As Polêmicas Sobre o Acordo Entre Brasil e EUA Para Uso do Centro Espacial de Alcântara
Olá leitor!
Segue abaixo mais matéria postada ontem (20/03) no site
“BBC News Brasil” tendo como destaque a assinatura pelo Brasil do Acordo de Salvaguardas
Tecnológicas (AST) com os EUA. Vale a pena conferir.
Duda Falcão
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
As Polêmicas Sobre o Acordo Entre Brasil e
EUA Para Uso
do Centro Espacial de Alcântara
Por João Fellet
BBC News Brasil em São Paulo
20 março 2019
Foto: Ministério da Defesa
Localização de Alcântara, próxima à linha do Equador, permite
economia de 30% no combustível usado para lançar foguetes.
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Um dos principais resultados da visita do
presidente Jair
Bolsonaro aos Estados Unidos nesta semana, o acordo que prevê o uso
pelos EUA do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, divide
especialistas e gera temores em comunidades da região.
O governo Bolsonaro afirma que o acordo - cujo conteúdo
ainda não foi divulgado - estimulará o desenvolvimento do Programa Espacial
Brasileiro e poderá gerar investimentos de até R$ 1,5 bilhão na economia
nacional.
Críticos do pacto apontam, porém, possíveis entraves à
transferência de tecnologias para o Brasil, riscos à soberania nacional e
efeitos nocivos para moradores de Alcântara, entre os quais remoções de
comunidades quilombolas.
Município com 22 mil habitantes a cerca de 100 km de São
Luís, Alcântara fica numa península com localização privilegiada para o
lançamento de foguetes e satélites. Próximo à linha do Equador, o centro -
inaugurado pela Força Aérea Brasileira (FAB) em 1983 - possibilita uma economia
de até 30% no combustível usado nos lançamentos.
No entanto, como o setor é pouco desenvolvido no Brasil e
tentativas anteriores de parcerias não prosperaram, a instalação jamais foi
utilizada para lançamentos de satélites.
Foto: Acervo Pessoal
Erica Resende, professora adjunta da Escola Superior
de Guerra, diz que Alcântara tem condições de rivalizar
com o principal centro de lançamentos da Agência Espacial Europeia.
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Proteção de Patentes
Em nota, o Ministério de Ciência e Tecnologia afirma que
o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado por Bolsonaro e pelo presidente
americano, Donald Trump, permitirá aos EUA e outras nações lançarem satélites a
partir de Alcântara.
Segundo o órgão, acordos semelhantes são adotados por
países como China, Rússia e Índia, e buscam "a proteção de patentes e
tecnologias".
O ministério diz que o acordo também prevê o
desenvolvimento de satélites com participação do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA),
entre outras entidades ligadas ao órgão. Não foram divulgados detalhes de como
será essa participação e se os órgãos brasileiros terão acesso a tecnologias americanas.
Para vigorar, o acordo terá de ser aprovado pelo
Congresso brasileiro.
Acordo Brasil-EUA nos Anos FHC
Em 2000, o governo Fernando Henrique Cardoso negociou uma
parceria sobre Alcântara com os EUA, mas o pacto foi rejeitado por
parlamentares brasileiros. Na época, políticos contrários à parceria
argumentaram que o documento feria a soberania nacional.
Um dos pontos polêmicos do acordo tratava da entrada dos
componentes americanos no Brasil. O texto definia que os itens poderiam
ingressar em contêineres lacrados, sem qualquer inspeção. Outro ponto proibia o
uso de recursos gerados pelo centro de Alcântara no desenvolvimento de foguetes
lançadores brasileiros.
Segundo o embaixador brasileiro nos EUA, Sérgio Amaral,
as críticas que levaram à rejeição do acordo em 2000 foram solucinadas no novo
pacto. Mas as mudanças também não foram detalhadas.
A negociação entre os dois países foi retomada no governo
de Michel Temer. Em 2017, o Brasil enviou uma sugestão de texto para os EUA,
que responderam em 2018.
Salvaguardas Tecnológicas
Para Erica Resende, professora adjunta de Relações
Internacionais da Escola Superior de Guerra, Alcântara tem o potencial de
rivalizar com o Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, principal base
de lançamentos da Agência Espacial Europeia.
Ela diz, no entanto, que o acordo com os EUA apresenta
pontos problemáticos. Um deles é a adoção de salvaguardas (proteções)
tecnológicas - o que, segundo ela, impedirá a transferência de tecnologias para
o Brasil.
Foto: FAB
Centro de Lançamento de Alcântara foi inaugurado
em 1983,
mas jamais foi plenamente utilizado.
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Resende diz que, na prática, o Brasil alugará o centro
para os Estados Unidos, que decidirão quais países poderão usá-lo e quem terá
acesso às tecnologias. É improvável, segundo ela, que os EUA autorizem o uso do
centro para lançamentos da China, país que tem investido muito no setor
aeroespacial e poderia se interessar em utilizar Alcântara.
"A base tem um custo de manutenção muito alto, e o
ônus será do Brasil. Não está claro qual será o ganho econômico do acordo com
os EUA", diz Resende.
Parceria Com Ucrânia
Em 2004, após a rejeição do acordo fechado por FHC, o
então presidente Luiz Inácio Lula da Silva negociou uma parceria com a Ucrânia
para explorar o centro. O país da Europa Oriental herdou tecnologias espaciais
dos tempos em que integrava a União Soviética. A parceria foi anulada em 2015
em meio a críticas aos altos custos e poucos resultados da iniciativa.
Antes da parceria com a Ucrânia, o Brasil passou anos
tentando desenvolver um foguete Veículo de Lançamento de Satélites (VLS). Houve
três tentativas frustradas de lançá-lo de Alcântara - na última delas, em 2003,
o foguete explodiu em solo, causando 21 mortes.
Desde então, o governo decidiu focar o desenvolvimento do
Veículo Lançador de Microsatélite (VLM). Mais baratos, os satélites menores têm
ganhado mercado na produção de imagens de vigilância, navegação por GPS e
comunicação por internet.
Segundo Resende, diferentemente do acordo firmado com os
EUA, a parceria com a Ucrânia previa a transferência de tecnologias para o
Brasil.
Documentos diplomáticos divulgados pelo WikiLeaks revelam
que os EUA viam com preocupação a parceria entre Brasil e Ucrânia.
Em 2009, o Departamento de Estado americano expressou à
Embaixada dos EUA em Brasília a posição do órgão diante do pedido da Ucrânia
para que os americanos reconsiderassem sua recusa em apoiar a parceria de
Alcântara.
"Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os
EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em
Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de
tecnologias de foguetes ao Brasil", dizia a mensagem do Departamento de
Estado.
Para Resende, o documento levanta dúvidas sobre a
disposição dos EUA em colaborar com o Brasil no desenvolvimento do setor.
"É estranho que, passados dez anos, os americanos tenham mudado tanto que
agora venham com uma retórica de cooperação", ela diz.
Foto: Ciência e Tecnologia
O chanceler Ernesto Araújo (esq.) assina o acordo de
Salvaguardas Tecnológicas ao lado do ministro Marcos Pontes.
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Extraterritorialidade
Outro ponto questionável do acordo, segundo a professora,
é a restrição de acesso a partes da base, que estaria prevista numa cláusula de
extraterritorialidade. Segundo Resende, os americanos argumentam que a medida
busca minimizar os riscos de espionagem tecnológica.
Mas ela diz que a cláusula criaria um espaço no qual o
Estado brasileiro não teria soberania, cenário que sempre foi rejeitado por
autoridades nacionais.
Resende afirma que após o 11 de Setembro, por exemplo, o
Brasil não cedeu às pressões dos EUA para criar espaços extraterritoriais em
portos brasileiros onde americanos pudessem vistoriar as cargas que seriam
exportadas para o país.
O Brasil também sempre se opôs à instalação de bases
americanas em países vizinhos, diz ela.
Segundo Resende, as bases costumam provocar impactos
indesejáveis onde são instaladas, como aumento no consumo de álcool, violência
e prostituição.
Ela afirma que em países que abrigam bases dos EUA, como
as Filipinas e o Japão, muitos militares americanos que praticam atos ilícitos
escapam de punições por causa da cláusula de extraterritorialidade - o que gera
revolta entre moradores locais.
No caso de Alcântara, diz Resende, o centro agregará mais
civis do que militares, mas ainda assim a presença estrangeira deve provocar
impactos.
Elogios ao Acordo
Em entrevista à BBC News Brasil na terça-feira, o
embaixador aposentado Roberto Abdenur - que chefiou a Embaixada do Brasil nos
EUA entre 2004 e 2006 - elogiou o acordo com os EUA e criticou a parceria com a
Ucrânia.
"O entendimento com a Ucrânia era precário, a
Ucrânia não teria condições plenas de cumprir com tudo que seria necessário.
Perdeu-se tempo, perdeu-se dinheiro e não se conseguiu nada."
Segundo ele, como os EUA detêm 80% do mercado global de
componentes de satélites, é difícil explorar o setor sem o aval do país.
"Eu realmente acho muito positivo esse acordo porque
vai se viabilizar pela primeira vez, ainda que com muito atraso, a base de
Alcântara. Como disse o ministro de Ciência e Tecnologia (Marcos Pontes), com
esse entendimento com os EUA será fácil seguirmos com entendimento com outros
países. Não queremos que apenas os Estados Unidos usem a base", disse
Abdenur.
O embaixador afirmou ainda que, segundo pessoas que
conduziram as negociações, foram resolvidos "os problemas de prejuízo à
nossa soberania que existiam na primeira versão do acordo, do ano 2000".
Quilombolas de Alcântara
O acordo com os EUA também gera críticas e temores entre
moradores de Alcântara.
Lideranças locais dizem que no município há mais de 200
comunidades quilombolas, agrupadas em três territórios. As áreas ainda não
tiveram os processos de titulação finalizados.
O centro de lançamentos fica dentro de um dos territórios
pleiteados, que ocupa uma área equivalente a 78 mil campos de futebol - e
abriga 108 comunidades.
Dessas, mais de 40 teriam de ser despejadas caso a
ampliação do centro estudada desde os anos 2000 seja levada a cabo, diz à BBC
News Brasil Servulo Borges, militante do movimento quilombola de Alcântara. Ele
diz acreditar que o acordo com os EUA acelerará os planos de ampliação.
Foto: CONAQ
Alcântara é o município brasileiro com maior númer de comunidades quilombolas, segundo lideranças locais. |
Convenção 169 da OIT
Borges afirma ainda que os moradores não foram
consultados sobre o acordo com os EUA - o que, segundo ele, fere a Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e
Tribais.
Ratificada pelo Brasil em 2002, a convenção determina que
esses grupos devem ser consultados sobre medidas governamentais que tenham
impacto sobre eles.
O documento também postula que "os povos
interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que
diz respeito ao processo de desenvolvimento na medida em que ele afete as suas
vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que
ocupam ou utilizam de alguma forma".
Em 2007, ao analisar uma disputa envolvendo o próprio
centro de Alcântara, a Justiça Federal reconheceu a aplicação da Convenção 169
para comunidades quilombolas.
Na ocasião, o juiz José Carlos do Vale Madeira, da 5ª
Vara Federal do Maranhão, determinou que a direção do centro não poderia
impedir que 47 quilombolas fizessem roças em áreas de onde foram expulsos para
a instação do centro.
A BBC News Brasil questionou a Presidência da República,
o Ministério da Ciência e Tecnologia e a Força Aérea Brasileira sobre possíveis
impactos do acordo para quilombolas de Alcântara, mas não recebeu respostas até
a publicação desta reportagem.
Expulsão de Famílias
O conflito na região remonta à década de 1980, quando uma
área onde viviam 312 famílias foi desapropriada para a construção da base. As
famílias foram realojadas para sete "agrovilas" concebidas por
militares.
Segundo Borges, a transferência "descaracterizou o
modo de organização social" das comunidades, impondo-lhes condições
"completamente diferentes da vida no quilombo" e semelhantes às de
assentamentos de reforma agrária.
O quilombola Nonato Masson, advogado do Centro de Cultura
Negra do Maranhão, diz que os quilombos de Alcântara viveram sem interferências
externas de 1700 até o fim da década de 1970, quando o governo se moveu para
construir o centro de lançamentos.
Ele diz que, além da consulta sobre o uso do centro e a
conclusão da titulação dos terriórios, as comunidades exigem ser indenizadas
pelos impactos do desalojamento nos anos 1980 - que, segundo ele, representou
"a destruição de uma experiência positiva da diáspora africana num
processo extremamente violento".
Fonte: Site do BBC News Brasil - http://www.bbc.com/portuguese
Comentário: Só um detalhe, o Acordo com a Ucrânia que gerou a mal engenhada empresa bi-nacional Alcântara Cyclone Space em momento algum previa a transferência de tecnologias, nem sequer de um simples parafuso como dito pela professora Erica Resende, inclusive esse era na época um dos pontos negativos do Acordo defendido pela Comunidade Espacial, apesar do mesmo ser apenas um acordo comercial de uso da base de Alcântara muito mal engenhado desde o seu início e motivado por questões politicas de interesse da esquerdopatia petista.
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