos. A Opto ingressou no setor aeroespacial em 2004,
quando venceu uma licitação lançada
pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) para a fabricação de
câmeras de alta resolução do terceiro satélite da série CBERS.
O acordo do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos
Terrestres (CBERS, na sigla em inglês) foi estabelecido em 1988, envolvendo o
INPE e a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST, na sigla em inglês),
voltado à concepção e construção de dois satélites avançados de sensoriamento remoto.
Foi definida uma divisão de responsabilidades segundo a qual o Brasil ficou
encarregado de entregar 30% das partes dos satélites, e a China, 70%, incluindo
todas as câmeras embarcadas. Os satélites foram lançados em 1999 (CBERS 1) e
2003 (CBERS 2), mas já em 2002 os países firmaram novo acordo para a
continuação do programa, com a construção dos CBERS 3 e 4. Dessa vez o
compartilhamento das responsabilidades e dos recursos investidos seria de 50%
para cada país. Como a vida útil dos satélites é de cerca de três anos, nesse
meio tempo foi necessário construir um outro satélite para não interromper a
prestação de serviços e em 2007 foi lançado o CBERS-2B. O CBERS 3 está em
testes finais na China e será lançado em novembro. A versão 4 está na fase
inicial de construção.
“Os CBERS 3 e 4 têm quatro câmeras e duas delas são de responsabilidade
do Brasil”, explica Stefani. Isso significa que o País tem de providenciar os
equipamentos, não importando se eles são desenvolvidos localmente ou comprados
fora. Além das câmeras, no caso do CBERS 3 o Brasil ficou encarregado de
fornecer, entre outros componentes, a estrutura do satélite, além de
especificar e testar os equipamentos fornecidos.
Segundo
Stefani, a Opto só ganhou a concorrência para a produção da MUX porque havia um
quesito que favorecia a produção nacional. “Se não fosse isso, não teríamos
vencido, porque uma empresa israelense ou francesa pode vender esse equipamento
mais barato, pois já têm a tecnologia desenvolvida”, diz. Há apenas sete países
com excelência em optrônica e que fabricam esse tipo de câmera: EUA, França, Japão,
Rússia, China, Israel e Índia. “E agora o Brasil”, diz Stefani, com uma ponta
de orgulho.
Para montar o protótipo da MUX, a Opto usou vários
componentes importados. Quando da construção da versão definitiva, porém, a
empresa e o INPE sofreram vários impedimentos de importação dos componentes,
sobretudo dos EUA. Diante disso, a Opto solicitou ao INPE um aditivo contratual,
pedindo mais recursos para fazer uma versão inédita da câmera que não utilizasse
itens cuja comercialização estivesse sujeita a restrições. Essa versão passou a
ser chamada de MUXFree, porque não utiliza componentes sujeitos às legislações
restritivas de comercialização. O custo final da MUXFree foi de 71 milhões de
reais, recurso que financiou um complexo processo de adaptação tecnológica.
“Contratamos 70 engenheiros e fomos adaptando tudo, desde materiais até
componentes eletrônicos”, diz Stefani. Para substituir o PGA, por exemplo, os engenheiros
importaram um componente não sujeito à restrição da ITAR e fizeram modificações
dotando-o de proteção extra para poder ser usado sob as duríssimas condições do espaço. “Perdemos dois
anos nessa brincadeira do chip PGA. Mas conseguimos e foi fundamental.” Stefani destaca a capacidade adquirida por sua
equipe, que em sete anos criou, a
partir dessa experiência,
oito equipamentos médicos que incrementaram
o catálogo de produtos da Opto,
inclusive para exportação.
Nas bancadas
da sala limpa da Opto, o ambiente controlado para manipulação de componentes
sensíveis, estão em montagem as câmeras MUX dos satélites Cbers 4 e 4B, além da
câmara WFI que comporá o Amazonas 1, satélite de pequeno porte desenvolvido pelo
INPE. Ao mostrar detalhes da MUX, Stefani diz que o atual desafio é manter a
capacidade tecnológica adquirida com essa experiência. Ele sabe que, para isso,
será preciso que o Brasil crie novas e constantes demandas na área espacial,
com crescente autonomia na construção de satélites – o que vai depender dos
rumos do Programa Espacial Brasileiro.
A cerca de
350 quilômetros de São Carlos, em São José dos Campos, outra cidade do interior
paulista, são montados os satélites nos quais serão instaladas as câmeras. Ali
fica o Laboratório de Integração e Testes (LIT) do INPE. Não se trata apenas de
montar os artefatos espaciais. Na verdade, o INPE desenvolveu, ao longo de mais
de meio século de existência, pesquisas, sistemas e equipamentos, tecnologia de
ponta que resultou em produtos e serviços da área aeroespacial, cabendo ao
instituto o papel de principal executor do Programa Espacial Brasileiro quando se
trata de satélites.
A grande área limpa do LIT tem um pé-direito que alcança
os quatro andares do prédio e é atravessada por uma grande ponte rolante, capaz
de mover peças de até duas toneladas. Logo na entrada da grande sala branca
vê-se uma estrutura de alumínio, prateada, na qual serão aninhados os
subsistemas do CBERS 4, inclusive a MUX e as demais câmeras. A caixa, de cerca de
3 metros de altura por 2 metros de largura e de profundidade, está pelada, sem
nenhum equipamento, mas suas paredes já estão recheadas por um dos subsistemas
de controle térmico do satélite, desenvolvido pelos chineses. É composto por
tubos de alumínio cheios de amônia e vai ajudar a dissipar o calor gerado pela
aparelhagem que será montada na estrutura. Pedro Cândido, engenheiro do grupo
de controle térmico do INPE, testa periodicamente os tubos para garantir que permaneçam
em bom estado ao longo da montagem do satélite.
A câmera MUXFree
embalada (só o pacotinho dourado):
custo final de 71
milhões de reais
O Brasil Ingressou
Recentemente no Seleto Grupo
dos Países com
Excelência na Técnica que Reúne
Recursos da Luz e
da Eletrônica, a Optrônica
Cândido trabalha
no INPE desde 1986 e já esteve muito animado com as possibilidades de
desenvolvimento tecnológico nacional na área aeroespacial. Nas últimas duas
décadas, no entanto, ele testemunhou um duro processo de esvaziamento do INPE,
que resultou em atrasos, adiamentos e até cancelamentos de projetos. A falta de
contratação de pessoal durante anos, por exemplo, fez com que a idade média do
quadro de funcionários seja hoje de 54 anos, com muitos se aposentando sem
poder passar a novos engenheiros e técnicos a experiência adquirida.
O INPE recebeu
oficialmente a tarefa de desenvolver satélites em 1979, quando foi criada a
Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), que previa a construção de
satélites, de veículos lançadores (foguetes que levam os satélites ao espaço) e
de bases de lançamento, como a de Alcântara, no Maranhão. Os esforços da missão
foram concentrados também no Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial
da Aeronáutica (DCTA), vizinho do INPE, que assumiu o desenvolvimento de
lançadores. O Brasil já enviou 15 satélites ao espaço, dos quais cinco
desenvolvidos total ou parcialmente no INPE. Nenhum, porém, foi lançado por
foguete brasileiro e nem de bases no Brasil, devido a atrasos e acidentes
nesses programas.
O envolvimento mais sistemático do INPE com as
tecnologias de satélites foi abalado pela grande crise econômica dos anos 1980
e pela adoção de uma agenda de “Estado mínimo” a partir do governo do
presidente Fernando Collor de Mello, no início da década seguinte. As
restrições foram particularmente severas para o Departamento de Engenharia de
Tecnologia Espacial (ETE),
que muitos consideram o coração do INPE. Vitor Portezani, dirigente do Sindicato
Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do
Setor Aeroespacial, esteve no ETE até 1995 trabalhando no desenvolvimento de
sistemas de suprimento de energia de satélites. Sua trajetória reflete bem a
mudança pela qual passou o instituto. Com o corte da importação de materiais e
componentes devido à falta de verbas, as atividades de seu laboratório se
tornaram esparsas, os cronogramas foram travando e ele acabou por deixar o ETE
para se realocar na área dedicada ao monitoramento ambiental, setor que
começava a crescer e que se tornou praticamente hegemônico nos rumos do
instituto em 2005 com a nomeação, como seu diretor, do engenheiro Gilberto
Câmara, pesquisador em geoinformática e modelagem ambiental.
Polo de tecnologia nacional: a equipe da Opto, na cidade
de São Carlos,
tem 400 funcionários, 60 dos quais engenheiros e físicos
Os serviços de
monitoramento e estudo ambiental atendem certamente a uma demanda importante do
País, mas, segundo Portezani, o desenvolvimento tecnológico, sobretudo aeroespacial,
não é o seu foco. Nesse ambiente, muitos avaliam que o programa CBERS, firmado em
1988, quando o atual titular do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI),
Marco Antonio Raupp, era diretor do INPE, só se manteve, e ainda assim com
atrasos, graças ao fato de ter sido celebrado o acordo internacional com a
China, cujo rompimento pegaria mal para a política externa brasileira.
Segundo Ricardo
Cartaxo, coordenador- geral do Programa CBERS desde 2006, naquele momento a
China estava um pouco mais avançada que o Brasil na área aeroespacial, graças
ao contato que tinha com a antiga União Soviética. Vinte e cinco anos depois,
enquanto o Brasil permanece patinando nessa área, a China acaba de colocar no
espaço, utilizando base de lançamento, lançador e nave espacial próprios, o seu
quarto voo orbital tripulado, desta vez levando uma mulher astronauta para uma
visita ao primeiro módulo da estação espacial própria que os chineses pretendem
completar até 2020.
Em maio, quando Câmara passou o comando do INPE a Leonel
Perondi, parece que também a orientação do instituto mudou. No discurso de
posse, Perondi, oriundo do ETE, deixou clara sua disposição para retomar a
tradição e o foco tecnológico do instituto. Ele afirmou que “a nova direção
deverá dedicar grande atenção para a área de engenharia espacial do INPE, fomentando projetos que permitam a capacitação em
tecnologias críticas”.
Perondi
destacou que o maior desafio atual
do Programa Espacial Brasileiro
é a capacitação para a construção
do controle de altitude e órbita, subsistema que garante a correta altitude e posicionamento de um satélite, sem o qual
nunca poderá haver uma fabricação
completa de satélites no
País. Ele se lembrou das iniciativas adotadas para essa capacitação entre 2002 e 2005, que, no entanto,
não foram adiante. Como resultado,
no final de 2008, o INPE encomendou
esse subsistema, para ser
instalado no Amazônia 1,
junto a uma empresa argentina, que
por sua vez também não desenvolveu nada – comprou um produto americano. “A nova direção vai apoiar o projeto de capacitação nessa área nos termos
originais”, disse Perondi.
O discurso do
ministro Raupp, pronunciado durante a mesma cerimônia, porém, indicou que Perondi
pode não ter autonomia e recursos como gostaria para seus projetos. Raupp
enfatizou a iminente reformulação institucional do Programa Espacial
Brasileiro, que prevê a integração do INPE, assim como do DCTA, à Agência Espacial
Brasileira (AEB). Os termos dessa integração ainda não foram revelados, mas
parte considerável da comunidade do INPE teme que o instituto perca seu papel de
principal gerenciador de programas relacionados a satélites. E, de fato, isso já
está acontecendo: durante o discurso, o ministro falou com empolgação da recente
constituição da empresa Visiona Tecnologia Espacial, uma sociedade entre a
Embraer e a Telebrás no Parque Tecnológico de São José dos Campos, à qual foi
destinada a tarefa de gerenciar a importação do satélite geoestacionário de
telecomunicações para fins civis e militares que o governo federal comprou recentemente
da empresa francesa Thales.
A decisão de
comprar um satélite pronto atende à urgência que o País tem em ocupar o lugar a
que tem direito na órbita dos satélites geoestacionários, que orbitam a 32 mil
quilômetros de distância da Terra, sob pena de ter de ceder em breve esse lugar
a qualquer país que queira pagar por ele. O desenvolvimento de um satélite
geoestacionário pelo Brasil, projeto muito mais complexo do que o dos CBERS,
que ficam a apenas 800 quilômetros da Terra, poderia levar décadas. Ainda
assim, os engenheiros da ETE defenderam durante anos a entrada de tal projeto
na pauta do INPE, o que possibilitaria que houvesse hoje certo avanço do Brasil
no assunto.
O ministro
chamou a Visiona de empresa integradora, a qual supostamente vai montar o satélite.
O satélite pode até chegar desmontado ao Brasil, mas, segundo uma fonte do
setor, o artefato está pronto em Nice, na França. Fala-se também de transferência
de tecnologia e do papel do INPE no “planejamento da absorção tecnológica”. Mas
gente como Stefani e seus sócios na Opto sabe bem que ninguém transfere
tecnologia estratégica a ninguém. O vitorioso processo de desenvolvimento da
MUX nacional que o diga.
A MUXFree
A câmera capta, do espaço, uma imagem de 80 km de
comprimento e a transforma em apenas 7 centímetros
“A MUX é uma
câmera digital de altíssima resolução que capta imagens da Terra a partir da sensibilização de 6 mil pixels
dispostos numa linha que varre a superfície da Terra produzindo um tapete de imagem.” Assim Mario Stefani (imagem
embaixo), da Opto, define a câmera desenvolvida
por sua empresa especialmente para
o satélite Cbers 3, que captará imagens e outros dados do planeta a 800 quilômetros de altura.
A essa distância,
cada pixel – o menor ponto que forma uma imagem digital, um quadradinho que mede 13 por 13 mícrons
(milésimo de milímetro) – consegue “varrer”
20 metros de solo. “É como se, de São Carlos, cada pixel registrasse a fachada de uma casa com precisão em Brasília”,
diz Stefani. A linha de 6 mil pixels tem cerca de 7 centímetros de comprimento, capaz de cobrir uma linha de
80 quilômetros de solo. A linha
de pixels é como se fosse a retina da câmera, onde a imagem bate e se transforma em um sinal
elétrico que segue para ser processado e transmitido para a Terra por ondas de rádio.
Na verdade, a
câmera tem quatro linhas justapostas de pixels para captar imagens em vermelho, azul, verde e infravermelho, daí
seu nome MUX, de multiespectral. As
imagens produzidas em diferentes cores servem para diferentes usos, como
análises de áreas urbanas, de
plantações, de superfícies de água ou vegetação, as quais refletem mais ou menos cada uma dessas
cores. “O pessoal na Terra recebe as
imagens em faixas separadas e depois monta a imagem final, onde se destacam
a vegetação, o solo ou as cidades, de
acordo com a aplicação”, diz Stefani.
Fonte: Revista “Retrato do Brasil” - Edição nº 62 - págs.
34, 35, 36, 37 - Set. 2012
Comentário: De tudo isso que foi aqui apresentado por essa
interessante matéria da Revista Retrato do Brasil, o que me chamou mais atenção e me causou grande preocupação foi a informação do Diretor do INPE de que o subsistema ACDH
que estava sendo desenvolvido na empresa argentina INVAP para o Satélite Amazônia-1 (com transferência de
tecnologia para o INPE), na realidade não foi
desenvolvido pelo argentinos e sim comprado dos americanos. Realmente assim fica
difícil, o programa já vive dificuldades enormes com os energúmenos do governo
e ainda tem de passar por mais essa, e outra vez com os americanos? É difícil de
aceitar essa situação. Em resumo, voltamos à estaca zero. Ou talvez não, já que existe o Programa SIA. Waldemar, socorro.
Parabéns ao INPE por mais essa com o sistema MUX, e esperemos que o Laboratório de Identificação, Navegação, Controle e Simulação consiga lidar com os desafios e trazer para nosso país o SIA para todos respirarmos de alívio.
ResponderExcluirSim congratulações ao INPE, que conseguiu liberar recursos por um aditivo contratual e com certeza apoiou a Opto, mas parabéns também à Opto e seu pessoal que materializaram a tal MUX.
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