A Governança Espacial na Terra Hoje
Olá leitor!
Segue abaixo mais um artigo do Sr. José Monserrat Filho
publicado ontem (10/01) no site da Agência Espacial Brasileira (AEB) destacando a Governança Espacial na terra hoje.
Duda Falcão
A Governança Espacial na Terra Hoje
“A paz e o desenvolvimento
cada vez mais terão que
ser globais ou simplesmente
não serão.” Celso Amorim¹
José Monserrat Filho *
10/01/2013
O mundo está globalizado como nunca, liderado por alguma
grandes potências, que tratam de tirar disso o máximo proveito. Mas ainda não
há um governo global, situado acima dos Estados, para resolver os problemas que
afetam a todos ou a um grande número de países e povos. Quem se ocupa dessas
tarefas são as organizações internacionais, constituídas pelos países e deles
dependentes. Por isso, não se fala em governo mundial, mas em governança das
áreas e assuntos mundiais de interesse comum de muitos países, se não de todos
eles.
É uma gestão coordenada, onde, claro, as potências mais
fortes econômica, política, militar, científica e tecnologicamente exercem
maior influência e até certo controle.
O espaço exterior e as atividades espaciais, que hoje
afetam e interessam a todos os países, merecem e exigem uma governança cada vez
mais firme, acurada e competente.
Quando o Sputnik I, primeiro satélite artificial da
Terra, foi lançado pela ex-União Soviética, em 4 de outubro de 1957, uma das
questões mais comuns à época, sobretudo entre governantes, diplomatas e
juristas era definir a quem pertencia aquele espaço por onde voava o estranho
objeto. Como nenhum país protestou contra a passagem do Sputnik I, deu-se como
certo que ele não invadia o espaço aéreo de nenhum país. Logo, era outro
espaço, o espaço exterior, como diziam os norte-americanos, ou espaço cósmico,
como afirmavam os soviéticos.
Em nossos dias, não há mais dúvida: o espaço exterior é
um bem comum da humanidade. Ou “res communis omnium”,
coisa comum a todos, como rezava o Direito Romano. Algo que todos podem usar
livremente. Mas o espaço exterior não está só nesta condição.
O alto mar e as zonas marítimas situadas fora da
jurisdição dos países também são um bem comum, segundo a Convenção das Nações
Unidas sobre Direito do Mar, de 1982.² Qualquer
tentativa de estabelecer e exercer soberania sobre o alto mar por parte de um
país é ato ilícito, ilegítimo, fora da lei. Essa é a base da governança dos
oceanos hoje.
Nem sempre foi assim. Para os fenícios e depois os
romanos, o Mediterrâneo lhes pertencia, era “mare nostrum”,
nosso mar. Mais tarde, a ideia do “mare clausum”,
mar fechado, privado, foi defendida pelas grandes potências navais. Portugal,
Espanha, Inglaterra, repúblicas marítimas da península itálica e países
escandinavos, que dividiam, ainda que de modo instável, soberania e/ou simples
domínio sobre as rotas marítimas de comércio e, por conseguinte, de mares.
Mas a ideia da liberdade dos mares não tardou a surgir.
No século XVII, a Holanda (Países Baixos), potência marítima emergente, ergueu
essa bandeira, para ter seu lugar ao sol. Hugo Grócio (1583-1645), jurista e
filósofo holandês ¨C autor da notável obra “As leis da Guerra e da Paz” (1625)
¨C decidiu ajudar seu país a romper com o monopólio comercial das grandes
potências de então, Espanha e Portugal. Precursor do Direito Internacional, ao
lado de Francisco Vitória, Grócio publicou, anonimamente, em 1606, “Mare Liberum” (Mar Livre), parecer
em defesa da liberdade dos mares. Ele via nesta liberdade uma necessidade
essencial para a comunicação entre os povos e os países. Daí que, a seu ver,
país algum tinha o direito de monopolizar o controle dos mares.
Nascia o princípio do pleno e indiscriminado acesso aos
mares, que se tornou norma absolutamente comum e corrente no mundo. Mas, no
início do século XIX, a Inglaterra, ao derrotar Napoleão Bonaparte, começou um
período de total domínio dos mares. Já não era, porém, um domínio territorial.
Era militar e comercial. Para compensar a liberdade dos mares, os países foram
estabelecendo sua soberania no chamado “mar territorial”, que agora inclue a
zona contígua, a zona econômica exclusiva, a plataforma continental. O alto mar
¨C o território marítimo de interesse comum ¨C ficou menor. Mas a governança
dos mares é de suma relevância, em especial pelas recursos pesqueiros e pelas
riquezas do seu solo e subsolo que envolve. Não por acaso, além da Convenção de
1982, ela dispõe de um competente tribunal internacional, ligado às Nações
Unidas, inaugurado em 1996, com sede em Hamburgo, na Alemanha. Entre seus 21
juízes, há um brasileiro, Vicente Marotta Rangel, ex-professor da USP.
A governança do espaço exterior e das atividades
espaciais também se desenvolveu nos quadros das Nações Unidas. EUA e URSS, os
pioneiros na área, poderiam ter decidido a questão por acordo bilateral, pois
eram, à época, as duas maiores potências do mundo e as únicas que realizavam
atividades espaciais. Um arranjo bilateral fechado entre os dois países mais
empenhados na corrida armamentista, que acumulavam arsenais de armas de
destruição em massa cada vez mais letais, repercutiria muito mal junto à
opinião pública mundial. Pesou, e muito, a necessidade de acalmar o mundo com a
promessa de um espaço voltado a propósitos exclusivamente pacíficos, livre do
então crescente perigo nuclear.
Antes do Sputnik I, houve quem pensasse em se adonar do
espaço, pois “quem dominasse o espaço dominaria a Terra”. Afinal, o primeiro
uso prático pensado para o espaço foi militar, visão que continua existindo. A
primeira atividade espacial mobilizou o V2, o foguete-bomba mortífero criado
pela Alemanha nazista já no final da 2ª Guerra Mundial e lançado contra Londres
e outras cidades do Reino Unido, causando grande número de baixas, sobretudo
entre a população civil. Hoje, pensa-se em instalar armas no espaço, o que o
transformaria em mais um “teatro de guerra” ou “campo de batalha”, como já são
há muito tempo a Terra, os mares e o espaço aéreo.
O COPUOS foi o passo inicial. Em 1958, apenas um ano após o
voo inaugural do Sputnik I, a Assembleia Geral das Nações Unidas criou o Comitê
para o Uso Pacífico do Espaço Exterior, conhecido pela sigla em inglês COPUOS,
o primeiro órgão internacional incumbido de promover a governança do espaço e
das atividades espaciais. No início, esse comitê tinha 24 países membros. Hoje
tem 71, o que demonstra como aumentou o interesse pelo assunto. O COPUOS
começou a funcionar, de fato, em 1961, com dois Subcomitês, o Jurídico e o
Científico-Técnico, Para tanto, teve que resolver sérios problemas de
composição e adotar a regra da votação por consenso de todos os temas
substanciais, para garantir a igualdade de direitos e deveres entre EUA, URSS e
seus respectivos aliados. A partir de então, em “velocidade cósmica”, precisou
apenas de 18 anos (1961-1979, para lançar as bases do Direito Espacial,
aprovando os cinco tratados ainda hoje em vigor: o Tratado do Espaço, de 1967,
o código maior do setor; o Acordo de Salvamento de Astronautas, de 1968, a
Convenção de Responsabilidade por Danos causados por Objetos Espaciais, de
1972; o Acordo de Registro de Objetos lançados ao Espaço, de 1976; e o Acordo
da Lua, de 1979.³
Hoje, há muitos outros acordos ligados às atividades
espaciais, mas os citrados seguem sendo os básicos. Eles precisariam ser devidamente
atualizados. Também seria necessário criar novos acordos sobre áreas cruciais
hoje não reguladas ou subreguladas, como as atividades militares e comerciais,
a sustentabilidade a longo prazo das atividades espaciais, além de outras. Mas
algumas grandes potências se valem da regra do consenso para se oporem a tais
medidas, embora haja amplo reconhecimento de que são vitais para melhorar e
ampliar a governança espacial em benefício geral.
Na realidade, o ordenamento do espaço e das atividades espaciais
jamais teve perfil tão acanhado quanto o de hoje, em contraste com a acelerada
intensificação dessas atividades, hoje simplesmente indispensáveis ao
desenvolvimento de todos os países.
O Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço
Exterior, com sede em Viena, Áustria, também integra o sistema de governança
espacial, secretariando o COPUOS, e executando programas de enorme utilidade
para os países em desenvolvimento. O escritório é dirigido hoje pela
astrofísica e astronauta Mazlan Othman, que encabeçou a Agência Espacial da
Malásia e tem plena consciência dos interesses e necessidades dos países em
desenvolvimento no espaço.
A Quarta Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas
é, igualmente, peça de relevo da governança espacial. Criada para cuidar da
descolonização no pós-2ª Guerra Mundial, essa é uma das mais dinâmicas e
versáteis das seis comissões centrais da Assembleia Geral, de que participam
todos 192 Estados Membros das Nações Unidas.
Com a independência da maioria das colônias, a Quarta
Comissão assumiu novas funções, nos anos 90, tratando da agenda de “política
especial”, onde se agrupam as questões dos refugiados palestinos, direitos
humanos, manutenção da paz, desativação de minas, informação pública, radiação
atômica, a Universidade Para a Paz e espaço exterior.
Os documentos e decisões aprovados pelo COPUOS são
remetidos à Quarta Comissão, que, por sua vez, discute e prepara o que será
votado pela Assembleia Geral, inclusive as resoluções anuais sobre os rumos da
cooperação internacional para o uso pacífico do espaço exterior.
Por que não criar uma Organização Mundial do Espaço? No
mundo atual, saúde, alimentação, meteorologia, comunicações, meio ambiente,
aviação civil, comércio e finanças são esferas dotadas de governança global
exercida por meio de organizações e programas internacionais de grande porte da
ONU. O espaço não goza do mesmo privilégio, embora só em 2010 tenha movimentado
mais de 276 bilhões de dólares ¨C número que tem crescido sem cessar.
Razão tinha Simone Courteix, ex-diretora do Centro de
Estudos e Pesquisa sobre Direito Espacial da França, para escrever, ainda em
1992, que “em razão do grande desenvolvimento que as atividades espaciais
deverão alcançar no século XXI, e mesmo levando em conta as crescentes
restrições orçamentárias, um reforço dos recursos destinados à cooperação
internacional parece inevitável e, aparentemente, afirma-se a necessidade de
uma organização universal”.4
A ideia de criação de uma Organização Mundial do Espaço
foi lançada pela primeira vez na I Conferência da ONU sobre a Exploração e Uso
do Espaço Exterior (UNISPACE-I), realizada em 1968, em Viena, Áustria, e
reiterada na UNISPACE-II, reunida em 1982, também em Viena.
A partir de 1978, França, URSS e Canadá, em diferentes
ocasiões, formularam propostas de criação de uma Agência Internacional de
Controle de Armamentos por Satélites.
Em 1986, a proposta de uma Organização Mundial do Espaço
foi apresentada à ONU pelo Governo da ex-URSS, liderado por Mikhail Gorbachev,
o pai da abertura soviética.
Em 1988, a França sugere a criação de uma agência
internacional de tratamento e interpretação de imagens de satélites.
Desenvolvendo a sugestão francesa, a URSS propôs a criação de uma Agência
Internacional de Vigilância Espacial. Ambas as agências, de caráter universal,
se encarregariam de verificar o cumprimento dos acordos de desarmamento, de
monitorar as crises mundiais, bem como de prevenir e minimizar desastres
naturais.
Mas, por diversas razões, a começar pela recusa de
revelar as tecnologias nacionais de sensoriamento remoto, todas essas ideias
ficaram no papel e hoje já não são nem lembradas, ainda que os perigos e
situações que as geraram tenham se tornado ainda mais ameaçadores.
Se tivéssemos criado uma dessas organizações de
governança espacial, provavelmente muitos males ocorridos teriam sido evitados
ou, no mínimo, reduzidos em seus impactos.
A boa governança é sempre preventiva. Vale aqui a
recomendação de Manfred Lachs (1914-1993), ex-presidente da Corte Internacional
de Justiça, de Haia, e ex-presidente do Instituto Internacional de Direito
Espacial: “No mundo de hoje, (…) a função preventiva do direito é de
importância mais vital que nunca antes. É preciso fazer com que os homens do
mundo inteiro percebam isso, para incitá-los a abandonarem um pouco a
estreiteza de espírito, a incutir neles o sentimento de existência do interesse
comum e de responsabilidade pela aplicação do direito na vida cotidiana das
nações e a levá-los a compreender que, como se diz, é melhor agir com sabedoria
juntos do que cometer loucuras separados.”5
* Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da
Agência Espacial Brasileira (AEB)
Referências
1) Amorim, Celso, Conversas com jovens
diplomatas, São Paulo: Benvirá, 2011, p. 275.
2) Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar,
concluída na Conferência de Montego Bay, Jamaica, 10 de dezembro de 1982, em
vigor desde 16 de novembro de 1994. Ver em .
3) Ver .
Cabe citar também as oito declarações adotadas depois pela Asembleia Geral da
ONU, entre elas a dos Princípios sobre Sensoramento Remoto, de 1986, e a dos
Benefícios da Cooperação Espacial, de 1996.
4) Faut-il créer une organization mondiale de
l’espace?, Rapport preparé par M. Bourely, S. Courteix, Ph.
Cristelli, G. Lafferranderie, Y. Rebillard, D. Ruzie et O. De Saint-Lager,
Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) et Centre d’Etudes et de
Recherches sur le Droit de l’Espace, La Documentation française, Pris, 1992, p.
4.
5) Lachs, Manfred, Le Monde de la pensée en
droit international ¨C Theories et pratique, Paris: Economica,
1989, p. 230.
Fonte: Agência Espacial Brasileira
(AEB)
Comentário: Que me desculpe o Sr. José
Monserrat Filho, mas usar esse banana energúmeno como exemplo para algo, chega até embrulhar meu estomago. Faça-me uma garapa.
O sr. José Monserrat Filho diz:
ResponderExcluir"Mas ainda não há um governo global, situado acima dos Estados, para resolver os problemas que afetam a todos ou a um grande número de países e povos."
Que ingenuidade! Desde quando tirar a especificidade de várias civilizações em prol de um "governo mundial uniforme" é uma coisa positiva? Isso irá acabar o conflito de idéias que geram novas visões, por uma que teria que ser aceite por todos (quase como se não houve mais escolha). E eu que sou um "Third Culture Kid", que convivi e cresci em diferentes culturas posso dize-lo. Seria uma desgraça abrir-se mão da riqueza e cultura oriundas das diferenças culturais em prol de uma outra proposta por Hollywood ou o raio que o parta, que faça que todos se meçam pelos mesmos padrões.
Ainda vem pegar em Grotius e no direito internacional para exemplificar, ignorando que ainda hoje países têm sua área marítima legitima para evitar conflitos e que precisam de estabelecer fronteiras e regras (porque é intrínseco não só de humanos, mas de várias espécies do reino animal estabelecer fronteiras entre o seu grupo de outros da sua própria espécie).
Esse texto é de todo estranho, ainda sabendo que já se trava uma guerra espacial, e satélites são instalados para observar movimentos inimigos e guiar mísseis. Sempre resolvemos as coisas diplomaticamente, mas quando se torna uma coisa internacional (até as guerras) a confusão pode chegar a uma propulsão bem mais malévola. Agora, não bastando termos já uma elite medíocre, ainda querem dar a idéia de estabelecer outra ainda mais inacessível (sendo esta outra de ambito internacional?). Agora querem me doutrinar com essa idéia totalmente originada por interesses de multinacionais de haver uma cultura globalizada, como se não houvessem esses senhores se esforçado por destruir fronteiras em prol do lucro. E ainda aparece esse ingénuo falando em prol da hiperglobalização. Por favor! O sr. José Monserrat Filho que vá catar coquinhos!
Peço desculpa se me exalto nas minhas opiniões. No entanto me deixa perplexo o fato de alguns pensarem que a natureza humana no fundo é boa (o que não concordo, principalmente quando o assunto é poder). Dar o controlo do mundo para um governo global é dar de mão beijada o controle a uma elite - seja de que área for. Já vimos como pequenas elites totalitarias, acima de outras visões políticas, governeram e a conclusão da história é que seus governos foram um desastre (e o autor do texto acima quer uma elite que se ponha até acima dos EUA - e teria que reger a todos com mão de ferro).
ResponderExcluirJá existe uma elite supostamente representativa (a ONU), e que tem um poder moderador. Nem esta consegue lidar as vezes com interesses particulares de alguns países, por meio do entendimento, como conseguirão algo por meio da força? O que passa de moderação e precise de controlar todos acima dos seus interesses, pessoalmente me assusta. Parece-me até ingénuo propor essa idéia.
iSSO MOSTRA O LADO SOMBRIO DAS EXPECTATIVAS BOLIVARIANAS
ResponderExcluirCONQUISTAR O MUNDO...ATRAVÉS DO MARXISMO CULTURAL!
POR ISSO ACHO QUE ESSES CARAS NÃO ESTÃO NEM UM POUCO PREOCUPADOS COM PROGRAMA ESPACIAL!
ISSO TUDO É ENGANAÇÃO.....ELES CONSPIRAM CONTRA O BRASIL!