O Plano Mudou

Olá leitor!

Segue abaixo uma matéria postada na edição de fevereiro de 2013 da “Revista Retrato do Brasil” dando destaque a atual perda de rumo atividades espaciais brasileiras. A matéria é loga, mas vale a pena dar uma conferida.

Duda Falcão

Tecnologia

O Plano Mudou

Nos anos 1970, era a Missão Espacial Completa Brasileira,
para a construção de satélites, foguetes espaciais e uma base
para seu lançamento no País. Agora, parece um atalho em
busca do domínio de tecnologias, mas não se sabe bem como

Por Tânia Caliari
Revista Retrato do Brasil
Edição nº 67 – Fevereiro/2013


“DEZ, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1.” Ao final da contagem regressiva, um clarão ilumina a noite recém-chegada ao litoral de Alcântara, no Maranhão. É 8 de dezembro e o lançamento de um foguete carregando um conjunto de aparelhos científicos na sua ponta é a última missão do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) no ano de 2012. Há uma emoção contida de início. Poucos na plateia formada por técnicos, oficiais da Aeronáutica, jornalistas e civis convidados, reunidos na sacada do Centro Técnico da base, aplaudem no momento em que o foguete decola longe dali e o estrondo da explosão faz-se ouvir segundos depois. Onze minutos e 13 segundos após a decolagem, no entanto, há aplausos e vivas quando mais de uma dúzia de técnicos, presentes no ambiente envidraçado da sala de controle, onde seis grandes monitores exibem imagens da trajetória do foguete e dados da missão científica a ser realizada, cumprimentam-se pelo êxito da operação.

O tenente-coronel Demétrio Santos, engenheiro aeronáutico, deixa a sala de controle para falar com os jornalistas. Está visivelmente satisfeito. A missão foi um sucesso. Ele diz: “Esse foi o foguete mais complexo que lançamos este ano. Foram seis foguetes de treinamento básico, um foguete de treinamento intermediário e agora esse, de porte maior.” Outro militar, o coronel da Aeronáutica Luiz Medeiros, do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, de São José dos Campos, ao qual a base de Alcântara é subordinada, completa a explicação. A missão deu certo não só pela oportunidade de testar o desempenho do foguete mas também os equipamentos de emissão e recepção dos dados do voo e dos experimentos embarcados. “Foi um voo suborbital”, diz. Ou seja: a carga saiu da atmosfera, mas não entrou em órbita. O foguete subiu, chegou a uma altura de 480 quilômetros e desceu, descrevendo uma parábola; a carga útil, caída no mar a 327 quilômetros da base, não foi recuperada. “Por isso temos que receber em terra os dados dos experimentos feitos lá em cima, por telemetria.” E tudo isso foi feito naqueles 11 minutos e 13 segundos depois do lançamento, antes dos aplausos.

Situada na cidade colonial de Alcântara, fundada por franceses no século XVII, perto de São Luís, a capital maranhense, a base fica a 2,2 graus sul de latitude e é a mais próxima da linha do Equador. Esse privilégio geográfico permite que os foguetes aproveitem melhor a rotação da Terra em torno de seu eixo para superar a atração gravitacional e sair da atmosfera do planeta usando menos combustível, com custos menores de operação. Como mostra o mapa nesta página, por exemplo, o centro de lançamentos de foguetes europeu de Kourou, na Guiana Francesa, o segundo melhor em localização, fica a 5 graus de latitude norte.

O lançamento desse foguete de fim de ano, cujo nome técnico mais preciso é VS30/ORION V10, é considerado um evento importante pelas autoridades brasileiras. Foi uma operação com duração de um mês. Envolveu 210 servidores entre civis e militares, além de técnicos alemães que operaram uma estação móvel de telemetria. Em princípio, ele é parte de um plano maior, a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), cujas origens remontam há cerca de meio século e cujo objetivo é assegurar a capacidade de o País ter autonomia científica e tecnológica nessa área crítica para a defesa nacional e as telecomunicações: ser capaz de produzir, aqui, satélites espaciais e seus foguetes lançadores e ter uma base de lançamentos equipada e consolidada. A base de lançamento existe – é Alcântara, que, apesar de um acidente grave, do qual logo se falará, já está sendo totalmente reparada. Satélites o Brasil já fez: o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) desenvolveu alguns, simples, de pequeno porte, ainda nos anos 1990, para coleta de dados.


O problema principal são os foguetes. É o que se pode perceber das explicações que o coronel Medeiros e o tenente-coronel Santos deram aos jornalistas logo após o lançamento em Alcântara. “Por que VS30/ ORION e por que V10?” O coronel Medeiros faz a pergunta e ele mesmo responde a ela, contando a história a partir do foguete lançado agora. Ele tem duas partes: o motor VS30, desenvolvido pelo Brasil, e o motor Orion, doado pela Alemanha e de fabricação americana. O V10 é porque se trata do décimo veículo com essa configuração a ser lançado. O VS30 é herdeiro de uma família de foguetes desenvolvidos pelo Brasil desde os anos 1960 para, no início, fazer sondagens meteorológicas. O domínio dessa tecnologia serviu de base para o desenvolvimento do primeiro modelo nacional de foguete capaz de colocar um satélite em órbita, o VLS, programado no início dos anos 1980.

Todos os que ouviam o coronel Medeiros sabiam que essa família de foguetes, básicos para a MECB – daí seu nome, VLS, de Veículo Lançador de Satélite –, tem um história conturbada. O primeiro lançamento foi feito quase 20 anos depois. E foram três tentativas, a partir de 1997. E três fracassos; o último deles em agosto de 2003, uma grande tragédia. Dois dias antes do lançamento, o motor do primeiro estágio do foguete entrou em ignição inesperada e explodiu no momento em que técnicos ajustavam equipamentos na Torre Móvel de Integração (TMI), uma estrutura de 33 metros de altura, onde o foguete é ajustado para o disparo. A torre foi inteiramente destruída e 21 técnicos e engenheiros morreram. A pergunta, então, era esperada: “E quando vamos ver o lançamento do VLS?”, pergunta o repórter da afiliada da Rede Globo na região.

Quem explica é o coronel Santos. Paulistano formado em engenharia aeronáutica, há tempos ele está no setor espacial. Em 2006, dedicava-se, nos laboratórios do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), em São José dos Campos, a desenvolver uma turbina de pequeno porte para veículos não tripulados, visto que o Brasil, mesmo tendo uma grande fabricante de aviões pequenos e médios, a Embraer, não domina a tecnologia de fabricação de turbinas e de muitos outros equipamentos aeronáuticos. Em 2008, assumiu a gerência do projeto VLS. Santos conta o que aconteceu após o acidente: “Uma comissão de consultores russos veio ao Brasil, analisou os estragos e indicou como a base deveria ser recuperada para que a gente pudesse voltar aos lançamentos.” O CLA passa agora por obras fundamentais, como a construção do prédio de depósito de propulsores, o prédio de combate a incêndios e a reforma do prédio de preparação dos lançadores.

“Durante o lançamento do VS30/ORION V10
em Alcântara, a pergunta que não quis calar: e
quando subirá o veículo lançador de satélite?”

“E quando será o lançamento do VLS com uma carga útil, com um satélite?” Santos detalha, primeiro, as dificuldades para esse lançamento. Explica: a qualificação de sistemas espaciais é um longo processo de testes, em solo, laboratórios ou espaço. Os testes devem certificar a qualidade e funcionalidade de cada subsistema do foguete. O primeiro voo do VLS, previsto para 2014, ainda não será para colocar um satélite em órbita, e sim para qualificar o SISNAV, o sistema de navegação desenvolvido pelo IAE, que dará direcionamento ao foguete depois que ele subir. “E o lançamento?”, insistem os jornalistas. Santos começa a responder, mas pondera: “A previsão é… Tudo depende de verba e orçamento. Para 2013, foram solicitados 60 milhões de reais. Vamos ver. Para 2012, também foram solicitados 60 milhões, mas foram recebidos 15 milhões. Em 2011, pedimos 50 milhões, recebemos 16 milhões.” Segundo o tenente-coronel, o IAE teria como fazer dois veículos ao mesmo tempo, um para a qualificação do SISNAV e outro para o lançamento com satélite, mas isso não está ocorrendo.

Ao longo da entrevista, vão se explicitando as dificuldades da operação para construir o VLS. É necessário, por exemplo, um novo foguete a cada voo, visto que a maioria é usada apenas uma vez. Por falta de verba, o IAE está trabalhando num veículo só; então, o primeiro será só para qualificação. E o lançamento completo – levando um satélite que está sendo desenvolvido pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) – não será em 2014, como previsto. Depois de 30 anos de desenvolvimento, a despeito de algumas conquistas, o VLS é considerado um projeto velho, que nem atende mais às necessidades das missões espaciais previstas para os próximos anos: a colocação em órbita de diferentes satélites de mais de uma tonelada, mais pesados do que a capacidade de lançamento do VLS-1.

Um relatório internacional publicado em 2009, o Futron’s 2009 Space Competitiveness Index, que reúne índices de competitividade de programas espaciais de dez países, aponta os melhores indicadores do Brasil nessa área como resultado de investimentos, infraestrutura e formação de recursos humanos decorrentes da MECB e do programa de desenvolvimento de satélites em parceria com a China, nos anos 1980. CBERS é a sigla. “O Brasil tem visto sua posição declinar em relação a outras nações líderes do setor espacial e não possui uma estratégia clara e compromisso de investimento em atividades espaciais”, diz o relatório. Em meados de dezembro do ano passado, a Coreia do Norte anunciou que seu foguete Unha-3 colocara em órbita a segunda versão do satélite Kwangmyongsong-3. Toda a tecnologia foi desenvolvida no país, a despeito de ele ser pequeno e pobre e de viver praticamente isolado por uma série de embargos econômicos e tecnológicos. A Coreia do Norte faz parte hoje do grupo de países que dominam três dos cinco pontos que fazem uma potência espacial. Segundo Paulo Moraes, presidente da Associação Aeroespacial Brasileira e engenheiro do IAE, quando se fala em programa espacial completo, fala-se da capacidade que os países devem ter para desenvolver satélites e lançadores, ter centro de lançamento, enviar um artefato para o espaço que volte são e salvo para a Terra e, finalmente, executar um voo espacial tripulado.

“Só existem três países que dominam esses cinco pontos: os EUA, a Rússia e a China”, diz Moraes. A Europa, com vários países consorciados na Agência Espacial Europeia (ESA), domina quatro desses pontos. Falta capacidade para voos tripulados. A Índia, que iniciou seu programa espacial na mesma época em que o Brasil o fez, também tem esses quatro pontos, tendo, já em 2007, colocado em órbita e recuperado, intacta, uma cápsula espacial. O Japão também já atingiu esse estágio. Depois vêm os países que dominam três pontos, como Israel, Irã e a Coreia do Norte, e, finalmente, os países com apenas dois pontos, como a Ucrânia, que tem satélite e lançador, mas não tem base própria de lançamento; a Coreia do Sul, com base e satélite, mas que ainda tenta construir o lançador; e o Brasil, que, como a Coreia do Sul, também não tem lançador ainda. A transferência de tecnologia de um país para outro tem tudo a ver com questões estratégicas do desenvolvimento nacional. Em 1990, por exemplo, os EUA impediram que suas empresas continuassem a prestar serviços para o tratamento térmico em peças que constituíam o motor do VLS.

Fotos: José Luiz Cavalcanti
O coronel Medeiros e o tenente-coronel Santos: satélites
o Brasil já fez, base, o Brasil já tem; o problema,
agora, são os foguetes

Além da resistência externa, há muitos, mesmo entre cidadãos brasileiros, que questionam: para que foguetes? Para que satélites num país pobre como o Brasil? Ao terminar de falar ao telefone celular e checar uma informação na internet, o ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, retoma uma entrevista que cedia a RB em São Paulo sobre o tema. “Você viu? Eu estava falando ao celular e navegando na internet. Nós precisamos de um programa espacial porque quem não tiver soberania sobre sua própria comunicação não existirá mais.” Amaral, que quando ministro defendeu o direito de o Brasil ter o domínio sobre a bomba atômica, vai além, lembrando que a tecnologia de foguetes e satélites pode ser usada para fins pacíficos e comerciais, mas não é neutra. “Como você acha que o mundo moderno vai vigiar suas fronteiras? Com binóculo? Como vamos vigiar o desmatamento da Amazônia? Como vamos prever ciclones, tempestades, secas? Como vamos controlar a aviação civil? Com o antigo código Morse? Como vamos controlar a Força Aérea? Como os submarinos que deverão proteger o pré-sal vão ser guiados? Tudo isso é por satélite! E quem vai fazer os nossos satélites? E por quem vão ser lançados? E por quanto? Vamos ficar na dependência do poderio de fora?”, ele pergunta.

O Brasil, embora seja o oitavo em termos econômicos, é o 23º país em investimento espacial, considerando o gasto de cada país em relação ao respectivo PIB. Segundo dados divulgados pelo mesmo Amaral em artigo de 2011, os recursos alocados para investimento no programa espacial brasileiro não passavam de 0,01% do PIB do País, ou seja, cerca de dez vezes menos que a França, a Rússia e a China. Amaral reconhecia que, depois dos grandes cortes do programa durante os governos Collor e FHC – em 1999, o orçamento para o programa espacial brasileiro foi de 1,6 milhão de dólares –, houve uma retomada de investimentos. Em seus dois governos, Lula dedicou ao programa 110 milhões de dólares, em média. Nos dois primeiros anos do governo Dilma Rousseff, a média foi de 200 milhões.

Mas ainda é muito pouca grana. Moraes, já citado, em 1989, liderava no IAE uma equipe de 18 pessoas no desenvolvimento aerodinâmico do VLS. Hoje essa equipe tem quatro funcionários. Moraes está, desde 2004, à frente do projeto de concepção de novos foguetes lançadores que virão depois do VLS, a família Cruzeiro do Sul. Dos cinco foguetes planejados originalmente em 2005, o programa aposta agora em dois. Moraes vai tocando o projeto com a ajuda de três estudantes bolsistas. “Não podemos dizer que não estão dando dinheiro. Todo dia tem três grãos de feijão, dez de arroz e um fiapo de carne. Vamos morrendo aos poucos, de inanição.”

O que tem a dizer sobre isso o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), aparentemente responsável pelo nosso programa espacial? José Raimundo Coelho é físico de formação e trabalhou no INPE por muito tempo, onde assumiu, entre outras funções, a coordenação do programa de satélites CBERS e a chefia da cooperação internacional do instituto. Depois foi chefe de gabinete de Marco Antonio Raupp, quando este foi diretor do INPE nos anos 1980, e o substituiu como presidente da AEB quando ele assumiu o MCTI, no início do ano passado. RB o ouviu em Alcântara, um dia antes do lançamento do foguete citado na abertura de nossa história. Coelho é homem de confiança do ministro Raupp e está em sintonia com o seu pensamento, que pode ser formulado em dois pontos: 1) o Brasil não pode mais seguir seu programa espacial sozinho; precisa de parceiros internacionais que lhe forneçam tecnologia; e 2) o Brasil continua perseguindo os objetivos da MCEB, isto é, consolidar a área de satélite, desenvolver um lançador próprio e ter suas bases de lançamento. Esses dois propósitos são conjugados ou contraditórios? A AEB, por definição funcional, “é responsável por formular e coordenar a política espacial brasileira” e se apresenta para o público, em seu site na internet, como tendo a tarefa de “dar continuidade aos esforços empreendidos pelo governo brasileiro, desde 1961, para promover a autonomia do setor espacial”. Coelho diz que a AEB, sozinha, não consegue atender às demandas do VLS-1. Diz ainda que o Plano Plurianual do governo, para o período 2012-2015, não contempla o orçamento solicitado para o VLS-1.

Há, aparentemente, um grande problema de direção no programa espacial brasileiro. Embora a AEB tenha a tarefa de formulação e coordenação do programa, não tem qualquer ascendência sobre os braços do governo que o executam, muitas vezes em ações desconexas. A agência é como uma assessoria do MCTI. O INPE não é subordinado à AEB, mas, sim, também ligado diretamente ao MCTI. O IAE e os centros de lançamento de foguetes, o de Alcântara e o de Barreira do Inferno, são órgãos do Ministério da Defesa, subordinados ao Comando da Aeronáutica.

Em 2004, a área aeroespacial foi definida, juntamente com o setor nuclear e o de tecnologia de informação, como estratégica pelo plano da Estratégia Nacional de Defesa, que reafirmou a necessidade de o País “garantir a autonomia de produção, lançamento, operação e reposição de sistemas espaciais”. O programa espacial brasileiro está inserido também no documento Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação, de 2011, como um dos programas prioritários dos chamados “setores portadores de futuro”. A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República vem dedicando debates e estudos sobre o programa. Desde a criação da AEB, os agentes do programa se dedicam a elaborar o PNAE (Programa Nacional de Atividades Espaciais), que define projetos a serem realizados e os inclui em estimativas orçamentárias do País. O PNAE vale por dez anos e é revisado periodicamente, mas não se pode concluir que ele tem o status de um programa de Estado, com orçamento e prioridade dignos de uma política estratégica, argumenta RB com o presidente da AEB.

Coelho contra-argumenta dizendo que, na última revisão do PNAE, feita em 2012, o orçamento para a área foi multiplicado por três. “Nosso orçamento tem sido de 300 milhões de reais, em média, nos últimos anos e a partir de 2013 será da ordem de 900 milhões.” Mas esse aumento vai financiar, sobretudo, dois projetos vistos por ele como parcerias internacionais para o Brasil obter tecnologias. A pergunta é: como isso ocorrerá? A resposta: 1) com a compra de satélites geoestacionários de comunicações, através da Visiona Tecnologia Espacial (joint venture entre a Embraer, ex-estatal, privatizada, com 51% das ações, e a estatal Telebrás, com 49%), e graças ao acordo para o lançamento de foguetes trazidos da Ucrânia para serem lançados de uma nova base, que está sendo construída numa parte da área da base de Alcântara, por meio da empresa binacional Alcantara Cyclone Space (ACS), que visa à conquista de parte do mercado global de lançamento de satélites.

“Os americanos se opõem ao desenvolvimento
do VLS e também a que o Brasil receba
tecnologia de foguetes da Ucrânia”

No orçamento para 2012, a ACS teve 135 milhões de reais. Para a compra do primeiro dos satélites geoestacionários estão previstos 900 milhões de reais. De um modo geral, o desenvolvimento de foguetes é a parte mais cara. A Índia, por exemplo, que tem um orçamento para seu programa espacial de mais de 1 bilhão de dólares por ano atualmente – equivalentes a mais de 2 bilhões de reais –, dedica cerca de 40% desse total para o desenvolvimento de foguetes. Para o VLS, em 2012, foram destinados apenas 16 milhões de reais. Sendo esse o programa realmente nacional de desenvolvimento de tecnologia, não é uma desproporção muito grande? O presidente da AEB responde a RB. Ele diz que as novas ações não prejudicam as demais, porque já chegaram com recursos próprios. Então, conclui a repórter, não é o caso de o plano espacial passar a contar com mais recursos, mas, sim, de outros planos terem passado a fazer parte dele. Ao admitir que não há recursos para tocar o VLS de maneira apropriada e ao defender os novos projetos, Coelho indica que o rumo mudou: sai o penoso esforço para o desenvolvimento local de tecnologia e entram outros expedientes através dos quais haveria transferência tecnológica.

O ex-ministro Amaral também defende essa busca de um desvio. Para ele, o Brasil tem três opções: renunciar ao programa espacial próprio; refazer todos os caminhos, começando do estágio de desenvolvimento atual; ou saltar etapas tecnológicas com as parcerias internacionais. Diz ele: “O Brasil não dispõe de bilhões de dólares para investir e nem pode aguardar mais 50 anos.” Resta, então, escolher os parceiros certos. No caso dos foguetes, seriam os ucranianos.

“Alguém tem dúvida do sucesso da Alcantara Cyclone Space?”, indagou Amaral, em 9 de setembro de 2010, após cortar simbolicamente a primeira vegetação para o início das obras da base de lançamento do foguete ucraniano Cyclone-4, em Alcântara. A ACS é a empresa binacional resultante do acordo Brasil-Ucrânia de 2003. No projeto, financiado igualmente pelos dois países, os ucranianos entram com a tecnologia do foguete e o Brasil fornece a estrutura física para lançá-lo. Primeiro a apontar a inanição orçamentária como causa do acidente do VLS em 2003, Amaral viu no acordo uma oportunidade comercial a ser explorada e um atalho tecnológico para que o País consiga ter seu lançador de satélites. Ao deixar o ministério, foi para a presidência da ACS, onde ficou de 2006 a 2011. Mas ainda defende enfaticamente o projeto. No final do ano passado, explicou seu ponto de vista a RB: “Não existe programa espacial brasileiro fora o Cyclone 4. Há muito desistiram do VLS, que vai servir agora para qualificação de novos foguetes. A base do CLA também só tem servido a lançamentos científicos. O Brasil tem que decidir se quer ter um programa espacial ou se quer um brinquedo para os técnicos. Se for para brincar, continuem com essas coisas aí. Se for para ter um programa espacial, é o projeto Cyclone 4 e 5. Fora daí, a conversa não é séria.”

Amaral acredita que haverá transferência tecnológica no projeto à medida que se der o trabalho conjunto entre técnicos dos dois países, primeiramente na construção da base e depois no desenvolvimento de um novo foguete, o Cyclone 5. Segundo Amaral, há um compromisso contratual de desenvolvimento conjunto do Cyclone 5. A repórter de RB não encontrou qualquer menção ao futuro foguete nos documentos oficiais do acordo Brasil Ucrânia e da constituição da ACS. Mas o Cyclone 5 foi mencionado pelo primeiro-ministro ucraniano, Mykola Azarov, durante a visita do ministro Raupp àquele país em março de 2012. “Azarov disse que os especialistas ucranianos e brasileiros já estão trabalhando no planejamento de uma nova geração de foguete, o Cyclone-5”, registrou o site de notícias russo RBC. Praticamente não existe detalhamento sobre o nível e os termos dessa possível cooperação. Por ora, além da visita de técnicos brasileiros à fábrica do Cyclone, foi criado na Universidade de Brasília um mestrado em engenharia aeroespacial, durante o qual os alunos passam seis meses na Ucrânia.

Desenvolvido pela empresa estatal de engenharia Yuzhnoye, o Cyclone 4 está em fase adiantada de construção na fábrica Yuzhmash, também estatal, na cidade de Dnipropetrovsk, e será transportado para o Brasil no maior avião cargueiro que existe, o também ucraniano Antonov. Tudo isso, tecnologia de foguete, satélite, aviões, é herança da antiga URSS, da qual a Ucrânia se separou após 1991. Em comparação ao VLS, o Cyclone 4 é um gigante, com 40 metros de comprimento (duas vezes o do VLS), usa combustível líquido e poderá colocar um satélite de até 5,3 toneladas em órbita baixa, de até 2 mil quilômetros da Terra, ou um satélite de até 1,8 tonelada em órbita geoestacionária, a 42 mil quilômetros. O VLS usa combustível sólido, tecnologia que limita manobras e coloca apenas 150 quilos numa órbita de 700 quilômetros de altura.

O acordo Brasil-Ucrânia foi considerado estratégico pelo Conselho de Defesa Nacional, que incluiu a construção da base da ACS na esfera de interesses de “segurança nacional”. Em 2011 o então ministro do MCTI, Aloizio Mercadante, hoje na pasta da Educação, referiu-se ao projeto como uma parceria que “num futuro próximo pode ser a base do programa espacial do Brasil”. Em 2008, houve forte resistência por parte da população de Alcântara, de movimentos sociais e de ONGs contra a ocupação da área reservada à ACS, e o INCRA decretou a área como pertencente a comunidades quilombolas locais. A ACS teve, então, de ser instalada numa área alugada no terreno do CLA. Houve atrasos no aporte de dinheiro pela Ucrânia e pelo Brasil. As empreiteiras Camargo Corrêa e Odebrecht, que executam as obras em Alcântara, ficaram meses sem receber. Na feira de negócios aeroespaciais Satellite Today, em Washington, D.C., nos EUA, no início de 2012, a ACS esteve presente anunciando seus serviços: “Nossa missão é prestar serviços de lançamento para clientes privados e governamentais a partir de 2013, bem como promover a cooperação tecnológica entre Brasil e Ucrânia. Estamos sediados na cidade de Brasília, capital da República Federativa do Brasil. O Cyclone-4 é uma continuação de uma das famílias de veículos mais confiáveis, o Cyclone: Cyclone-2 (106 lançamentos, 106 bem sucedidos) e Cyclone-3 (122 lançamentos, 116 bem-sucedidos)”.

Foto: Flávio Florido/Folhapress
Agosto de 2003, base de Alcântara, terceiro lançamento
do VLS: explode o foguete, a torre móvel é
destruída e morrem 21 pessoas

Há duas críticas básicas ao projeto da ACS: não se sabe qual é o processo de transferência tecnológica, porque não se acredita que o mero contato entre brasileiros e ucranianos promova esse milagre; e há descrença quanto à viabilidade de participação lucrativa da ACS no mercado de lançadores. “O plano de negócios foi feito há cerca de dez anos e havia a previsão de lançar satélites de reposição do sistema Iridium”, aponta o texto de uma petição pública contra o acordo encabeçada pelo blog Brazilian Space. O projeto está atrasado: o Cyclone 4 deveria ter sido lançado de Alcântara em 2010 e a data, agora, é 2014. É certo também que a ACS não irá colocar em órbita nenhum dos 81 novos satélites da Iridium, que substituirão os 66 aparelhos atuais que formam a maior constelação de satélites do mundo. A Iridium é uma empresa de telefonia fundada pela Motorola nos anos 1990 para fornecer serviços de telefonia móvel de longa distância. Depois de falir devido a seus altos custos de operação, a companhia mudou de dono e se recuperou. Seus satélites estão estacionados a 800 quilômetros da Terra e deverão ser substituídos em 2015.

O Departamento de Estado dos EUA vetou entendimentos entre a Iridium e a ACS, assim como bloqueia o lançamento, a partir do Brasil, de qualquer satélite que contenha componentes americanos, devido ao fato de o Brasil não ter fechado um polêmico acordo de proteção tecnológica. O Acordo de Salvaguardas Brasil-EUA (TSA) foi firmado em 2000 por Fernando Henrique Cardoso, mas foi rejeitado pelo Senado em 2003, por ser considerado abusivo à soberania nacional.

A exemplo dos boicotes que impõem ao desenvolvimento do VLS, os EUA também se posicionaram contra a assimilação de qualquer tecnologia de foguete ucraniana pelo Brasil. Em matéria publicada em janeiro de 2011, o jornal O Globo traz o teor de telegramas trocados entre a embaixada americana no Brasil e o Departamento de Estado dos EUA e divulgados pelo WikiLeaks. “O documento contém uma resposta a um apelo feito pela Embaixada da Ucrânia, no Brasil, para que os EUA reconsiderassem a sua negativa de apoiar a parceria Ucrânia-Brasil, para atividades na base de Alcântara, no Maranhão”, diz o jornal. A resposta americana foi clara: “Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil.”

“Mesmo com as restrições dos EUA, a ACS tentará entrar no mercado de lançamento de satélites. Segundo o relatório da consultoria Euroconsult lançado em novembro de 2012, cerca de 1075 satélites serão construídos e lançados nos próximos 10 anos (2012 - 2021) e a maior demanda virá de governos que encomendarão quase dois terços dos satélites, a maioria deles para uso civil. Países emergentes devem representar um mercado de 110 satélites de diferentes tamanhos e capacidades, a serem desenvolvidos com o apoio de empresas estrangeiras”, diz o relatório. Estaria listado aí o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), que o Brasil vai comprar fora e com o qual também espera absorver alguma tecnologia?

“Os EUA querem salvaguardas; mas um acordo
de proteção da tecnologia deles, feito pelo
governo FHC, foi vetado no Senado brasileiro”

Desde pelo menos o início do ano passado, o governo brasileiro está às voltas com a compra de um satélite geoestacionário de comunicações. O Brasil nunca desenvolveu esse tipo de satélite, aparato sofisticado para funcionar a 36 mil quilômetros da Terra. É nessa distância que o satélite consegue acompanhar o movimento de rotação do planeta, ficando “estacionado” sobre o ponto que pretende cobrir com seus recursos de transmissão de dados. Dá trabalho fazer e também dá trabalho encomendar e comprar. Para essa tarefa, foi constituída a Visiona Tecnologia Espacial, uma empresa que será a prime contractor do negócio. Esse contratante-chefe, digamos, tem um contrato com o proprietário de um projeto, no caso o governo brasileiro, e tem a total responsabilidade por sua condução e conclusão, podendo subcontratar outras empresas para realizar partes específicas do contrato. Nelson Salgado, presidente da Visiona e ex-executivo da Embraer, explica: a Visiona não será fabricante, mas, sim, uma empresa de engenharia e integração; também não será operadora do satélite, tarefa que caberá à Telebrás, do Ministério das Comunicações (Minicom), e ao Ministério da Defesa. Afinal, o SGDC tem como objetivos principais atender ao Sistema de Comunicações Militares por Satélite e levar banda larga ao interior do Brasil pelo Plano Nacional de Banda Larga, do Minicom. O satélite vai servir também a comunicações entre órgãos do governo federal.

Fotos: Abr e Divulgação
Amaral acha que a Ucrânia é uma saída;
para Célio Vaz, a Visiona desburocratiza

Segundo informações divulgadas pela Telebrás durante o Congresso Latino-Americano de Satélites, no último mês de setembro, o primeiro satélite, previsto para ser lançado em 2014, terá vida útil estimada de 15 anos, com centros de operações em áreas militares em Brasília e no Rio de Janeiro. O sistema compreenderá ainda a operação de outros dois satélites, que devem ser lançados a cada cinco anos. Detalhe: o Cyclone 4 não poderá levar nenhum deles à órbita geoestacionária, pois eles pesam cerca de 4 toneladas.

Com autorização do Conselho de Defesa Nacional, o primeiro satélite será comprado sem licitação no mercado internacional, que aguarda a divulgação do texto do Pedido de Propostas para Contratação, ou request for proposal. É nesse texto que estarão especificados todos os detalhes para atender às demandas, definidas num trabalho conjunto entre o Ministério da Defesa e o Minicom, com participação técnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Segundo a revista Teletime, até novembro não havia sido possível fechar o texto da proposta para as contratações. Segundo especialistas ouvidos pela revista, parte das dificuldades para concluí-lo vinha da quantidade de detalhes técnicos a serem especificados, sobretudo para o uso da faixa chamada de Ka, do espectro de ondas eletromagnéticas através do qual se fará o fornecimento da banda larga. “Não há muitos satélites com cobertura de banda Ka no mundo e é preciso especificar a quantidade de feixes que serão usados e como se dará sua cobertura. Uma vez lançado, não é possível fazer alterações significativas na configuração dos feixes”, diz a revista. A Telebrás disse, no início de janeiro, que o texto já estava concluído e que o divulgaria em breve.

O SGDC deve ser o primeiro satélite de comunicações do mundo a usar simultaneamente bandas Ka e X. A banda X é uma faixa de frequência de uso exclusivo militar. Foi adotada pelas Forças Armadas no Brasil e era fornecida pela Embratel, mas a empresa foi privatizada em 1998, vendida à americana MCI World Com. Depois de passar por crises, a empresa está, desde 2011, sob controle da América Móvil, do empresário mexicano Carlos Slim. Com o fim da vida útil dos satélites Brasilsat B1 e B2 em 2007, as telecomunicações militares no Brasil tiveram que depender da disponibilização da banda X pela Star One, subsidiária da Embratel. Hoje, o sistema de telecomunicações militares funciona com o aluguel de serviços especiais de dois satélites da Star One.

Para se ter uma ideia da total dependência do Brasil em relação aos satélites de comunicação, basta ler o texto divulgado pela assessoria de comunicação do MCTI anunciando a ida do ministro Raupp ao lançamento do satélite Star One 3, no último mês de novembro. Esse satélite substituirá o Brasilsat3 nas telecomunicações brasileiras na chamada banda C. “A empresa Star One, da Embratel, é responsável pela administração do satélite. O C3 foi fabricado pela norte-americana Orbital Sciences Corporation e será lançado pela Ariadnespace, da base localizada na cidade de Kourou, na Guiana [Francesa].”

Fotos José Luiz Cavalcanti e Reprodução
Coelho acha que vai dar certo; Moraes
argumenta: programa é o que tem raiz, que fica

Para Coelho, a compra do satélite SGDC vai diminuir a dependência do Brasil, pois o aparelho encomendado pela Visiona pertencerá ao governo brasileiro e será operado pela Telebrás e pelo Ministério da Defesa. Mas e a dependência tecnológica? Na entrevista cedida em Alcântara, o presidente da AEB disse que um dos pontos necessários para fechar a compra com o fabricante do satélite é a empresa se comprometer com a participação da indústria brasileira na fabricação dos próximos aparelhos a serem adquiridos para o sistema. “O compromisso do governo brasileiro é consolidar a indústria aeroespacial. Tenho perguntado aos fabricantes se eles estão dispostos a ajudar nossa base industrial. A maioria tem se mostrado interessada”, disse Coelho. O blog Panorama Espacial colheu um aceno da indústria internacional de que pode colaborar com o Brasil nesse projeto. Em entrevista ao blog, o executivo da TAS –aliança para o setor espacial entre o grupo francês Thales e o conglomerado italiano Finmeccanica –, Christophe Garier, disse que se sua empresa for selecionada haverá treinamentos acadêmicos e em fábrica de técnicos brasileiros, inclusive com transferência de know-how em design de satélites. Outro executivo da empresa, César Kuberek, disse que a transferência se daria com fabricação no Brasil de partes do satélite.

Até agora o INPE e o IAE eram os principais executores do programa espacial brasileiro, atuando como contratantes de indústrias que fabricam parte dos equipamentos. Os representantes da indústria aeroespacial apoiam o novo rumo que implicou na fundação da Visiona e seu papel de contratador-chefe dos projetos. “O modelo atual não funciona. Estamos apoiando a iniciativa de criar esse prime contractor privado, no sentido de que essa mudança vai dar mais oportunidade para a indústria, vai tirar os projetos de dentro do modelo verticalizado que tem hoje, no qual o INPE e o IAE, além de desenvolver pesquisas, têm de administrar contratos, encomendar equipamentos e montar eles mesmos os sistemas completos”, diz Célio da Costa Vaz, dono e fundador da Orbital, uma das cem empresas nacionais que atuam no setor aeroespacial. Para ele, a burocracia e restrições do setor público fizeram com que o modelo fracassasse.

“A indústria não se desenvolveu e vive hoje de contratinhos picados”, diz Costa Vaz, que foi funcionário do INPE durante quase 20 anos e deixou o instituto em 2000, no segundo programa de demissão voluntária que tirou mão de obra do instituto e contribuiu para o desmonte do programa espacial como um todo. “Quando saí, fiz um projeto para desenvolver painéis solares para uso em satélite que foi financiado pela FINEP [Financiadora de Estudos e Projetos]. Vivi quatro anos sendo pago por bolsa de pesquisa e, quando fui qualificado, passei a fornecer os painéis dos satélites CBRES para o INPE”, diz Costa Vaz. Na sala limpa da empresa em São José dos Campos, técnicos trabalham na montagem dos painéis solares do CBERS-4. Vaz relata que o serviço é relativo a contratos que foram assinados em 2010. “Já são dois anos sem o governo convocar uma licitação industrial na área de espaço. Os contratos que estamos executando hoje são de 2009 e 2010. Em 2011 e 2012, nenhum contrato foi firmado conosco e com nenhuma outra indústria. E isso quebra qualquer empresa.”

Para Costa Vaz, com a criação da Visiona, a política de contratação vai mudar, com encomendas de sistemas completos. “Para o primeiro satélite não podemos fazer nada, porque tudo que vai para o espaço tem um processo puxado de qualificação. Nesse setor, esse é o grande muro que você tem que pular. Mas, para o segundo satélite, as empresas vão ter tempo para se qualificar dentro das especialidades de cada uma.”

Enquanto isso, os céticos sobre a transferência tecnológica ponderam: “Você acha que vamos comprar dois satélites com a condição de que as empresas passem tecnologia, para depois nós mesmos fazermos os próximos aparelhos e deixarmos de ser clientes?”, diz Paulo Moraes, que considera que a compra de um satélite, mesmo que inclua algum nível de cooperação, não pode ser considerada parte do programa espacial brasileiro. “Há muito tempo a Embratel estatal comprou dois satélites geoestacionários e pagou para colocá-los em órbita. Fez isso sem alarde, sem desculpas. Ok., vamos comprar de novo um satélite, vamos pagar para colocá-lo lá em cima... Mas não vamos dizer que isso é parte de um programa espacial e nem que os voos comerciais de um foguete ucraniano lançado do Brasil são a base do programa espacial. Isso são atividades, serviços, negócios. Programa é aquilo que tem raiz, que fica. É você desenvolver algo de que é proprietário; é o País formar pessoal e manter esse pessoal na área”, diz.


Fonte: Revista “Retrato do Brasil” - Edição nº 62 - págs. 08, 09, 10, 11, 12, 13 14, 15 - Fev. 2013

Comentário: Bom leitor, apesar de a matéria ser longa, ela descreve com propriedade a situação atual do Programa Espacial e da falta de governabilidade e de compromisso desse governo desastroso. Fugir disso é tentar tapar o sol com a peneira e defender simpatias políticas. Estamos aqui para defender o programa espacial e o Brasil, e não ITAMAs, COLLORs, CARDOSOs, LULAs e ROUSSEFFs da vida, esses passam, e a depender de suas atitudes, como as da atual presidente, podem prejudicar profundamente o futuro de nosso país. O Programa Espacial Brasileiro precisa de ajuda e de compromisso, e não é com um orçamento de pouco mais R$180,00 milhões (2013) e de decisões estapafúrdias como o apoio a essa empresa ACS, que faremos a coisa acontecer. Governos populistas como o da presidente DILMA ROUSSEFF só estão interessados em projetos que deem retorno político e ajudem na manutenção do mesmo no poder. Tudo gira em torno da luta pelo poder. É por conta disso que o seu governo colocou R$ 800 milhões no estádio do Mineirão e 350 milhões na minha querida Fonte Nova, entre tantos outros exemplos que são diariamente citados aqui pelo leitor Marcos Ricardo. Projetos que geram votos sempre serão prioridades para pessoas como a presidente CHUCKY, independente de partidos, pois no Brasil o que existem são legendas e não verdadeiros partidos, que são utilizadas habilmente por esses energúmenos para chegarem ao poder e se beneficiarem durante décadas, motivados que são pela ignorância política de um povo que em sua maioria só está preocupado com o seu próprio nariz, carnaval, bebida e futebol, não tendo a mínima ideia do que significa cidadania e muito menos programa espacial. Entretanto, lamento que a autora da matéria não tenha citado a alta toxicidade desse desastroso foguete Cyclone-4, e gostaria de dizer ao Sr. Célio Vaz da ORBITAL ENGENHARIA que eu concordo em parte com o que o mesmo diz quanto à criação da VISIONA. Realmente a criação da VISIONA ‘pode ajudar’, mas não significa necessariamente que a política de contratação vai mudar também. Inclusive Sr. Célio Vaz, não havia nada de errado com o modelo anterior (fora a burocracia incompatível com a área) e funcionou muito bem nos EUA por muitos anos. No Brasil não funcionou porque o governo nunca teve o compromisso de fazê-lo funcionar (volto a insistir, independentemente de legenda, é tudo farinha do mesmo saco) e mesmo que venha desburocratizar, o que eu não acredito, a sua mudança não é garantia nenhuma de que agora a atitude governamental irá mudar, principalmente tendo no poder uma pessoa como a presidente DILMA ROUSSEFF. A Dr. Helena Nader que o diga, rsrsrs.

Comentários

  1. O dinossauro, Roberto Amaral, defende quase sozinho as "benesses" da companhia Alcantara Cyclone Space, e ainda insiste dizendo que é a unica maneira do Brasil avançar... ou seja dando grandes saltos tecnológicos sem perceber o processo (e isso tudo sem a transferência de tecnologia garantida). Quem salvou foi Paulo Moraes que clarificou que toda essa tecnologia obtida de fora não será garantia de independencia nacional.

    Mais uma vez, o resumo disso tudo é a falta de vontade política e a falta de investimentos. Sem dinheiro não se contrata profissionais qualificados, não se avança nos projetos propostos, e não se ganha autonomia. O governo só deu 1/4 do necessário para o desenvolvimento dos foguetes de lançamento nacionais.

    Este computador no qual escrevo, os telefones móveis, a internet, e até os reles eletrodomésticos têm com certeza tecnologias criadas pelos dedos de técnicos de engenharia aeroespacial, se não na sua criação, no seu aprimoramento. A Europa, mesmo com a crise, praticamente manteve seu orçamento espacial, visto a área ser de importancia estratégica. Mas temos que reconhecer que não é somente na área espacial que isto acontece, mas na maior parte das áreas científicas do país. E o pais ainda quer avançar?

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  2. Triste cenário para o País e para futuros profissionais que assim como eu objetivam fazer carreira no PEB.

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  3. Olá , duas Noticias sobre o PEB.

    1º http://noticias.terra.com.br/brasil/base-de-alcantara-ainda-nao-foi-reconstruida-apos-tragedia,84d88c2804fcc310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html
    2º http://noticias.terra.com.br/brasil/brasil-quer-lancar-satelite-com-foguete-nacional-ate-2021,4bc88c2804fcc310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html


    Abraços

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  4. Nao tenha duvida amigo duda, existe um compromisso dos governos do brasil para com os americanos de o brasil nao passar da linha vermelha!
    A questao para o brasil nao e verba,nem tecnologia!
    E submissao!

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  5. Também tem o editorial da revista:


    http://www.oretratodobrasil.com.br/revista/RB_67/pdf/RB67_parcial.pdf

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    1. Olá Anônimo!

      O Editorial eu postei no blog dias atrás.

      Abs

      Duda Falcão
      (Blog Brazilian Space)

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  6. Dignas de elogios são as palavras do Paulo Moraes nesta matéria.

    Concordo plenamente: Programas como os satélites geo estacionários ou o Cyclone não podem ser considerados parte do programa espacial. São negócios associados, mas não podem disputar recursos com programas nativos, não faz sentido.

    Vou me atrever acrescentar algumas palavras sobre oprograma de satélites geoestacionários.

    Pouca gente sabe, mas os BRASILSAT espaçonaves B1 e B2 da então estatal Embratel, lançados em 1994 e 1995 foram testados pelo INPE no LIT como parte de um processo de “transferência de tecnologia”. Isto já faz quase 20 anos e a suposta “transferência de tecnologia” praticamente nem um fruto rendeu, porque a natureza de um programa de aquisição deste tipo é totalmente diferente da natureza de P&D espacial que o Brasil faz.

    O que também pouca gente sabe é que hoje o país com a melhor tecnologia para satélites geo estacionários na América do Sul chama-se Argentina.

    Não que los hermanos tenham uma tecnologia notável, tão pouco consigam construir sozinhos um satélite deste tipo, porem os argentinos conseguiram equacionar duas coisas melhor que os brasileiros.

    A primeira é que o programa argentino é um pouco mais focado que o brasileiro, eles fazem menos coisas e por ultimo eles equacionaram a questão instituto de pesquisa versus industria um pouco mais facilmente, com a INVAP realizando lá uma coisa que falta por estas bandas que é um braço industrial para “produzitar” a engenharia de primeira linha gerada nos institutos de pesquisa.

    Não quero advogar que o programa espacial argentino é bom, tão pouco que esteja mais avançado que o Brasileiro, ambos sofrem dos mesmos problemas do fundo que são inerentes a política na América latina, porem em função da penúria econômica daquele país até que os resultados deles poderiam ser piores do que os atuais.

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  7. Gostaria de expressar algumas opiniões sobre o programa de satélites geoestacionários brasileiros. Ele sofre de dois maus tipicamente nacionais.

    O primeiro é que tudo no Brasil tem que ter uma função “social”. O programa acaba sendo justificado como necessário para levar banda larga a lugares carentes, suportar canais de televisão educativos e toda sorte de boas causas nacionais. Nada contra estas boas ações, mas existem no Brasil mais de 40 satélites licenciados, operados por empresas nacionais e estrangeiras com níveis de serviço e qualidade técnica adequada a estas demandas.

    A segunda síndrome de Brasil é que se assina um contrato de centenas de bilhões de dólares com uma empresa européia ou americana e depois não se consegue 10% deste valor para uma empresa média brasileira que possa realmente produzir tecnologia nativa.

    O satélite tem que ser para aplicações militares e de segurança nacional. Telecomunicações militares e civis são diferentes. e vou tentar explicar porque.

    O HS 376, (Plataforma dos primeiros Brasilsat da Embratel), uma espaçonave de cerca de 700Kg por 900W de potencia elétrica disponível a bordo. Hoje temos uma espaçonave de cerca de 6000 kg por 16.000 W de potencia elétrica. Em 25 anos a massa de um satélite cresceu quase 9 vezes e a potencia elétrica quase 18 vezes.

    As posições orbitais estão cada vez mais escassas. As boas posições orbitais hoje só estão disponíveis para substituição de satélites operacionais, jamais para novos satélites. Isto força as operadoras a aproveitarem o máximo daquela posição e isto implica em satélites com maior capacidade de transmissão.

    Porem este satélite “gigante” costuma fornecer sinais de TV por assinatura por exemplo a hardwares receptores que não chegam a custar US$ 150. Embora a segurança da informação seja necessária são folclóricos os “gatos” de TV por assinatura encontrados por ai.

    Se fossemos resumir uma aplicação comercial de satélites ela seria assim:

    Satélites de altíssima potencia e capacidade de transmissão que maximizem a rentabilidade da posição orbital e mantenham os hardwares de transmissão e recepção terrestres a custos aceitáveis para formar um maior número de usuários.

    Já comunicações militares não precisam a priori de tanta banda disponível. Hoje no Brasil elas estão baseadas em cima de dois transponders. Logo um satélite de 5000Kg é questionável para aplicações eminentemente militares.

    Porem os gargalos de comunicações militares são outros.

    A FAB, MB e EB possuem centenas de pontos onde precisam se capacidade de transmissão e recepção e estes pontos do segmento terrestre, especialmente em banda X custam caros, eles não são receptores SKY manufaturados na Ásia.

    As forças armadas também precisam de módulos moveis, aviões, navios, veículos de comando, veículos aéreos não tripulados são estações moveis que requerem hardware altamente especializado.

    No campo do software não é diferente. Sistema de criptografia, interface com usuário, comando e controle, distribuição de dados de inteligência são altamente críticos.
    Daí concluímos que;

    Sistemas comerciais: Se transmite enorme quantidades de informações com custos de hardware e software minimizados.

    Sistemas militares: Se transmite menos informação com elevada especialização do segmento terrestre.

    O programa SGB no meu entender deveria ter seu foco mudado do satélite para o segmento terrestre. Nada de um satélite de grande porte, como é o desejo dos fornecedores (e de alguns do governo) para um satélite de menor porte (mais barato portanto) que realize apenas comunicação estratégica, demanda sociais seriam problema de operadoras privadas contratadas pelo governo com recursos sociais.

    Com um satélite mais barato e especializado o país deveria investir na produção local das estações terrestres e softwares associados, estes sim o segredo do processo e que daria ao Brasil alguma autonomia estratégica.

    Em resumo é isto.

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    1. Nessas hipoteses que você apresentou, você acha que em 2 anos ambos os satélites sugeridos por você seriam concluídos, seguindo essa linha? E você pensa do prazo estipulado pelo governo para lançar o SGDC (até 2014) é viável?

      Pelo que percebo, Dilma pouco que saber se o serviço trará beneficios tecnológicos para o país, ela não quer é garantir vexame durante a Copa e as Olimpiadas e daí perder vantagem política. O resto (do processo) seriam protocolo e questiúnculas técnicas.

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  8. Olá Israel,

    Pode até sair em dois anos, se for colocada toda a energia política (e por conseqüência prioridade orçamentária). Eu duvido que este prazo seja real. Em se tratando de Brasil uma coisa é o que diz o governo outra coisa é o que acontece na pratica.

    Veja o lançamento de satélites. Quando houve a tragédia de Alcântara (2003) se falava em uma nova tentativa de lançamento do VLS até o final do primeiro mandato de Lula (2006), depois se falava no primeiro Cyclone-4 lançado em (2010), e agora o prazo para um foguete brasileiro lançando um satélite brasileiro é (2021), quase um quarto de século deste que o primeiro VLS foi lançado (1997). Chega a ser ridículo se não fosse trágico.

    Voltando aos satélites. Eu particularmente vejo estes satélites da forma como estão um verdadeiro filé mignon para fornecedores estrangeiros que vão brigar por um contrato com o governo (onde por motivos mágicos) os preços de venda costumam ser maiores, para vender um hardware que no meu entendimento deveria ser diferente, satélites menores com menos capacidade de transmissão porem com projeto otimizado para resistência a interferência e interceptação de comunicações.

    Os EUA, mesmo com orçamentos muito generosos têm uma estratégia parecida. Eles dividem as telecomunicações militares em dois níveis distintos. As comunicações de altíssima sensibilidade são focadas na constelação WGS, que é uma verdadeira jóia da coroa quando a capacidade de resistência a interferência e técnicas de múltiplo acesso. Muitas de suas tecnologias são classificadas, mas sabe-se que eles possuem capacidade de comutação a bordo, canceladores de interferência, espalhamento espectral, antenas phase array entre outras técnicas de proteção de informações que não estão disponíveis em satélites de aplicações comerciais.

    Porem estas capacidades da rede WGS não estão em quantidade suficiente das demandas americanas, então parte do trafego de dados que não seja sensivel é operado em satélites “comuns” da INTELSAT.

    No meu entendimento deveríamos ter premissas parecidas. Satélites de menor capacidade e maior resistência a interferência e interceptação, onde a industria nacional poderia atuar na produção do segmento terrestre e comunicações não criticas (plano nacional de banda larga por exemplo) nas mãos de operadoras.

    Em tempos de guerra teríamos capacidade de manutenção da rede, coisa que com tecnologia comercial, como a proposta para este programa seria mais difícil, já que satélites comerciais são relativamente fáceis de se jammear.

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  9. João Dallamuta, o que resultaria em termos de pay load um VLM-1 com quatro booster laterais S50 no primeiro estágio?

    E um Cyclone 4 com 6 S50 ou até mesmo um foguete com primeiro e segundo estágios com 4 motores L75 cada e boosters S50 no primeiro?

    Emerson.

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  10. Ola Emerson, vou ficar devendo estas "contas", teria que fazer uma simulação simplificada e me levaria um tempo que agora infelizmente não tenho.

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  11. O Contrato da PMM/AEB é de 2001. Isto vai completar 12 anos!
    Não seria motivo suficiente para uma auditoria séria, técnica e responsável? O que entrou de dinheiro e o que saiu disto? Quem autorizou, quem fiscalizou, os envolvidos? 12 anos! Há explicação para tanto tempo e poucos resultados? Sim, claro que há! Está tudo bem aos olhos. Só não vê quem não quer, certo?

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  12. A maioria das opiniões dos envolvidos nas atividades espaciais é positiva, elogiando isto ou aquilo. Escreve-se o que se quer sem nenhuma comprovação, critério de avaliação. São afirmações do tipo "o mais bem sucedido programa de cooperação", "projeto brasileiro", "clube seleto de domínio das atividades espaciais", etc... Mas quem realmente verifica tais informações? Onde está a avaliação criteriosa e independente? Os resultados são verificáveis? Fala-se tanto, mas o que realmente o Brasil consegue fazer sozinho, o quê tem se feito e o quê se gasta, quais eram as metas e o quê se alcançou? Onde está o debate?

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  13. O artigo acima é crítico, não é daqueles que só vê flores! Se avaliarmos friamente, nosso programa espacial é um fracasso, cumpriu muito menos do que prometia! Os nossos gestores são no mínimo incompetentes, para não dizer coisas piores! No programa CBERS não conseguimos, depois de 20 anos, fazer sozinhos o satélite, que é de geração ultrapassada. Na PMM, 10 anos se passou e não temos algo que pare realmente em pé! O VLS não deve servir para nada, se algum dia sair. E o conhecimento, que por acaso foi adquirido, será perdido se não houver renovação de pessoal e continuidade de atividades. Transferência de tecnologia não existe de graça! E quando existe já é ultrapassada.

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