Detrito Espacial Cai no Maranhão: Implicações Jurídicas
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante artigo do José
Monserrat Filho postado hoje (24/02) no site da “Agência Espacial Brasileira
(AEB)”, destacando as implicações jurídicas relacionadas com o detrito espacial
que caiu nesta quarta-feira (22/02) no estado do Maranhão.
Notícias
Detrito Espacial Cai no Maranhão:
Implicações Jurídicas
José
Monserrat Filho*
24/02/2012
Uma esfera de
metal pesando entre 30 e 45 kg caiu na quarta-feira, dia 22, na cidade de
Anapurus, no leste do Maranhão. As notícias até agora divulgadas indicam
tratar-se daquilo que os especialistas denominam “detrito espacial” ou, mais
popularmente, “lixo espacial” – os destroços de um foguete, uma nave
espacial ou um satélite, depois que termina sua vida útil.
Este é hoje um dos desafios a serem enfrentados para
garantir a sustentabilidade a longo prazo das atividades espaciais. As
principais órbitas usadas pelos países estão cada vez mais cheias de detritos
espaciais, que põem em risco serviços de primeira necessidade prestados a
partir do espaço para todos os países do mundo, como telecomunicações,
observação dos recursos naturais da Terra, meteorologia, sistemas de
localização e navegação (GPS), verificação do cumprimento dos acordos
internacionais, redes de alerta, prevenção e mitigação de desastres naturais.
O Direito Espacial, ramo do direito que regula as
atividades espaciais, ainda não dispõe de uma definição aprovada universalmente
de “detrito espacial” (space debris, termo usado em inglês).
As “Diretrizes para a Redução dos Detritos Espaciais”,
elaboradas pelo Subcomitê Técnico Científico do Comitê das Nações Unidas para o
Uso Pacífico do Espaço (COPUOS), foram aprovadas pela Assembléia Geral das
Nações Unidas, em 2007. Esse documento, de caráter apenas voluntário, não
obrigatório, define “detritos espaciais” como “todos os objetos artificiais e
os elementos componentes de tais fragmentos, que estão em órbita ou regressam à
atmosfera e que não são funcionais”. Há quem acrescente: além de não
funcionais, não há em relação a eles qualquer expectativa razoável de que
venham a assumir ou reassumir as funções a que estavam destinados.
Armel Kerrest, renomado professor francês de Direito
Espacial, nota bem que todo objeto lançado ao espaço cedo ou tarde se transformará
em um ou mais detritos espaciais. Dos cinco tratados internacionais em vigor sobre temas
espaciais, quatro tem alguma relação importante com a questão do lixo espacial
e foram ratificados pelo Brasil. São eles:
1) Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades
dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais
Corpos Celestes (conhecido como Tratado do Espaço), de 1967, ratificado hoje
por mais 100 países, inclusive o Brasil, e considerado o código maior das
atividades espaciais;
2) Acordo sobre o Salvamento de Astronautas e Restituição
de Astronautas e de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico (Acordo de Salvamento e
Restituição), de 1968;
3) Convenção sobre Responsabilidade Internacional por
Danos Causados por Objetos Espaciais (Convenção de Responsabilidade), de 1972;
e
4) Convenção Relativa ao Registro de Objetos Lançados ao
Espaço Cósmico (Convenção de Registro), de 1976.
O Tratado do Espaço, no Artigo 6º, reza que o Estado
responde perante os demais países pelas atividades espaciais realizadas por
suas organizações públicas e privadas, enquanto o Artigo 7º estabelece que o
Estado lançador de um objeto espacial responde internacionalmente pelos danos
causados a outros países e seus habitantes pelo referido objeto, no espaço
exterior, no espaço aéreo e na superfície da Terra. Os danos, em geral, são
causados pelo (s) detrito (s) espacial (ais) em que o objeto espacial se
transformou.
O Acordo de Salvamento e Restituição, no Artigo 5º,
determina que:
1) O país onde tenha caído um objeto espacial ou seus
componentes deve notificar o fato ao Secretário-Geral das Nações Unidas e ao
país lançador do objeto (se e quando conhecido);
2) Se o país lançador do objeto ou seus componentes
solicitar, o país onde caíram o objeto ou seus componentes, tomará todas as
providências para recuperar o objeto ou seus componentes;
3) A pedido do país lançador, o objeto espacial ou seus
componentes encontrados em outro país devem ser restituídos ao país lançador ou
mantidos à disposição dele; o país lançador deve fornecer dados de
identificação do objeto ou componentes antes da restituição;
4) Se houver motivo para crer que o objeto espacial ou
seus componentes descobertos em outro país são de natureza perigosa ou nociva,
esse país poderá notificar o país lançador, que deve tomar medidas imediatas e
efetivas para eliminar o possível perigo de dano.
5) Cabe ao país lançador pagar os gastos feitos para
salvar e restituir o objeto espacial ou seus componentes encontrados em outro
país.
A Convenção de Responsabilidade estabelece, no Artigo 2°,
que o país lançador será responsável absoluto pelo pagamento de indenização por
danos causados por seus objetos espaciais na superfície da Terra ou a aeronaves
em voo. Ou seja, se a esfera metálica que caiu em Anapurus, no Maranhão,
tivesse causado algum dano, o país responsável pelo lançamento ao espaço do
objeto ao qual pertencia a esfera metálica teria que pagar os prejuízos, sem
qualquer explicação sobre as causas do acidente. Isso é o que se chama
“responsabilidade absoluta”.
Segundo o Artigo 2º da Convenção de Registro, o país
lançador de um objeto ao espaço deve inscrevê-lo num registro que ele próprio
deve manter e do qual ele notificará o Secretário Geral das Nações Unidas.
Em
havendo dois ou mais países lançadores relacionados com um mesmo objeto
espacial, eles próprios é que decidirão quem fará o registro do objeto lançado
ao espaço. Esse será o Estado de Registro, a quem caberá fornecer ao Secretário
Geral das Nações Unidas os dados que a Convenção de Registro lista no Artigo
4º, quais sejam: a) Nome do Estado ou Estados lançadores; b) Designação
apropriada do objeto espacial ou seu número de registro; c) Data e território
ou local de lançamento; d) Parâmetros orbitais básicos, incluindo: (i) Período
nodal; (ii) Inclinação; (iii) Apogeu; e (iv) Perigeu; e função geral do objeto
espacial. Tudo isso pode ajudar a revelar a origem de um detrito espacial, que
um dia já foi objeto espacial devidamente registrado.
Em 2008, o Brasil devolveu a autoridades dos Estados Unidos
a parte de um foguete norte-americano que tombara no interior de Goiás, em ato
organizado então pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, em São José dos
Campos. Um avião da Força Aérea Norte-Americana veio especialmente ao Brasil
receber o valioso detrito espacial.
Sabe-se que, atualmente, há mais de 22 mil detritos
espaciais com tamanho superior a 10 e pelo menos 300 mil pedaços com menos de
10 cm, formando uma nuvem ameaçadora. Como se fora pouco, eles ainda se
multiplicam sistematicamente ao se chocarem entre si. Esse monturo em
permanente crescimento é um perigo cada vez maior tanto lá em cima como aqui em
baixo.
Tivemos muita sorte que a esfera de Anapurus não caiu na
cabeça de ninguém.
* Chefe
da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB)
Fonte: Site da Agência Espacial Brasileira (AEB)
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