Artigo: Programa Espacial Brasileiro

Olá leitores e leitoras do BS!
 
Segue abaixo um interessante o artigo postado dia (07/06) no site da 'Revista Relações Exteriores' tendo como destaque o Programa Espacial Brasileiro (PEB) e os desafios frente à disputa central do Espaço Exterior e suas possíveis lições a partir do Programa Espacial Indiano.
 
Pois então, esse será um tema que eu e o Prof. Rui Botelho discutiremos na próxima quinta-feira (16/06) durante a realização da nossa coluna semanal ‘ESPAÇO SEMANAL’, fiquem atentos!
 
Brazilian Space 
 
PROGRAMA ESPACIAL BRASILEIRO
 
Os Desafios Frente à Disputa Central do Espaço Exterior e as Possíveis Lições a Partir do Programa Espacial Indiano 
 
Por Tatiana Garcia
7 de junho de 2022 - 08:30 
Fonte: Site da Revista Relações Exteriores - https://relacoesexteriores.com.br
 

O presente artigo se constitui como uma continuidade de pesquisas anteriores da autora focadas na disputa central do Espaço Exterior entre Estados Unidos e China e as dinâmicas coadjuvantes envolvendo a exploração espacial. Porém, está pesquisa tem o objetivo de analisar o histórico do programa espacial brasileiro meio à tudo isso é, principalmente, as possíveis lições que o Brasil pode vir a aprender com os êxitos do programa espacial indiano. 
 
Visto que o Espaço Exterior se estabelece como um domínio de guerra de extrema relevância para as relações internacionais e, também, para o desenvolvimento do poder nacional de um Estado, além de se estabelecer como epicentro da atual disputa central entre EUA e China. Portanto, a exploração espacial torna-se imprescindível para todos as nações que desejam atingir um status no Sistema Internacional, seja de modo regional ou global, em maior ou menor escala. 
 
Neste sentido, é necessário analisar o papel do programa espacial indiano considerando seus êxitos especialmente nos últimos cinco anos e os projetos futuros do país no que tange o setor espacial. Além disso, esta pesquisa propõe uma espécie de comparativo entre os programas espaciais indiano e brasileiro para estabelecer possíveis lições que o país latino-americano pode aprender com o país asiático. Nesse sentido, será utilizado o conceito de Klein (2012) sobre médias potências espaciais e seus interesses. 
 
Para tal, o artigo irá analisar as políticas espaciais de ambos os países e suas respectivas trajetórias históricas relacionadas à exploração do Espaço Exterior. Sendo assim, a pesquisa divide-se em duas seções, a primeira esmiuçando as atividades espaciais indianas, enaltecendo os principais acertos do país de maneira que o levaram a ser considerado por alguns autores como um importante ator no Espaço Exterior.
 
Já a segunda seção pretende analisar o programa espacial brasileiro da mesma maneira, porém estabelecendo quais os erros do país que o colocam distante da posição de ator relevante no setor, inclusive regionalmente. Consequentemente, evidenciando quais os aprendizados podem ser aplicados no Brasil a partir dos feitos indianos. 
 
O PROGRAMA ESPACIAL INDIANO, SEUS ÊXITOS E OBJETIVOS 
 
O início das atividades espaciais indianas teve seu início ainda durante a Guerra Fria com a criação do Comitê Nacional Indiano de Pesquisa Espacial, o INCOSPAR, em 1962. Posteriormente, substituído pela Organização de Pesquisa Espacial (ISRO, em inglês), em 1969. A partir deste momento, as atividades espaciais no país foram institucionalizadas e passaram a responder ao Departamento Espacial Indiano. Segundo Short & Paula (2017), tudo isso foi motivado pelo empenho do cientista espacial indiano Vikram Sarabhai, ao perceber que a exploração espacial poderia fomentar o desenvolvimento do país asiático como um todo.
 
Apesar disso, a Índia não teve uma participação expressiva durante a corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética. De qualquer forma, o país asiático conseguiu realizar algumas missões importantes à época, como o lançamento do satélite Aryabhata, em 1975, uma parceria com a URSS. Este satélite tinha o intuito de explorar as camadas altas da atmosfera terrestre e realizar estudos sobre física solar. Já na década de 1980, a Índia lançou mais um satélite ao Espaço Exterior, mas priorizou o investimento em veículos lançadores.
 
Porém, na década seguinte, o foco dos investimentos foi o programa nuclear indiano, inclusive realizando testes nucleares que levaram à imposição de sanções internacionais impostas ao país asiático. Visto o perigo de uma guerra nuclear considerando que “Índia, Paquistão e China compõem um verdadeiro triângulo de Urânio enriquecido” (ESCOBAR, 1997 apud SHORT; PAULA, 2017, p. 25). Entretanto, apesar das sanções, a economia indiana não parou de crescer.
 
Segundo Bank & Padovani (2014) a Índia apresentou crescimento econômico entre 1992 e 2012, perpassando com índices de crescimentos de 6,7% de crescimento mesmo durante a Crise de 2008. A Índia se adequou às normas comerciais internacionais e se tornou uma economia de mercado, reduzindo o controle estatal na economia do país. Ainda de acordo com Bank & Padovani (2014) isso se deve também ao desenvolvimento tecnológico e a uma espécie de internacionalização dos serviços de tecnologia.
 
Consequentemente, há novamente o desenvolvimento de projetos espaciais na Índia neste mesmo período, em especial a partir de 2008 com a missão Chandrayaan 1 que custou cerca de oitenta milhões de dólares. A Índia ganhou grande destaque com esta missão “pelo investimento aplicado na missão considerado baixo ou comparado com o padrão Ocidental, mais barato que o filme hollywoodiano Gravidade” (SHORT; PAULA, 2017, p. 27).
 
A partir de então, o programa espacial indiano não parou mais. Em 2013, foi lançada a Mars Orbiter Mission e no ano seguinte, houve o desenvolvimento da missão Chandrayaan 2 em parceria com a Rússia. Entretanto, sem sucesso considerando a perda de contato antes da chegada a Lua. Outros projetos importantes do país incluem mais uma missão não tripulada, a Chandrayaan 3 e a missão tripulada intitulada Ganganyaan.
 
Obviamente, a projeção estratégica espacial indiana não faz frente à disputa central atual do Espaço Exterior entre Estados Unidos e China, porém a Índia se encaixa no argumento estabelecido por Klein (2012) referente ao que ele denomina de médias potências espaciais. Para Klein (2012), o principal objetivo das médias potências espaciais seria garantir o acesso e o uso das Linhas Celestiais de Comunicação (LCCs) apoiando os objetivos nacionais em tempos de guerra e paz.
 
Klein (2012) destaca o Space Vision India 2025 por apresentar projetos pragmáticos e ambiciosos ao mesmo tempo. Dentre os projetos estão um sistema baseado em satélites de comunicação e navegação para conectividade – impulsionando o sistema NAVICe também, para questões securitárias; além de projetos para a exploração espacial, voos tripulados, etc.
 
Todos estes projetos seriam uma tentativa de desafiar a liderança regional chinesa e construindo uma espécie de corrida espacial asiática, segundo Klein (2012). Vale ressaltar que a posição indiana em relação às grandes potências espaciais, com a China a competição, com a Rússia de cooperação, da mesma maneira com os EUA. Todavia, para Ajey Lele (2021), membro do Instituto para Estudos de Defesa e Análise (IDSA, em inglês) faltam alguns pontos importantes para impulsionar o programa espacial indiano.
 
Para Ajey Lele (2021), é preciso o desenvolvimento de uma estrutura institucional garantindo a implementação de uma política espacial indiana; o estabelecimento de um comando espacial; a melhoria das capacidades da consciência situacional do Espaço Exterior – rede de radares de alerta para coleta de dados, por exemplo – o desenvolvimento de uma arquitetura legal; o desenvolvimento de tecnologias estratégicas; e, por fim, o desenvolvimento de capacidades contraespaciais.
 
Vale ressaltar que a política espacial indiana tem um caráter antimilitarização, porém o país deve estar preparado para o futuro e para a manutenção da garantia de suas conquistas. De qualquer maneira, é possível observar a evolução do programa espacial no país asiático que, apesar dos percalços trazidos pela pandemia da Covid-19, segue avançando. 
 
AS ATIVIDADES ESPACIAIS BRASILEIRAS E OS DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DE UM PROGRAMA ESPACIAL 
 
O início das atividades espaciais brasileiras também teve início durante a Guerra Fria, mais precisamente na década de 1960 com Jânio Quadros no poder, quando foi criado o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GONAE), órgão ligado ao Ministério da Aeronáutica, ao Centro Técnico da Aeronáutica e, também ao Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Posteriormente, o órgão foi subdividido em dois outros, um responsável pelas atividades militares e outro responsável pelas atividades civis. (RIBEIRO, 2017).
 
Logo em seguida, com a entrada do regime militar, em 1964, foi criado o Grupo Executivo e de Trabalho e Estudos de Projetos Espaciais (GETEPE), depois tornando-se o Instituto de Aeronáutica e Espaço. Um dos maiores feitos do grupo foi a construção do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), em 1965. A partir de então, o Brasil firmou diversas parcerias com a NASA. Porém, a parceria mais importante à época foi o Projeto Anomalia do Atlântico Sul (SAAP, em inglês).
 
O projeto supracitado era uma tentativa da NASA de garantir a segurança das missões Programa Apollo, considerando que a Anomalia do Atlântico Sul é considerada a região do planeta em que há a maior influência da radiação emitida pelo Cinturão de Van Allen, afetando equipamentos em órbita. Um bom exemplo disso é que toda vez que o telescópio Hubble perpassa por esta região não consegue detectar nenhuma informação.
 
Vale ressaltar que aqui já se encontra um ponto que distingue o Brasil da Índia, isto é, o país asiático tentou manter-se neutro durante a Guerra Fria, já o Brasil neste momento apresentava um alinhamento automático aos EUA. Sendo assim, o programa, ou melhor, as atividades espaciais brasileiras foram se construindo pautadas na relação de alinhamento ou pragmatismo.
 
O pragmatismo político foi adotado durante o governo Geisel, momento em que o Brasil fechou importantes parcerias com a China e a Alemanha, algo inimaginável anteriormente. Esta nova postura política atrelada ao desenvolvimento dos estudos no setor espacial, serviram como base da primeira tentativa brasileira de estabelecer um programa espacial, a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB).
 
Implantada na década de 1980, a MECB, almejava a autossuficiência das atividades espaciais no país, segundo Gonçalves (2021). Porém, alguns dos projetos que compunham a MECB só foram concretizados anos mais tarde. Todavia, o que é destacável nesta tentativa é a criação da Política Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) e a construção de uma nova base brasileira, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), em 1983.
 
Posteriormente, com a redemocratização no Brasil e o fim da Guerra Fria, o país latino-americano aproximou -se da China no intuito de desenvolver, fabricar e operar em conjunto satélites de sensoriamento remoto. O Brasil detinha também uma importante parceria com a Alemanha para o desenvolvimento de foguetes, porém o acordo sofreu oposição dos EUA, dificultando o acesso do Brasil a tecnologias sensíveis.
 
No início da década seguinte, o setor espacial também encontrou desafios devido ao confisco da poupança e do pedido de impeachment, seguido da renúncia do então presidente Fernando Collor de Mello. A partir de 1994 com a criação da Agência Espacial Brasileira, o governo Fernando Henrique Cardoso tentou firmar importantes para férias com a Rússia e com a China. Entretanto, o Brasil sofreu pressão estadunidense novamente.
 
Os EUA invocou o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR), em inglês), consequentemente a Rússia concordou em interromper as vendas ao Brasil e governo brasileiro acabou ratificando o MTCR, em 1995. Já a parceria com a China foi mantida e originou os satélites CBERS, lançados em Taiwan por intermédio dos lançadores chineses Long March. Nas décadas seguintes, durante o governo Lula houve uma reaproximação em parcerias com a Rússia e o setor espacial passou a ser considerado um setor estratégico para o desenvolvimento do poder nacional brasileiro, passando a fazer da Estratégia Nacional de Defesa (END).
 
Sendo assim, ficou a cargo da Aeronáutica cuidar do desenvolvimento de projetos estratégicos para o Espaço e, assim, foi criado o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE). Entretanto, há um grande desafio que são os altos custos que envolvem projetos para o Espaço Exterior e, segundo a Política Espacial Brasileira (2010), o histórico das atividades espaciais brasileiras são marcadas pela oscilação de investimentos; pela carência de pessoal capacitado; e pelas falhas na estrutura organizacional.
 
Em 2020, a Agência Espacial Brasileira anunciou que a política espacial nacional seria revista por intermédio de uma proposta intitulada de Estratégia Nacional de Espaço (ENE). Além disso, o governo brasileiro lançou um chamamento público abrindo o CLA para uso comercial, operando a partir de 2022. Contudo, o setor de pesquisas responsável pela captação de recursos e conhecimento na área foi realizado, considerando que o INPE sofreu um corte de 48% nos valores repassados ao Instituto.
 
Além disso, outro grande problema envolvendo o orçamento espacial brasileiro refere-se não só à inconstância, mas também ao baixo investimento no setor. Segundo Melo & Freitas (2021), o Brasil investiu em 2019 em torno de 120 milhões de dólares, ao passo que o investimento indiano foi de quase 2 bilhões de dólares (ver Fig. 1). Ambos os investimentos são extremamente baixos se comparados aos Estados Unidos e à China que somam cerca de 47 bilhões de dólares no setor espacial, mas a Índia se destaca justamente pela continuidade.
 
Fonte: (EUROCONSULT, 2019)
Figura 1 – Investimentos realizados por cada Estado no setor espacial.

Vale ressaltar o lançamento do satélite de sensoriamento remoto Amazônia 1 em 2021, no entanto, é preciso salientar que o CLA não possui estrutura para um lançamento deste porte e o satélite acabou sendo lançado do Centro Espacial Satish Dhawan, na Índia. Fato é que este êxito brasileiro demonstra mais uma inferioridade à capacidade espacial indiana. E, por fim, ainda existem outros desafios que cercam a construção de um programa espacial brasileiro como a necessidade de ampliação do CLA que colocaria em risco a comunidade quilombola que rodeia a base de lançamento brasileira. 
 
Conclusão 
 
Ao término deste artigo foi possível observar num primeiro momento que enquanto, o Brasil manteve um papel mais expressivo do que a Índia durante a Guerra Fria, o país latino-americano não soube manter esse status e os papéis se inverteram. Atualmente, é o país asiático quem vem representando relevância na exploração espacial. Porém, isso é uma consequência tendência dos fatores econômicos mencionados no texto. Enquanto, a Índia apresenta um constante crescimento econômico, o Brasil apresentou inconstâncias econômicas e políticas; além da descontinuidade de projetos através das trocas de nomenclaturas institucionais e, pela mudança de direção em conformidade com o governo em exercício.
 
Em um segundo momento, é inegável a dissimilaridade entre a autonomia entre o desenvolvimento das respectivas atividades espaciais de Brasil e Índia. Nesse sentido, é preciso lembrar que a Índia tentou manter-se neutra durante a Guerra Fria ao passo que o Brasil manteve-se quase sempre em alinhamento automático aos EUA ou então sob pressão da política externa e espacial estadunidense.
 
Por fim, é preciso enaltecer o desenvolvimento tecnológico indiano, em especial tecnologia da informação e, justamente, nesse sentido, a Índia parece ter um objetivo bem claro em relação aos seus projetos e a sua política espacial que corrobora a noção de Klein (2012) e as médias potências espaciais. Em contrapartida, em alguns momentos parece que o Brasil almejava tornar-se um ator relevante na exploração espacial, mas pulando etapas e não observando o resultado do programa indiano, pouco dinheiro, mas bem investido.
 
De nada adianta, o Brasil projetar metas espaciais sem criar bases sólidas para a construção de um programa espacial mais robusto e autônomo. As possíveis bases seriam: investir nos setores de pesquisa para a captação de recursos humanos; garantir a implementação de leis e instituições espaciais nacionais que, de certa forma, não sofram grandes alterações governo após governo – principalmente, considerando o exemplo Índia no que demonstra um investimento constante no setor espacial – e, por fim, estabelecer objetivos no Espaço Exterior mais claros e estratégicos, visando o desenvolvimento do poder nacional como um todo, não apenas para fins militares. Só assim o país assumirá um papel de relevância regional e global. 
 
Referências 
 
BANK, A.; PADOVANI, F. A Índia em transformação: O novo crescimento econômico e as perspectivas pós-crises, Revista de Sociologia e Política, v. 22, n. 50, 2014.
 
GONÇALVES,   L.   Programa    Espacial    Brasileiro:    histórias,    foguetes,   missões. Estratégias                                       Militares,                     2021.                   Disponível                   em: https://www.militares.estrategia.com/portal/guias/aeronautica/programa-espacial- brasileiro/. Acesso em: 28 fev. 2022.
 
KLEIN, J. J. Space Strategy Condiderations for Médium Space Powers, The International Journal of Space Politics & Policy, v. 10, n. 2, 2012, p. 110-125.
 
LELE, A. India’s Perspective on Space Security – PSSI Space Security Guest Lecture, 2021. Disponível em: https://www.pssi.cz/events/21-india-perspective-on- space-security-pssi-security-guest-lecture-with-dr-ajey-lele. Acesso em: 03 mar. 2022. 
 
POLÍTICA         ESPACIAL        BRASILEIRA,        2010.         Disponível         em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/arquivos/politica- espacial/a-politica-espacial-brasileira. Acesso em: 10 mar. 2022.
 
RIBEIRO, R. C. Política Externa Independente e a institucionalização das atividades espaciais no Brasil: histórias cruzadas. Carta Internacional, v. 12, n. 2, 2017.
 
SHORT, K. B. R.; PAULA, P. G. A Odisseia Espacial Indiana: Inspiração para o Brasil? 
HOPLOS, v. 1, n. 1, 2017.

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