Desafio Global: A Segurança no Espaço
Segue abaixo outro artigo do José Monserrat Filho postado
hoje (13/02) no site da Agência Espacial Brasileira (AEB) dando destaque as discurssões
sobre Segurança no Espaço.
Duda Falcão
Desafio Global: A Segurança no Espaço
José Monserrat Filho*
13-02-2012
Brasil e Estados
Unidos (EUA) afirmaram “o compromisso com a segurança no espaço e decidiram
iniciar um diálogo nessa área”.
É o que diz o Comunicado Conjunto da Presidenta Dilma
Rousseff e do Presidente Barack Obama, assinado em Brasília, no dia 19 de março
de 2011, quando da visita ao Brasil do mandatário norte-americano. Esse
intercâmbio de ideias focado na segurança espacial deve iniciar-se em breve no
Brasil. O Itamaraty, certamente, prepara-se para o diálogo sobre um tema
crucial, mas pouco estudado e discutido no país, reunindo os nossos
especialistas em assuntos espaciais de relevância estratégica global.
A segurança espacial tende a ser definida, em suma, por
meio de dois elementos-chave:
1) O acesso seguro e sustentável ao uso do espaço; e
2) espaço livre de qualquer tipo de ameaças. Tais
elementos estão em linha com os principais instrumentos jurídicos
internacionais – resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas, normas sobre
conflito armado e relevantes tratados multilaterais. Ante os múltiplos usos do
espaço e a crescente gama de atores espaciais, urge uma visão abrangente e
holística para alcançar uma compreensão razoável da segurança do espaço. (Ver <http://www.spacesecurity.org>;)
Para ter livre acesso ao espaço, usar seus recursos de
modo seguro e sustentável, e livrá-lo de qualquer tipo de ameaça produzida pela
espécie humana, há que preservar o espaço do armamentismo. Sua segurança deve
fundamentar-se no Direito, nos acordos negociados de boa fé entre toda a
comunidade internacional de países, não no uso da força.
Daí que a questão da segurança espacial passa hoje,
necessariamente, pela Conferência do Desarmamento (CD) e pelo Comitê das Nações
Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (COPUOS, na sigla em inglês). A
CD está paralisada por um impasse que se prolonga há mais de doze anos. Os
países não conseguem chegar a um consenso sobre pontos essenciais de sua agenda
de trabalho. Duas questões levaram ao impasse: o calendário para debater a
proibição da produção de materiais físseis para armas nucleares ou outros
engenhos explosivos e o projeto de acordo, apresentado pela China e Rússia,
proibindo a instalação de armas em órbitas da Terra, o emprego de satélites
como arma e, em geral, o uso da força no espaço.
A Posição dos EUA
O embaixador Gregory L. Schulte, subsecretário adjunto de
Defesa dos EUA para Política Espacial, contou à imprensa em Washington, em 19
de julho de 2011, que autoridades do Pentágono e seus homólogos chineses
convieram em debater o melhor modo de garantir o comportamento “responsável” de
ambas as nações no âmbito cada vez mais complicado de segurança nacional no
espaço. Para Schulte, os programas espaciais civis e militares chineses são
"essencialmente um" e a China está investindo estrategicamente em
suas capacidades espaciais e em armas destinadas a eliminar um sistema espacial
inimigo, agindo por trás do desejo dos EUA de negociar o que ambos os países se
comprometeram a acertar, em maio daquele mesmo ano.
O embaixador enfatizou que os EUA estão prontos para
conversar com os chineses sobre estratégia espacial, sobre como entender o uso
responsável do espaço e sobre como criar regras de trânsito e reduzir o risco
de acidentes e erros de cálculo.
Na semana anterior, informara-se que os satélites espiões
da China já podiam monitorar um determinado alvo durante seis horas por vez,
igualando-os aos satélites americanos similares. E que, ao mesmo tempo, a China
faz sérios progressos com seus avançados sistemas antissatélites.
Schulte lembrou que o teste do sistema antissatélite
chinês, efetuado em 2007, gerou cerca de 14% dos detritos rastreados pelo
Comando Espacial Estratégico dos EUA (STRATCOM, na sigla em inglês). E que a
China desenvolve ampla linha de capacidades espaciais, desde os meios de
interferências e lasers até outros tipos de recursos bélicos. Enquanto isso -
analisou que–, a nova Estratégia Nacional de Segurança Espacial dos EUA se
concentra em defender os bens espaciais americanos e busca alinhar-se com
outros países no uso responsável do espaço.
Schulte observou ainda: o aumento constante do número de
países com atividades espaciais gerou um ambiente espacial dramaticamente mais
lotado, levando os funcionários do Pentágono a se preocuparem com tudo, desde
os detritos espaciais capazes de danificar os satélites americanos até a
crescente militarização do espaço e a erosão da vantagem estratégica que os EUA
têm mantido durante décadas.
A Posição da China
Respondendo a Schulte, Li Hong, secretário geral da
Associação Chinês de Controle de Armamento e Desarmamento, publicou no jornal
“China Daily”, edição de 3 de agosto de 2011, o artigo intitulado “Tornar o
espaço seguro para todos”, em que escreve:
“A segurança no espaço tem sido tema de interesse no
processo global de controle de armamento. Desde os anos 1990, China, Rússia e
outros países instam a comunidade internacional a promover um diálogo
multilateral, para impedir a militarização do espaço e levar adiante propostas
concretas visando assinar um tratado internacional destinado a impedir uma
corrida armamentista no espaço. Mas os EUA têm usado todos os argumentos para
recusar a negociação de um tratado, temendo que isso limite a manutenção e o
desenvolvimento de seu sistema antimíssil no espaço e comprometa sua tecnologia
espacial militar. Alguns americanos conservadores estão convencidos de que os
EUA podem usar seu sistema e seus recursos para manter sua posição predominante
no espaço. A seu ver, não é necessário negociar com outros países, porque eles
são muito inferiores em termos de uso militar do espaço. Por isso, os EUA
enfatizam a liberdade de uso do espaço. Em essência, os EUA querem estabelecer
sua hegemonia sobre o espaço.”
Li Hong vai ainda mais longe:
“Afetados pela crise financeira, os EUA, no entanto,
foram forçados a restringir o desenvolvimento de sua tecnologia espacial e
cancelar o programa do ônibus espacial. Esses fatos podem ser vistos como um
revés para o avanço da tecnologia espacial no país. Mais importante ainda, os
EUA perceberam que a sua vantagem no espaço enfrenta sérios desafios e que
diminuiu a distância frente aos outros países. Isso só pode significar uma
coisa: os EUA devem mudar sua política de segurança espacial. Os EUA lançaram a
Política Nacional Espacial e a Política Nacional de Segurança no Espaço. Ambas
enfatizam a cooperação em tecnologia espacial com os aliados, e o diálogo com
Rússia, China e outros países para evitar atos "irresponsáveis" no
espaço.
Mas deve-se notar que os EUA procuram cooperar com os
aliados para integrar e usar os recursos deles, o que viria cobrir a falta de
investimento nos EUA e ajudar a manter sua liderança em tecnologia espacial. As
conversações pretendidas seriam focadas em seus dois concorrentes potenciais,
Rússia e China, para regular e restringir seu desenvolvimento e impedi-los de
desafiar a hegemonia espacial dos EUA. Esta é uma mentalidade típica da Guerra
Fria. A avidez dos EUA em estabelecer um diálogo com a China reflete sua
incerteza ante os desafios da segurança no espaço.”.
Posição da Europa
Tentando superar o impasse na CD, a União Europeia
lançou, em 2008, um projeto de Código de Conduta para Atividades Espaciais, que
ganhou versão revisada em setembro de 2010. O projeto considera que “o lixo
espacial é ameaça às atividades no espaço exterior e potencialmente limita a
implantação e a exploração eficazes de capacidades espaciais associadas" e
propõe que "a formação de um conjunto de melhores práticas que visem
garantir a segurança no espaço torne-se um complemento útil do Direito Espacial
Internacional”.
O Código, que abrange atividades civis, comerciais e
militares, busca "melhorar a segurança e previsibilidade de atividades no
espaço"; valoriza "as iniciativas dirigidas a promover a segurança,
as garantias e a paz no espaço, por meio da cooperação internacional"; e
reitera "o compromisso de solucionar por meios pacíficos qualquer conflito
em torno de ações espaciais". Ademais, defende o livre acesso ao espaço
para fins pacíficos; o respeito total à segurança e à integridade dos objetos
espaciais em órbita; a responsabilidade dos países de promover a exploração pacífica
do espaço, e de adotar "todas as medidas adequadas para impedir que o
espaço torne-se área de conflito".
O Código, contudo, é instrumento voluntário, não
obrigatório. Não impõe qualquer dever aos países que o subscreverem. Seu exame
pelos organismos das Nações Unidas, como o COPUOS e a CD, não está previsto.
Rússia, Índia e China podem não apoiar o Código, pois consideram que não foram
devidamente consultados no processo de sua elaboração e desenvolvimento. Em
meio a uma questão de tamanha relevância global, é difícil aceitar de bom grado
um documento apenas declaratório, deixando ao arbítrio dos países a decisão de
garantir ou não a segurança espacial.
Em 17 de janeiro passado, os EUA anunciaram oficialmente
que vão trabalhar junto com a União Europeia e os países com atividades
espaciais para desenvolver um Código Internacional de Conduta para as
Atividades no Espaço Exterior, argumentando no item “Ameaças ao Espaço”: “As
ameaças ao ambiente espacial vão aumentar na medida em que mais nações e atores
não-estatais desenvolvam e implantem contra-medidas aos sistemas espaciais.
Hoje, sistemas espaciais e suas infraestruturas de apoio enfrentam inúmeras
ameaças feitas pela mão humana, que podem negar, degradar, enganar, desativar
ou destruir bens. Atos irresponsáveis contra sistemas espaciais terão
implicações muito além do espaço, interrompendo serviços em todo o mundo, dos
quais dependem setores de segurança civis, comerciais e nacionais. Dada a
crescente ameaça de atos irresponsáveis ou não intencionais à sustentabilidade
de longo termo, à estabilidade, à proteção e à segurança das operações
espaciais, devemos trabalhar com a comunidade de nações com atividades
espaciais para preservar o ambiente espacial em benefício de todas as nações e
futuras gerações.”
A nota da Casa Branca acrescenta: “A Administração Obama
compromete-se a assegurar que o Código de Conduta amplie a segurança nacional e
mantenha o direito inerente dos EUA à legítima defesa individual ou coletiva,
parte fundamental do Direito Internacional.”
Como se vê, os EUA pretendem trabalhar apenas com os
aliados europeus e os países envolvidos com atividades espaciais. Os demais
países – a maioria da comunidade mundial – ficam de fora, não participando das
discussões sobre o Código e todas suas implicações em matéria de segurança no
espaço. É justo e apropriado isso? Não seria como discutir energia nuclear
somente entre os que a dominam, sem levar em conta seus efeitos para todo o
mundo?
Posição do Brasil
O embaixador Antônio Guerreiro, representante do Brasil
na Conferência de Desarmamento, declarou em Genebra, em 29 de janeiro passado,
que o governo brasileiro apoia “o estabelecimento de um grupo de trabalho para
negociar um tratado que proíba a instalação de armas no espaço, o uso de
satélites como armas e qualquer tipo de ataque a equipamentos em órbita.
A criação de um grupo de trabalho sobre a Prevenção da
Corrida Armamentista no Espaço Exterior (PAROS – Prevention of an Arms Race in Outer Space),
já tradicional na Assembleia Geral da ONU, não implicaria qualquer desarmamento
nuclear ou custos econômicos aos países detentores de armas nucleares, mas
seria uma regulamentação mais relevante, legalmente vinculativa, prevenindo
qualquer futura corrida armamentista no espaço. O Brasil aplaudiu a decisão da
Assembleia Geral da ONU de aprovar a criação de um Grupo de Peritos
Governamentais para estudar medidas de transparência e de fomento à confiança
no espaço. Essas medidas, porém, embora importantes, não podem substituir um
instrumento jurídico.”
Guerreiro sustentou que “o impasse no CD só será superado
com flexibilidade e desejo de se comprometer, não apenas com um item da agenda,
mas com todas as questões essenciais.” Ele agradeceu a iniciativa do Presidente
da CD de apresentar propostas para discussão e expressou o desejo do Brasil de
participar ativamente dos debates sobre a adoção de um Programa de Trabalho
capaz de retomar a atuação produtiva da Conferência.
Ainda quanto à paralisação dos trabalhos do CD, vale
registrar o que recordou em Genebra, no dia 15 de junho de 2010, o então
Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim:
“Peço licença para fazer algo que não é do meu hábito:
citar a mim mesmo. Não em virtude da sabedoria das palavras, mas pelas lições
nelas contidas e pelo que aconteceu e não aconteceu a seguir. No ano 2000, logo
após a bem-sucedida Conferência de Exame do Tratado de Não-Proliferação (TNP),
o Brasil alertou que “a continuada paralisia da CD coloca um véu de dúvida
sobre o valor do progresso alcançado em outras instâncias”.
(...) “A verdadeira questão com a qual nos deparamos é a
seguinte: é ou não verdade que, a despeito de nossas prioridades e preocupações
divergentes, compartilhamos todos o mesmo interesse universal no reforço do
mecanismo multilateral para o desarmamento e a não-proliferação? E, sendo esse
o caso, até onde estamos preparados para demonstrar a flexibilidade necessária
para fornecer soluções construtivas, que não coloquem em jogo interesses
vitais?”
Nenhuma resposta convincente a essa pergunta foi dada nos
últimos dez anos.
Que dessa vez seja diferente.
Essa mensagem continua válida ainda hoje, em fevereiro de
2012.
O diálogo Brasil-EUA sobre segurança espacial não poderá
ignorá-la.
* Chefe da Assessoria de Cooperação
Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB)
Fonte: Agência Espacial Brasileira
(AEB)
Comentário: Parabéns
ao Sr. José Monserrat Filho por este artigo muito interessante que consideramos
um artigo de gaveta, ou seja, para guardá-lo e ser sempre consultado confrontando-o
com o quadro que estiver ocorrendo nos próximos 20 anos. Será que irá mudar
alguma coisa? Bom, só o tempo dirá.
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