Por Que o Lançamento da Crew Dragon Demo-2 é Tão Importante Para a SpaceX e Para a NASA? Pesquisadores da UNIVAP Respondem.
Olá leitor!
Recebi ontem (30/05) um artigo escrito sobre o porquê da importância
desta conquista da SpaceX/NASA, escrito que foi pelo jovem Eng. Aeroespacial Mateus
S. de Paula Vieira, este ligado a equipe ‘Bravo Rocket’ da Universidade do Vale
do Paraíba (UNIVAP) do Estado de São Paulo. Confira!
Duda Falcão
Por Que o Lançamento da Crew Dragon Demo-2 é Tão Importante
Para a SpaceX e Para a NASA? Pesquisadores da UNIVAP Respondem.
Por Mateus Vieira, Eng. De Aeronáutica e Espaço
Bravo Rocket Team, UNIVAP
30/05/2020
Pela primeira vez uma empresa privada em parceria com a
NASA colocará humanos em órbita. Para compreender a importância do lançamento
de hoje (30 de maio de 2020) e por que ele é um marco tanto para a SpaceX
quanto para a NASA, é preciso entender o contexto atual do programa espacial
americano, estagnado a cerca de 10 anos devido a aposentadoria de seus
orbitadores, os famosos ônibus espaciais. Depois de quase 10 anos sem
lançamentos tripulados a partir do território estadunidense o país finalmente vai
recuperar sua capacidade de colocar seus astronautas em órbita a partir de seu
próprio território e com foguetes desenvolvidos por lá.
A última missão de lançamento de astronautas americanos a
partir de solo do país ocorreu em 8 de julho de 2011 com a missão STS-135, realizada
com o ônibus espacial “Atlantis” e que teve como objetivo levar equipamentos e
suprimentos para finalizar a montagem da Estação Espacial Internacional (ISS), que
orbita o planeta à cerca de 408 km de altitude.
Fonte: The Daily Northwestern
Essa missão de despedida foi realizada com 4 astronautas,
diferentemente das missões anteriores nas quais eram embarcados 6 ou 7 – o
contingenciamento se deu em virtude dos orbitadores “Discovery” e “Endeavour”
já estarem aposentados, desta forma, impossibilitados de operar se caso uma missão de resgate fosse necessária caso algum
incidente ocorresse com o Atlantis em órbita. Com apenas 4 astronautas a bordo,
se alguma avaria acontecesse ao veículo os 4 tripulantes poderiam ser
transferidos pra ISS e retornar à Terra em naves russas Soyuz assim que
possível.
A STS-135 pousou no dia 21 de julho de 2011 e marcou o
fim da operação dos ônibus espaciais, dando início a um longo período de
estagnação do programa espacial americano, que se viu obrigado a acordar
assentos nas naves russas Soyuz. A partir daí, a NASA se viu encurralada e com
sua capacidade operacional de acesso à ISS reduzida, já que os lançamentos da
Soyuz eram sempre divididos com astronautas das agências espaciais russa,
europeia e japonesa, além do fato de cada assento na nave russa custar cerca de
90 milhões de Dólares para os EUA.
Fonte: NASA.
Uma nave Soyuz acoplada à ISS, 2018.
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É aí que surge o “Comercial Crew Program”. O Programa de
Tripulações Comerciais. – Uma ação do governo americano que visa o
desenvolvimento de tecnologias para reestabelecer a capacidade operacional
estadunidense no espaço por meio de empresas privadas, contando com dinheiro público
e administração da NASA.
Empresas privadas já construíram equipamentos para NASA
no passado, como a Boeing que atuou firmemente no Programa Apollo através de participação
na construção dos foguetes Saturn V. O que difere as colaborações do passado
com os dias atuais é que no “Comercial Crew Program” as empresas privadas são
responsáveis por todo o desenvolvimento dos produtos e também pela sua operação,
contando somente com a supervisão de engenheiros e especialistas da NASA.
A SpaceX abraçou firmemente o Comercial Crew Program como
sua maior oportunidade de consolidar-se como pioneira do transporte espacial
privado para a ISS. A empresa de Elon Musk tornou-se famosa até mesmo entre o
público que não é especialista no setor aeroespacial e o mais importante:
respeitadíssima por sua competência provada nos inúmeros sucessos,
principalmente devido a seus lançamentos dos foguetes Falcon 9 e Falcon Heavy,
que contam com os audaciosos “boosters” (foguetes auxiliares para decolagem)
que de forma autônoma podem retornar do espaço e pousar em solo ou em balsas no
oceano. Esta característica se tornou marca registrada da companhia e torna os
lançamentos dos foguetes Falcon mais baratos devido à capacidade de reutilizar
estes blocos em lançamentos futuros, diferentemente dos lançamentos de outros
modelos de foguetes em que partes dos veículos vão se perdendo ao longo de sua
trajetória e a cada lançamento é necessário um veículo totalmente novo.
Fonte: Aerotime.aero
2 Boosters de um Falcon Heavy pousando, 2018.
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Falando da cápsula que levará os astronautas, ela é
chamada de Crew Dragon e vem sendo desenvolvida pela SpaceX desde 2014 com o
objetivo de servir ao envio e retorno de humanos para a Estação Espacial
Internacional e estações privadas. Ela é uma evolução da Dragon 1 que está
operacional desde 2010 e serve ao transporte de cargas.
Infelizmente 2019 não foi um bom ano para o
desenvolvimento da Dragon-2, que contou com longos processos de testes após a cápsula
utilizada na primeira missão não tripulada explodir durante um teste dos
motores SuperDraco que a equipam. Já 2020 tem sido um ano mais generoso, em 19
de janeiro a SpaceX realizou com sucesso o “In-Flight Abort Test”, teste em que
a nave deveria se separar do foguete Falcon 9 em voo através do acionamento de
seus 8 motores SuperDraco, o que significa que em caso de alguma anomalia que
pudesse levar a uma explosão do veículo, a cápsula pode voar para longe, salvando
assim a vida dos tripulantes. Foi o sucesso do teste de abortamento que abriu os
caminhos para a Demo-2 poder ocorrer.
Fonte: Space.com
Momento exato em que a Dragon-2 se separa do Falcon 9
durante o Teste de Abortamento em voo.
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O lançamento da Demo-2 é um dos primeiros marcos do
Comercial Crew Program. A expectativa da NASA é que com a certificação da
Dragon, a agência possa retomar sua capacidade operacional plena e economizar
um bom dinheiro com os lançamentos realizados sem a dependência russa, já que a
nave comporta 4 ou mais astronautas e todo o dinheiro investido pode ser “recuperado”
ao longo prazo devido aos custos iniciais do desenvolvimento serem diluídos ao
longo dos lançamentos.
Curiosamente, um dos astronautas escolhidos para tripular
a Crew Dragon Demo-2 é Douglas Hurley, que esteve à bordo da missão que marcou
o fim da era dos ônibus espaciais em 2011 e hoje será o Comandante da nave na Demo-2.
Seu parceiro de voo é Robert Behnken, também veterano dos ônibus espaciais.
Fonte: NASA.
Robert (Bob) à esquerda e Douglas (Doug) à direita. 2020.
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O lançamento deveria ocorrer no último dia 27, mas foi adiado
17 minutos antes da ignição dos 9 motores Merlin 1D do foguete Falcon 9 devido
ao mau tempo na área do Centro Espacial Kennedy. Um lançamento de foguete para
a Estação Espacial é totalmente calculado até os mínimos detalhes com respeito
ao tempo, é o que chamamos de “janela de lançamento” – este período leva em
consideração dois fatores: Temperatura do combustível nos tanques e Mecânica Orbital.
Mas o que isso quer dizer?
Com relação ao propelente, ele é composto por um elemento
combustível e um elemento oxidante, que no caso do Falcon 9 é o oxigênio
líquido super denso (LOX) – nesta forma, o oxigênio é criogênico e só é líquido
abaixo de -182 ºC. O combustível é o RP-1 (semelhante ao querosene) e assim
como o LOX tem uma densidade maior quando está bem frio. Na câmara de combustão
de cada um dos motores Merlin 1D, oxidante e combustível se encontram e a quantidade
necessária de cada um dos elementos, bem como o desempenho de queima esperado
são calculados com base na temperatura estimada da mistura no momento exato do
lançamento, desta forma, deixar os elementos aquecerem com o tempo deixará a
queima menos eficiente e prejudicará a propulsão do foguete.
Focando na Mecânica Orbital, ela é a ciência que nos
permite calcular trajetórias que nos levem a qualquer ponto no espaço com o
menor tempo e menor gasto de energia, o que pode ser facilmente entendido como
mais rápido e barato possível. Quando o foguete é lançado, a ISS não está nem
perto do território americano, podendo estar até mesmo do outro lado do
planeta. Quando o Falcon 9 colocar a Dragon-2 em órbita, ela estará abaixo da
ISS e uma série de manobras a possibilitará perseguir a estação, indo em
direção a um ponto no espaço onde o encontro entre as duas se dará. O momento
exato do lançamento é calculado friamente para que essa perseguição seja a mais
rápida e menos “exaustiva”, gastando o mínimo de propelente possível, e
garantindo também que a Dragon esteja no lugar certo, na hora certa. Se a Dragon-2
se atrasar, ela perde a chance de se conectar a ISS e ficará perdida e sem suprimentos,
como ocorreu com a sua concorrente, a cápsula CST-100 “Starliner” da Boeing em
dezembro de 2019.
Fonte: SpaceX
Perfil da missão até a ISS.
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No caso da Demo-2, a janela de lançamento é de cerca de
30 minutos, divididos em duas partes: uma metade deste tempo antes e a outra
após a hora exata programada para o lançamento, já contando com uma digna
margem de segurança. Dada a importância da janela de lançamento, e o porquê da
primeira tentativa ser abortada, uma nova tentativa de lançamento deveria
ocorrer na próxima janela, que é justamente hoje (30) às 16h22 (Brasília).
Os trajes que os dois astronautas usarão são
desenvolvidos (surpresa) também pela SpaceX, com direito a capacetes impressos
em 3D e luvas sensíveis ao toque. A função principal do traje é garantir a
pressurização e regular a temperatura corporal dos tripulantes, mas não serve
para as caminhadas espaciais fora de ambientes pressurizados, as famosas “spacewalks”.
Depois dos astronautas serem devidamente vestidos e terem
seus últimos exames médicos realizados, deixarão o prédio e partirão em Teslas
Model X customizados para a plataforma de lançamento LC-39A do Centro Espacial
Kennedy (Merritt Island, Flórida) e desembarcarão frente aos elevadores que os
levarão até o futurístico braço de acesso para dentro da Crew Dragon.
Diferente de qualquer outro lançamento da história, o
foguete só é carregado com oxidante e combustível após o embarque dos
tripulantes, isto acontece porque como já vimos, quanto mais próximo do
lançamento o foguete for carregado, mais eficiente será a combustão do
propelente e melhor a propulsão. A preocupação natural da NASA é que algum
problema aconteça nesse período levando a uma explosão do veículo, porém, em
caso de anomalia, o Abort System entra em ação e os motores da cápsula garantem
que ela seja ejetada para longe do corpo
do foguete.
Fonte: NASA
Falcon 9 pronto na Base de lançamento.
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O Falcon 9 vai decolar às 16h22 (horário de Brasília) se
um novo adiamento não for necessário. Depois de 02:33 minutos de voo a
separação de estágios deve ocorrer e o primeiro-estágio dará meia volta para
tentar um pouso autônomo na balsa OCISLY (Of Course I Still Love You)
posicionada no oceano, deixando a missão ainda mais incrível.
Fonte: SpaceX.
Perfil da missão até o momento que o primeiro-estágio
pousa e a Dragon segue sua trajetória.
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A Dragon é bastante diferente de outras naves utilizadas
no passado, totalmente avançada e com um belo design, além de ter todos os
botões e os típicos “reloginhos” do passado substituídos por telas touchscreen
similares ao “Full Glass Cockpit” já conhecido nas aeronaves mais modernas.
Os tripulantes devem checar o sistema de controle manual
da nave, porém a aproximação com a ISS
vai acontecer de forma totalmente autônoma e o acoplamento com o adaptador
pressurizado PMA-2 do módulo Harmony da estação deve ocorrer 19 horas após o
lançamento, concluindo a primeira parte da missão.
Os dois astronautas podem ficar até 110 dias na ISS e
durante este período orbitando nosso planeta podem realizar suas tarefas
relacionadas à certificação da cápsula, bem como participar de experimentos em
andamento na estação.
Quando chegar a hora de retornar para a casa, Bob e Doug vão
retornar aos seus assentos dentro da Dragon e iniciar o procedimento de
reentrada. Ocorre a separação entre o módulo de comando (onde os astronautas
estão) e o módulo de serviço chamado de tronco “trunk”.
Apenas o módulo de comando faz as manobras de reórbita e
reentrada atmosférica, caindo em direção ao oceano atlântico. O sistema de
recuperação da Dragon é avançadíssimo e conta com uma série de drogues e
paraquedas que garantem que o “splashdown” no Atlântico seja suave, aí é só
relaxar e aguardar o resgate. Veja o vídeo a seguir de testes de desenvolvimento
do sistema: https://youtu.be/B9eYCGOlr5Y
Fonte: SpaceX.
Momento em que a Dragon-2 amerissa com seus paraquedas no
mar.
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Em sua totalidade, a missão valida todo o sistema de
transporte de tripulação da SpaceX: Projeto, Equipes de Engenheiros e Técnicos,
Foguete, Base de Lançamento, Nave e Capacidade de Operação.
Se a missão acontecer atendendo todos os critérios da
NASA a Crew Dragon deverá ser certificada para voos tripulados e sua agenda de
lançamentos poderá ser aberta. Os EUA recuperam sua capacidade operacional de
enviar seus astronautas ao espaço por meios próprios e a SpaceX sai à frente de
suas concorrentes detendo o título de primeiro lançamento comercial tripulado
da história. Sem dúvidas, a Demo-2 marca o início de uma era de exploração e
transporte espacial sem precedentes, contando com empresas privadas podendo
projetar e operar seus veículos, o que fomenta (quem sabe) até mesmo o turismo
espacial e abre caminhos para novas missões tripuladas para a Lua e escalas
para Marte.
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