Jayme Boscov - O Pai do Programa VLS

Olá leitor!

Para aqueles que não conhecem o Programa Espacial Brasileiro a fundo, vou falar agora de um personagem de grande importância para o programa durante o período de 1980 a 1992, quando então o mesmo foi gerente do programa do VLS.

Refiro-me ao engenheiro aeronáutico Jayme Boscov, formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica em 1959 (T59), agraciado com a “Ordem Nacional do Mérito Científico” em novembro de 1996, pelo então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso e engenheiro na França por 10 anos onde trabalhou até 1969 no desenvolvimento de mísseis para as empresas Matra e Aerospatiale.

Quando retornou ao Brasil em 1969, trouxe em sua pasta o projeto do foguete SONDA-III que até hoje é o foguete mais bem sucedido de toda a história do PEB e participou do desenvolvimento dos foguetes subseqüentes do programa (SONDA-IV e VS-40), ficando conhecido como “O pai do Programa VLS”.

Após aposentar-se como engenheiro aeronáutico, o Eng. Boscov foi morar em Tietê-SP, onde então passou a se dedicar a arte da cerâmica, bem como também ao violino e a jardinagem, seus hobbies favoritos.

Abaixo segue um artigo publicado pelo "Jornal do Engenheiro", edição de número 219, de 16 a 30 de setembro de 2003, onde Boscov fala sobre o acidente com o terceiro modelo do VLS ocorrido naquele ano, suas prováveis causas e os motivos do fracasso do programa até aquela época. Interessante notar que de lá pra cá, apesar do orçamento do programa ter aumentado, pouca coisa mudou.

Duda Falcão

Alcântara

Crônica de um Desastre Anunciado

Impossível escapar da referência à obra de Gabriel García Márquez ao pensar na explosão do VLS (Veículo Lançador de Satélites), tragédia que matou 21 pessoas – entre as quais 11 engenheiros – em 22 de agosto último, no Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão.

Tal como o personagem do Nobel de literatura, cuja morte iminente era do conhecimento de todos, o Programa Espacial Brasileiro dava sinais claros de que não ia bem. Após o acidente, as mazelas, sentidas principalmente pelos técnicos, vieram à tona. Salários que não ultrapassavam os R$ 2.000,00, processos contra a União para assegurar o adicional de periculosidade, expedientes reduzidos para poupar energia e revezamento para garantir a limpeza dos banheiros, conforme contou à imprensa a mãe de uma das vítimas.

O motivo da explosão será, espera-se, identificado pela comissão encarregada de investigar o caso. No entanto, a grave falta de verbas já é reconhecida como o mal por trás de qualquer falha específica. O orçamento deixado pelo Governo passado previa parcos R$ 30 milhões para 2003. No início de setembro, o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, anunciou que o programa precisa de R$ 130 milhões para ser retomado. Ainda bastante distante dos US$ 1,3 bilhão que a Índia, por exemplo, destina ao seu, mas um alento.

Gerente do VLS entre 1980 e 1992, o engenheiro Jayme Boscov, hoje aposentado, falou ao Jornal do Engenheiro sobre os problemas que afetam o setor desde os anos 80.

Jornal do Engenheiro: O que houve com o programa espacial brasileiro?

Jayme Boscov: O início, nos anos 70, foi muito favorável. Na primeira fase, desenvolveram-se os foguetes Sonda I, II e III. Na segunda, a proposta era fazer um foguete com sistema de controle que pudesse ser automaticamente pilotado, o Sonda IV. Procurou-se desenvolver todas as tecnologias básicas necessárias ao desenvolvimento do lançador de satélites. Começamos também um grande relacionamento internacional, especialmente com a Alemanha, o que nos permitiu construir um laboratório de propulsão. Em 1984, voou o primeiro Sonda IV. A partir daí, deveríamos ter um crescimento, mas ocorreu o contrário e até hoje vivemos essa trajetória descendente.

JE: Nessa época, as verbas começaram a escassear e o programa, antes florescente, passou a decair...

Boscov: O orçamento é ridículo, mas não adianta achar que o dinheiro resolve tudo. Não havia consistência no programa. O projeto VLS nasceu em 1980, em 1982 foi sedimentado e o primeiro protótipo voou em 1997, o que é muito tempo. O fundamental é que não houve vontade política do Governo para que fosse um grande projeto nacional. Ficou restrito à Aeronáutica. O desenvolvimento ficou em cima do CTA (Centro Técnico Aeroespacial). Não conseguimos, já na segunda fase, estabelecer uma organização que tivesse o chamado arquiteto industrial, responsável pelas fabricações em outras empresas e que fosse um integrador. O Governo teria que investir e ter um programa com continuidade em que se garantisse pelo menos cinco anos à frente.

Também não superamos a fase artesanal, muita coisa depende da pessoa que está fazendo e não de um procedimento, que foi exaustivamente comprovado e onde nada se faz sem a documentação técnica.

JE: O programa sofreu também com a falta de recursos humanos?

Boscov: Chegamos a ter 1.300 pessoas. Depois, houve um gap de quase dez anos na contratação. Hoje, os engenheiros que projetaram o VLS e qualificaram o sistema são os mesmos que foram operar o veículo lá em Alcântara, quando deveria haver uma equipe só para o lançamento. Além disso, recebem salários baixos, às vezes ridículos.

JE: Diante de tantas dificuldades e todos os problemas do Brasil, faz sentido um programa espacial?

Boscov: Um país que não tem alta tecnologia sempre será escravizado. Ou o Brasil continua esse programa porque quer ser independente nos lançamentos, quer ter uma cultura espacial que possa seguir o que os outros estão fazendo ou por motivos estratégicos. O fundamental é definir uma política espacial, que siga independentemente do partido que estiver no poder. Vamos fazer o Fome Zero, mas não esqueçamos as outras questões.

JE: Com a investigação do acidente, esses problemas virão à tona?
Boscov: Espero que não se olhe apenas o acidente, mas tudo que ficou para trás. É preciso uma análise profunda de como se chegou a isso. Por que havia 23 pessoas lá e o que cada um estava fazendo? Nada acontece do dia para a noite, há uma seqüência de eventos que levaram a isso. Eu descarto totalmente a hipótese de sabotagem. A sabotagem, ainda que não propositadamente, foi contra a política espacial brasileira

Vantagem Estratégica

Sem os bilhões de dólares dos países desenvolvidos, o Brasil tem ao menos um grande coringa na corrida ao espaço: o Centro de Lançamento de Alcântara, cuja localização, a 20o do Equador, é a melhor do Planeta. O lugar foi escolhido pessoalmente pelo Brigadeiro Hugo Piva, que comandou o programa espacial até 1987, quando se reformou. “Isso é um fator privilegiado porque os grandes satélites são geoestacionários, ou seja, giram com a mesma velocidade de rotação da Terra. Eles têm que ficar em cima do Equador. A base sendo ali, o caminho será mais curto”, explica. Isso dá uma economia de combustível de 27% em relação ao lançamento feito de Cabo Canaveral, na Flórida, daí o interesse de russos, ucranianos e estadunidenses em Alcântara.

Piva ressalta que alugar a base para estrangeiros é muito interessante ao Brasil, não só pelo dinheiro, como pela cooperação internacional, fundamental nessa área. A operação da base, contudo, lembra ele, não está imune aos males do programa como um todo e carece de verbas.


Fonte: Site do Jornal do Engenheiro - JE

Comentários

  1. Grande entrevista. Não sabia mais o paradeiro do Boscov, desde os anos 80. Também, encontrei uma entrevista recente com outro pioneiro do nosso programa espacial, o Brigadeiro Hugo Piva, realizada mais recentemente, 2007 :

    http://www.ita.br/online/2007/itanamidia07/jan07/vale07jan07.htm

    Piva é muitas vezes apontado como o Von Braun brasileiro. A infelicidade dele foi ter ido trabalhar no Iraque para desenvolver os misseis balísticos daquele país nos anos 70 e 80. Os Americanos não devem gostar nada dele, e na entrevista ele cobra ações contra o Bush, chamando ele pior que o Saddam Hussem.

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  2. É verdade Ricardo, o Brigadeiro Hugo Piva e o Boscov são grandes personagens da história do Programa Espacial Brasileiro. Infelizmente durante a passagem deles pelo programa o governo não soube aproveitá-los como deveria, pendendo uma grande chance e literalmente jogando o PEB no atraso tecnológico que se encontra na área de foguetes lançadores de satélites. Em breve estarei postando uma nota sobre esse outro grande personagem do PEB que foi o Brigadeiro Hugo Piva.

    Abs

    Duda Falcão

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  3. Olá Ramir!

    Essa é uma boa pergunta e eu não tenho certeza de quem seja. No entanto, acredito que deva ser o novo diretor-geral do DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial) o Tenente Brigadeiro do Ar CLEONILSON NICÁCIO SILVA, que assumiu o cargo em 18 de Agosto de 2009.

    Abs

    Duda Falcão

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  4. Na verdade, o filho do Boscov é que trabalha na DPM Engenharia com este cargo de diretor técnico-comercial. Tem por nome o mesmo do pai.

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  5. Olá Saulo!

    Lhe agradeço amigo pela informação que fica assim esclarecida definitivamente.

    Abs

    Duda Falcão
    (Blog Brazilian Space)

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  6. Caro Duda Falcão,
    Sou filha do Jayme Boscov e gostaria de pedir somente a alteração do nome dele nesta página que é Jayme Boscov. O Jaime Alex Boscov é meu irmão e filho do Jayme.

    Conforme o Saulo informou, as informações sobre Jaime Alex são do meu irmão. Meu pai atualmente está aposentado e não tem mais ligação com o programa espacial brasileiro.

    Obrigada
    Adriana

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    1. Cara Adriana!

      Já fiz as modificações e obrigado pela sua interferência. Respeito muito seu paí, um grande homem e um profissional admirável, pena que em nossos país pessoas como ele são difíceis de encontrar.

      Abs

      Duda Falcão
      (Blog Brazilian Space)

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  7. Adriana Boscov será que somos parentes?

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  8. J'aimerai savoir si je pourrai avoir les coordonnées de Mr Jayme Boscov, un ancien ami que j'ai connu à Paris ..
    Merci beaucoup

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  9. Please can i have the e-mail adress of Mr Jayme Boscov, i'm an old freind of him from Paris,
    Thank you
    Nasro Jabbari
    aboukawtar@hotmail.fr

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