Vladimir Kopal: o Direito Espacial Perde Um de Seus Precursores
Olá leitor!
Segue abaixo mais um artigo escrito pelo Sr. Jose Monserrat
Filho e postado ontem (10/02) no site do “Jornal da Ciência” do SBPC.
Duda Falcão
Artigo
Vladimir Kopal: o
Direito Espacial
Perde Um de Seus Precursores
José Monserrat Filho*
Jornal da Ciência
10/02/2014
"É dado
ao pensador e ao mestre do Direito Internacional, armando-se de imaginação e
razão, e apoiando-se num humanismo social verdadeiro, transpor novas
fronteiras, ajudar e inspirar, introduzir mais humanidade no estudo do Direito
Internacional e fazer do próprio Direito um elemento significativo de nossa
cultura, um instrumento eficaz num mundo regido pela lei e uma instituição
essencial para o bem do gênero humano." Manfred Lachs¹
Toda a
comunidade espacial - especialmente os juristas - está de luto pelo falecimento
do Professor Vladimír Kopal, ocorrido em 27 de janeiro passado. Ele tinha 85
anos plenos de serviços inestimáveis prestados ao universo jurídico
internacional.
Foi um dos
pioneiros do Direito Espacial, no fim dos anos 50. Participou dos primeiros
tempos do Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior
(COPUOS), criado em 1959 mas que só começou a funcionar efetivamente a partir
de 1961.
Ex-Vice-Presidente
e Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, ele recebeu
dessa entidade, em 2010, a honraria máxima, o Prêmio Lifetime Achievement, por
sua obra e realizações ao longo da vida.
Referência
permanente e inspiradora no campo do Direito Internacional e do Direito
Espacial, lecionou na última década na Universidade Plzen da República Tcheca.
Como
delegado de seu país e, depois, como funcionário especializado das Nações
Unidas, participou das reuniões do COPUOS e de seus dois Subcomitês (Jurídico e
Científico-Técnico), de 1962 até 2013. Foram 51 anos de dedicação ao mais
importante fórum mundial de defesa do uso pacífico do espaço.
Kopal
presidiu o Subcomitê Jurídico do COPUOS de 1999 a 2003 e voltou a dirigi-lo de
2008 a 2009. Nos anos 80, serviu como "Principal Officer" das Nações
Unidas em Nova York e como Secretário do Comitê Científico-Técnico do COPUOS.
De 1983 a 1988 chefiou o Escritório de Assuntos Espaciais das Nações Unidas.
Participou
ativamente das três UNISPACE, as Conferências das Nações Unidas sobre a
Exploração e o Uso Pacífico do Espaço, promovidas em 1968, 1982 e 1999. A
seguir, integrou a equipe da Assembleia Geral das Nações Unidas encarregada de
revisar a implementação e as recomendações da Conferência das Nações Unidas
sobre População e Desenvolvimento, realizada em 2004.
Presidiu
vários Seminários das Nações Unidas só Direito Espacial, inclusive o organizado
no Rio de Janeiro, em 2004, onde também proferiu conferências.
Representou
seu país no Comitê dos Fundos Marinhos e, de 1974 a 1980, na III Conferência
das Nações Unidas sobre Direito do Mar, de 1982, que firmou importantes
convenções.
Antes de
trabalhar nas Nações Unidas, dirigiu o Departamento de Direito Internacional e
de Organizações Internacionais do Instituto de Direito da Academia de Ciências
da Checoslováquia e lecionou Direito Internacional na Universidade Charles, de
Praga. Foi ainda membro fundador e Secretário Científico da Comissão de
Astronáutica da mencionada Academia, de 1959 a 1980.
Atuou
durante anos, até seu falecimento, como Consultor Geral da Federação
Internacional de Astronáutica, tendo sido membro de inúmeras organizações
internacionais dedicadas a assuntos espaciais e ao Direito Internacional, como
a Associação de Direito Internacional (International Law Association - ILA),
onde atuava especialmente no Comitê de Direito Espacial.
Foi
igualmente membro e Consultor Jurídico da Academia International de
Astronáutica, bem como do Comitê de Pesquisa Espacial (COSPAR), do Centro Europeu
de Direito Espacial, do Conselho Internacional de Direito Ambiental e do
Instituto Americano de Aeronáutica e Astronáutica, entre outras entidades
nacionais e internacionais.
Kopal
proferiu conferências sobre Direito Internacional Geral, Direito das
Organizações Internacionais, Direito Espacial e Direito do Mar em um sem número
de Universidades, tanto em seu país como no exterior. Foi autor de mais de 250
monografias, artigos, teses e apresentações. Colaborou com a Professora I.H.Ph.
Diederiks-Verschoor (dos Países-Baixos, ex-Presidente do Instituto
Internacional de Direito Espacial), para atualizar seu manual "An
Introduction to Space Law" (Uma Introdução ao Direito Espacial),
amplamente conhecido.
Além dos
prêmios e do reconhecimento do Instituto Internacional de Direito Espacial e da
Federação Internacional de Astronáutica, Kopal recebeu também as Medalhas de
Ouro da Academia de Ciências da Checoslováquia e da Sociedade Hermann Oberth,
da Alemanha.
No Brasil,
ele esteve pelo menos duas vezes: em 2000, para participar do Congresso
Internacional de Astronáutica, que teve lugar no Rio de Janeiro, e em 2004 como
palestrante do Seminário das Nações Unidas sobre Direito Espacial, organizado
pela Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA) e pelo
Escritório das Nações Unidas para Assuntos Espaciais (OOSA, na sigla em
inglês).
Nos
trabalhos do Subcomitê Jurídico do COPUOS, a estreita colaboração e
entendimento entre as delegações brasileira e checa, liderada por Kopal, foi
uma grata constante durante vários anos. Neste caso, como delegado brasileiro,
tive o privilégio de ser testemunha ocular da história. Nossas relações com o
saudoso professor sempre foram excelentes.
Lembro
daquele que talvez tenha sido seu último embate no Subcomitê Jurídico. Ele
apresentara duas vezes, em 2011 e 2012, a proposta checa de incluir na futura
pauta do Subcomitê o debate sobre a transformação das Diretrizes para a Redução
dos Detritos (lixo) Espaciais adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas
em 2008 numa Resolução a ser aprovada pela mesma Assembleia Geral, para lhes
conferir maior relevância. Nas duas ocasiões, a proposta foi vetada por algumas
poucas delegações de países desenvolvidos, embora contasse com o apoio da
maioria das demais delegações, inclusive a do Brasil. A alegação é de que tal
discussão poderia afetar a adoção das Diretrizes pelas grandes corporações, que
disso já estariam cogitando. Kopal ainda tentou argumentar, explicando que a
proposta checa vinha, pelo contrário, fortalecer as Diretrizes e de modo algum
enfraquecê-las. Em vão. Algumas das potências espaciais consideravam prematuro
qualquer debate jurídico sobre os detritos espaciais.
Apesar de
sua longa experiência diplomática e do conhecimento acumulado sobre as tendências
e posições das grandes potências, Kopal ficou por alguns instantes aturdido e
desolado. Sua proposta, cuidadosa e logicamente defendida, acabara de ser
derrotada por uma lógica sem pé nem cabeça. Mas ele insistira ao máximo, com a
cabeça fria e pelo simples uso da razão.
Naquele
instante, Kopal deu-nos uma lição de como pensar e agir no mundo de hoje,
quando o absurdo e a insensatez têm presença crescente e arrasadora.
* José
Monserrat Filho é chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da AEB, vice-presidente
da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, e diretor honorário
do Instituto Internacional de Direito Espacial, membro pleno da Academia
Internacional de Astronáutica
1) Lachs, Manfred (1914-1993), Le monde de la
pensée em droit international - theories et pratique, Paris: Ed. Economica,
1989, p. 232; tradução do original em inglês, The Teacher in International
Law - Teachings and Teaching, Países Baixos, Dordrecht: Martinus Nijhoff
Publishers, 1987.
Fonte: Site do Jornal da Ciência da SBPC - 10/02/2014
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