[Artigo] A Safety and Competitive Analysis of Alcantara Spaceport: Um artigo interessante de autores brasileiros sobre o potencial do nosso centro de lançamento

Olá, Leitora! Olá, Leitor!


Nessa vida de pesquisa e de busca por informações qualificadas e discussões relevantes e suportados por hipóteses, premissas, dados e argumentos sérios, honestos e objetivos, eis que encontro o muito bem trabalhado artigo "A Safety and Competitive Analysis of Alcantara Spaceport" (Uma Análise de Segurança e Competitividade do Centro de Lançamento de Alcântara), de autoria de Rafael P. Lôbo, Victor Tadeu R. Baptista, Leonardo J. C. Souza, Gabriel S. Frazão e William Reis Silva, publicado no New Space - The Journal of Space Entrepreneurship and Innovation, Mary Ann Liebert, Inc., publishers, Volume 12, Number 2, 2024 (veja aqui web e aqui pdf).

Imagem da capa e do título do artigo adaptada da tela de download da versão em pdf (Fonte: New SpaceVolume 12, Number 2, 2024 © 2024, Mary Ann Liebert, Inc., publishers https://doi.org/10.1089/space.2023.0051)

Sem querer dar spoiler ou antecipar ao leitor / leitora (leiam primeiro o artigo) uma compreensão própria e pessoal do trabalho, destacando a antecipadamente a qualidade da abordagem e da metodologia adota, apresentamos a seguir uma breve compilação do mesmo, aplicando alguns destaques sobre pontos que merecem atenção.

1) Detaque do Cenário Atual do Mercado Espacial

O mercado espacial tem crescido significativamente, impulsionado pela miniaturização de satélites e pela redução dos custos de lançamento. Esse progresso tecnológico possibilitou que empresas, universidades e até indivíduos tenham acesso ao espaço, democratizando o setor e abrindo novas oportunidades de pesquisa e negócios.

2) Abertura do Centro de Lançamento de Alcântara

Em 2020, o Brasil deu um passo importante ao abrir o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) para atividades comerciais, após um acordo de salvaguardas com os Estados Unidos. Desde então, o CLA tem buscado atrair empresas para operar a partir de seu centro, oferecendo uma nova opção competitiva no cenário global de lançamentos espaciais.

3) Metodologia e critérios de avaliação de centros de lançamento

Em particular, como a infraestrutura atual de Alcâtara só permite lançamentos de veículos suborbitais (com capacidades diversas) e/ou veículos lançadores / satelizadores de pequeno porte e, por conseguinte, só poderia lançar, em teoria, pequenos satélites (massa < 500 kg), é importante destacar que o trabalho faz uma análise acurada e apoiada em dados seguros e históricos do mercado de lançamento de smallsats, do seu crescimento e das projeções futuras.

3.1) Definição de perfis

Os autores se detém em uma análise de perfis (personas) de potenciais operadores / clientes do mercado de lançamentos, categorizados em 3 tipos distintos, quais sejam:

- PERSONA A: Diferentes lançamentos orbitais; Lançamentos dedicados a pequenos satélites sem compartilhamento de carga; Veículo de Lançamento: SLV (Small Laaunch Vehicle = Veículo Lançador Pequeno); Usa infraestrutura própria.

- PERSONA B: Diferentes lançamentos orbitais; Vários lançamentos com possibilidade de compartilhamento de carga; Veículo de Lançamento: SLV (Small Laaunch Vehicle = Veículo Lançador Pequeno) e/ou MLV (Medium Lauch = Veículo Lançador Médio); Usa infraestrutura de um centro de lançamento.

- PERSONA C: Lança sua própria constelação; Lançamentos dedicados à sua constelação com produção fora do Centro de Lançamento; Veículo de Lançamento: SLV; Usa infraestrutura de um centro de lançamento.

3.2) Definição de potenciais concorrentes 

O trabalho de análise dos centros de lançamento considerou apenas os que estão ativos e que podem lançar veículos de lançamento orbital e/ou suborbital (considerado que um complexo de lançamento suborbital poderia ser adaptado para lançar um pequeno veículo de lançamento orbital). 

Apartir disso, os seguinte centros (34 no total) foram selecionados: 

- Centro de Lançamento de Alcântara, Brasil (2.3101° S, 44.4017° W)
- Cosmódromo de Baikonur, Cazaquistão (45.965° N, 63.305° E)
- Cabo Canaveral/Centro Espacial Kennedy, Estados Unidos (28.5721° N, 80.648° W)
- Cecil Spaceport, Estados Unidos (30.224° N, 81.672° W)
- Colorado Air and Space Port, Estados Unidos (39.7417° N, 104.6917° W)
- Esrange Space Center, Suécia (67.893° N, 21.093° E)
- Centro Espacial da Guiana, Guiana Francesa (5.239° N, 52.768° W)
- Houston Spaceport, Estados Unidos (29.618° N, 95.215° W)
- Centro Espacial Imam Khomeini, Irã (35.234° N, 53.921° E)
- Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan, China (40.958° N, 100.291° E)
- Midland Air and Space Port, Estados Unidos (32.036° N, 102.101° W)
- Mojave Air and Space Port, Estados Unidos (35.059° N, 118.152° W)
- Centro Espacial Naro, Coreia do Sul (35.438° N, 128.938° E)
- Oklahoma Spaceport, Estados Unidos (35.556° N, 98.956° W)
- Pacific Spaceport Complex-Alaska, Estados Unidos (57.365° N, 152.101° W)
- Base Aérea de Palmachim, Israel (31.903° N, 34.709° E)
- Cosmódromo de Plesetsk, Rússia (62.927° N, 40.577° E)
- Complexo de Lançamento da Rocket Lab, Nova Zelândia (39.261° S, 177.864° E)
- Centro Espacial Satish Dhawan, Índia (13.733° N, 80.235° E)
- Estação de Lançamento de Satélites Sohae, Coreia do Norte (39.660° N, 124.705° E)
- Spaceport America, Estados Unidos (32.990° N, 106.975° W)
- Spaceport Camden, Estados Unidos (30.985° N, 81.521° W)
- Centro de Lançamento de Satélites de Taiyuan, China (38.842° N, 111.655° E)
- Centro Espacial de Tanegashima, Japão (30.391° N, 130.854° E)
- Ground de Lançamento de Satélites de Tonghae, Coreia do Norte (39.823° N, 128.623° E)
- Centro Espacial de Uchinoura, Japão (31.251° N, 131.086° E)
- Base Aérea de Vandenberg, Estados Unidos (34.742° N, 120.572° W)
- Cosmódromo de Vostochny, Rússia (51.857° N, 128.327° E)
- Instalação de Voo de Wallops, Estados Unidos (37.940° N, 75.466° W)
- Centro de Lançamento de Satélites de Wenchang, China (19.614° N, 110.951° E)
- Local de Lançamento de Foguetes do Oeste do Texas, Estados Unidos (31.824° N, 104.800° W)
- Centro de Lançamento de Satélites de Xichang, China (28.246° N, 102.027° E)
- Base de Lançamento de Yasny, Rússia (51.026° N, 59.846° E)

Dessa seleção abrangente, podemos questionar a falta do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI) que pode lançar veículos suborbitais e ser adaptado para lançamentos de microlançadores (veja aqui). Além disso, o centros de lançamento chineses e alguns outros elencados não estão abertos para o mercado global devido a restrições provenientes do Estados Unidos e, desse modo, não impactariam tão significativamente na concorrência do mercado ocidental com Alcâtara, até mesmo por que já atendem a demandas nacionais bem significativas e que não seriam, normalmente, transferíveis para outros centros de lançamento de outros países.

3.3) Critérios de avaliação

Os autores definiram 12 critérios de avaliação do potencial dos centros de lançamento:

1 - Total Energy (Energia Total): Refere-se à energia total necessária para o lançamento, incluindo o combustível e outros recursos energéticos utilizados. Em particular, esse critério tem uma fragilidade quando se trata de lançamentos de pequenos satélites tendo em vista que a grande maioria destes é lançada para órbitas polares (que favorecem a cobertura global), enquanto lançamentos equatoriais / semi-equatoriais são muito raros para essa categoria de satélites.

O oposto ocorre para lançamentos para órbitas geoestacionárias (GEO) ou de trasnferência geoestacionária (GTO). Como essas órbitas são ocupadas por satélites de maior porte e Alcâtara não possui atualmente a infraestrutura para esse tipo de lançamento, essa critério pode trazer, erroneamente, um viés favorável para o Centro Espacial de Alcâtara.

Em verdade, com a estrutura atual o mercado potencial de Alcâtera, tendo como diferencial competitivo a sua proximidade com o Equador e a energia total seria algo como demonstrado na tabela (de nossa autoria):

Tabela com todos os satélites ativos por órbita e por inclinação e o mercado potencial de Alcâtara (Fonte: Rui Botelho, estudos pessoais em andamento)

Logo, o presente critério, associado aos critérios 2 e 3, cosiderando que dentro desse mercado potencial (células Verde escuro, verde claro e amarelas) tem as constelações proprietárias de comunicação em órbitas baixas e satélites que não são smallsats, o mercado potencial de lançamentos de pequenos satélites seria muito menor do que inferido / suscitado pelos autores do artigo.

2 - Launch Azimuth (Azimute de Lançamento): O azimute de lançamento é a direção em graus na qual o foguete é lançado em relação ao norte geográfico, considerando as condições orbitais desejadas.

3 - Accessible Orbits (Órbitas Acessíveis): São as órbitas que um centro de lançamento específico pode alcançar e suportar, levando em conta suas capacidades técnicas e estruturais.

4 - Air Traffic (Tráfego Aéreo): Refere-se à presença e ao gerenciamento do tráfego aéreo nas proximidades do centro de lançamento, garantindo a segurança das operações espaciais.

5 - Proximity to Urban Centers (Proximidade a Centros Urbanos): Indica a distância do centro de lançamento a áreas urbanas, levando em consideração impactos como segurança, logística e percepção pública.

6 - Environmental Parameters (Parâmetros Ambientais): Engloba o impacto ambiental das operações de lançamento, incluindo regulamentações ambientais locais e práticas sustentáveis.

7 - Political Stability (Estabilidade Política): Refere-se à estabilidade política e governamental do país onde o centro de lançamento está localizado, impactando na segurança jurídica e na continuidade das operações. 

Em se tratando de segurança jurídica, nesse quesito sentimos falta de uma análise do arcabouço legal e da legislação nacional (Lei geral do espaço e decretos complementares) que definam e regulamentem as relações institucionais e comerciais no país.

Somente a estabilidade política não garante a segurança jurídica para a operação.

8 - Administrative Model (Modelo Administrativo): Descreve o modelo de gestão e operação do centro de lançamento, incluindo se é operado por entidades governamentais, privadas ou parcerias público-privadas.

9 - Government Demand (Demanda Governamental): Indica a demanda por serviços de lançamento por parte do governo, como lançamentos de satélites governamentais, missões científicas financiadas pelo governo, entre outros.

10 - Accessibility (Acessibilidade): Refere-se à facilidade de acesso ao centro de lançamento por parte das equipes de lançamento, equipamentos e materiais necessários para as operações.

Neste quesito não foram tratados os custos logísticos, alfandegários, de importação, etc., que justifique que veículos lançadores, satélites e seus sistemas auxiliares, integrados ou não fora do Brasil, sejam transportados da Europa ou dos EUA para serem lançados de Alcântara ou de qualquer outro lugar que não nos seus países de origem.

11 - Number of Launch Pads (Número de Plataformas de Lançamento): Indica quantas plataformas de lançamento estão disponíveis no centro de lançamento, afetando a capacidade de realizar múltiplos lançamentos simultaneamente ou em rápida sucessão.

12 - Launch History (Histórico de Lançamentos): Refere-se ao registro histórico de lançamentos realizados a partir do centro, incluindo sucessos, falhas, tipos de carga útil lançada, entre outros dados relevantes para a avaliação da experiência operacional do centro.

4) Análise Comparativa e Vantagens do CLA

O artigo realiza uma análise comparativa do CLA com outros spaceports ao redor do mundo, focando em três tópicos principais: Lei Espacial (questionável), Custos e Segurança. O CLA destaca-se devido à sua localização estratégica próxima ao Equador, que permite uma economia significativa de combustível graças ao impulso adicional da rotação da Terra. Além disso, o centro oferece um nível de segurança operacional otimizado e custos operacionais mais baixos em comparação com outros spaceports.

Segundo os autores, o Centro de Lançamento de Alcântara apresenta vantagens claras como um local competitivo para lançamentos espaciais, combinando segurança, custos reduzidos e benefícios geográficos.

Por outro lado, o processo de análise e comparação não aplicou a avaliação das personas e dos 12 critérios de avaliação diretamente aos centros de lançamento, mas associousse os 12 critérios às personas (vide Table 2) e depois as 3 personas aos 34 centros (vide Table 3).

Imagem da tabela 2 extraída do artigo original.

Imagem da tabela 3 extraída do artigo original.

Com todo respeito à solução escolhida pelos autores, na minha visão, essa indireção adotada nos parece confusa e não relaciona diretamente os critérios de avaliação com os centros de lançamento, permitindo uma avaliação direta e objetiva, conforme a tabela (meramente ilustrativa) abaixo:

imagem de uma tabela meramente ilustrativa para apresentar uma solução de classificação direta dos centros de lançammento.

No entanto, os autores destacam que, segundo a análise de perfil (persona) e dos critérios elencados acima (vide Table 2 e Table 3), Alcântara não está destada como um os centros espaciais mais bem classificados para cada persona, como visto na Table 4 do artigo apresentada abaixo:

Imagem da tabela 4 extraída do artigo original.

Bem, independente de alguns questionamentos que fazemos ao trabalho, a metodologia proposta é bastante interessante e pode ser refinada e aprimorada de modo a melhor refletir e demonstrar as características reais de cada centro e a concorrência com Alcântara.

Rui Botelho


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