Um Segundo Sol
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo publicado na edição 196 (junho de
2012) da “Revista Pesquisa FAPESP” destacando que o espectrômetro de alta
resolução do Observatório Keck, depois de uma bateria de exames refinados,
confirmou que as suspeitas do primeiro diagnóstico de que uma estrela da
Constelação do Dragão é uma 'cópia quase perfeita' de nosso sol estavam corretas,
estudo esse realizado há cinco anos pelo astrofísico peruano Jorge Meléndez do Instituto
de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade São Paulo
(IAG-USP).
Duda Falcão
CIÊNCIA
Um Segundo Sol
Astro da constelação do Dragão é cópia quase perfeita
do objeto celeste que ilumina a Terra
MARCOS PIVETTA
Edição 196
Junho de 2012
© DRüM
A estrela mais parecida com o Sol acaba de passar por uma
bateria de exames refinados. O espectrômetro de alta resolução do Observatório
Keck, no Havaí, decompôs a luz do astro em suas cores constituintes e essas
formas de emissão eletromagnética foram, uma a uma, comparadas com as do Sol.
Os resultados confirmaram as suspeitas do primeiro diagnóstico da estrela,
realizado há cinco anos pelo astrofísico peruano Jorge Meléndez, então na
Universidade Nacional da Austrália e hoje no Instituto de Astronomia, Geofísica
e Ciências Atmosféricas da Universidade São Paulo (IAG-USP). A HIP 56948 é
realmente a melhor gêmea solar que se conhece. A massa, a temperatura
superficial, o raio, o brilho, a composição química, enfim, os principais parâmetros
da estrela são praticamente idênticos aos do Sol. “As diferenças nas medidas
entre as duas estrelas estão dentro de margens de erro bastante aceitáveis”,
diz Meléndez, que estuda o astro com apoio de um projeto financiado pela
FAPESP. “Perto da HIP 56948, as outras gêmeas são apenas primas distantes do
Sol.”
A gêmea solar está localizada no hemisfério celestial
norte, na constelação do Dragão, a meio caminho entre as estrelas Alpha Ursa
Majoris e a Polar, esta última famosa por ser usada desde a Antiguidade como
guia para os navegantes. A HIP 56948, às vezes chamada de HD 101364, se
encontra a 200 anos-luz, algo como 12,6 milhões de vezes mais distante da
Terra do que o Sol. Antes do primeiro estudo comparativo entre a HIP 56948 e o
Sol realizado em 2007, a melhor candidata a clone de nossa estrela-mãe era a 18
Scorpii, situada na constelação boreal de Escorpião. Distante 45 anos-luz da
Terra, essa estrela foi descrita como gêmea solar em 1997 pelo astrofísico
Gustavo Porto de Mello, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Estamos construindo uma pequena tradição no Brasil de estudar gêmeas”, afirma
Porto de Mello, que não participou do trabalho sobre a estrela da constelação
do Dragão.
Além das semelhanças físicas e químicas com o Sol, os
testes com a HIP 56948 revelaram outra característica interessante de seus
arredores. As condições em torno do astro parecem ser compatíveis com a
existência de um conjunto de planetas com arquitetura similar à do sistema
solar, onde pequenos mundos rochosos se situam mais perto da estrela e grandes
planetas gasosos ocupam a zona mais periférica. Esse aparente ponto em comum
com o Sol torna, em tese, a HIP 56948 uma boa candidata a abrigar em sua vizinhança
planetas como a Terra, apesar de ainda não ter sido descoberto nenhum mundo
extrassolar em seu entorno. As conclusões fazem parte de um estudo coordenado
pelo astrofísico da USP e aceito para publicação na revista científica
Astronomy & Astrophysics.
© DRüM
Não há uma definição completa do que seja uma gêmea
solar. Até que ponto uma estrela precisa ser igual ou muito semelhante ao Sol
para receber essa designação é uma questão em aberto. Algumas estrelas são
parecidas com o Sol quando se analisam certos parâmetros, mas distintas sob
outros aspectos. À medida que os astrofísicos obtêm dados mais detalhados sobre
as estrelas, as similaridades e distinções ficam mais evidentes. Por questão de
praticidade e devido a limitações da instrumentação atualmente disponível, a
procura por gêmeas solares se concentra numa área do céu situada a no máximo
300 anos-luz da Terra, onde, de acordo com projeções dos astrofísicos, deve
haver algumas dezenas de gêmeas solares. Essa zona equivale a uma parte ínfima
do Universo. Mas é preciso começar a busca pelo que está mais à mão.
No caso da HIP 56948 e do Sol, os pontos em comum entre
os dois astros são impressionantes. A comparação de uma série de parâmetros
importantes provoca uma espécie de empate técnico entre as estrelas. A massa da
HIP 56948 é, por exemplo, apenas 2% maior do que a do Sol, dentro da margem de
erro da medição feita por Meléndez e seus colaboradores, também de 2%. Seu raio
atinge 687 mil quilômetros, 1,3% menor do que o do Sol. A temperatura média na
superfície das estrelas – em sua camada mais externa, que lhes dá o tom
amarelado – é quase a mesma. Difere em 0,3%. A da gêmea solar é 5.521 °C, 17 °C superior à da Sol. Para efeito de comparação, a
temperatura da 18 Scorpii, a segunda gêmea mais parecida com o Sol, é 54 °C
maior que de nossa estrela-mãe. A diferença de brilho real da HIP e do Sol é
quase imperceptível. A gêmea é 1,4% menos luminosa.
Apesar de todos esses traços quase idênticos, as duas
estrelas apresentam uma diferença de idade significativa, de aproximadamente 1
bilhão de anos segundo os cálculos mais recentes dos pesquisadores. É como se
fossem gêmeas, só que de gerações distintas. O Sol tem 4,57 bilhões de anos. A
HIP 56948, 3,52 bilhões. “Isso não é ruim de forma alguma”, diz o astrofísico
Ivan Ramirez, da Universidade do Texas, outro autor do artigo. “Dessa forma,
podemos estudar como era a evolução do Sol há 1 bilhão de anos.” Há um problema
extra no que diz respeito a esse parâmetro. “Determinar a idade de uma estrela
é algo notoriamente difícil”, pondera Martin Asplund, da Universidade Nacional
da Austrália, outro astrofísico que assinou o trabalho na A&A. “Pode ser
que a HIP 56948 tenha quase a mesma idade do Sol.” Ou seja até mais velha do
que nossa estrela-mãe, ideia defendida em outros estudos científicos, inclusive
num paper mais antigo de Meléndez que, no entanto, se baseava em dados de
qualidade inferior. A margem de erro para esse parâmetro é bem maior do que
para outras propriedades estelares.
© DRüM
A HIP 56948
exibe uma assinatura química similar em grande medida à peculiar composição do
Sol, menos rico em certos metais quando comparado a outros tipos de estrelas. A
gêmea solar também possui uma deficiência de certos elementos, como níquel e
ferro, embora num grau entre 2% e 3% menos acentuado do que o de nossa estrela.
Uma corrente de astrofísicos, entre eles o pesquisador da USP, acredita que o
déficit de alguns metais na composição do Sol possa estar ligado ao processo de
formação dos planetas ao seu redor. Para os adeptos dessa interpretação, uma
parcela do material presente na nuvem primordial de gás que deu origem ao Sol
condensou-se na forma de poeira e posteriormente originou as estruturas
maiores que formaram os planetas, sobretudo os rochosos (Mercúrio, Vênus, Terra
e Marte). Dessa forma, segundo essa linha de raciocínio, nossa estrela “perdeu”
uma fração de sua matéria-prima para dar origem aos planetas do seu entorno.
Por isso acabou com uma quantidade menor de alguns metais em relação ao padrão
usual de ocorrência desses elementos em estrelas.
Se essa
hipótese estiver correta, a melhor gêmea solar conhecida pode ser a casa de um
sistema planetário análogo ao nosso. “Especulamos que talvez a HIP 56948 tenha
um sistema planetário gêmeo ao do Sol”, afirma Meléndez. Por ora, os
pesquisadores não encontraram nenhum mundo gigante e gasoso, do tipo Júpiter,
nas órbitas mais próximas ou na chamada zona habitável ao redor da estrela, a
região em que, devido às condições locais de temperatura, poderia, em tese,
florescer formas de vida nos moldes da existente na Terra. Na busca por novos
mundos em torno da estrela, foram usados dados dos observatórios americanos
Keck, no Havaí, e McDonald, no Texas.
A notícia
parece ruim, mas é boa. Se houvesse um enorme planeta gasoso nas proximidades
da HIP 56948, a chance de existir por ali um pequeno mundo rochoso, como a
Terra, seria quase nula. Devido ao jogo das interações gravitacionais, planetas
de porte avantajado, quando situados nos arredores de sua estrela, tendem a
provocar a destruição dos mundos menores, que são empurrados para fora do
sistema ou para o escaldante interior do astro luminoso. Portanto, não terem
encontrado um Júpiter quente, como são chamados os mundos gasosos situados nas
zonas cálidas próximas das estrelas, foi motivo de alívio para os
pesquisadores.
O método usado para procurar planetas nos arredores da
gêmea solar foi o da velocidade radial, a mais tradicional técnica usada para
esse fim desde meados dos anos 1990, quando se descobriu o primeiro mundo
extrassolar. Desde então, a maioria dos quase 700 exoplanetas conhecidos foi
identificada por meio desse recurso. A velocidade radial mede o efeito
gravitacional exercido periodicamente por um planeta ao passar muito perto de
sua estrela. Grosso modo, a presença do planeta faz a estrela sofrer oscilações
ou perturbações em sua órbita. Quanto maior o mundo ao seu redor, maior o
chacoalhão sentido pela estrela. “Com a instrumentação atual, só conseguiríamos
detectar um planeta 10 vezes maior do que a Terra”, comenta Meléndez, que recentemente
obteve o direito de usar por 88 noites as instalações do Observatório Europeu
do Sul (ESO), no Chile, para observar gêmeas solares.
O Projeto
Influência da formação de planetas na composição química
de estrelas do tipo solar – nº 2010/17510-3
Modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa
Coordenador
Jorge Meléndez – IAG-USP
Investimento
R$ 184.263,76 (FAPESP)
As novas medições ratificaram o status da HIP 56948 como
o astro conhecido mais parecido com o Sol. Num quesito, no entanto, a 18
Scorpii, a estrela que fora destronada cinco anos atrás pela HIP 56948 da
condição de melhor gêmea solar, se mostra mais semelhante ao Sol. “Não há uma
estrela que seja um clone perfeito do Sol. Em função dos parâmetros que
adotamos como referência, uma ou outra estrela pode ser mais similar ao Sol”,
afirma o astrofísico José Dias do Nascimento Jr, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), outro especialista em gêmeas solares. “Se, por exemplo,
levarmos em conta basicamente as características do campo magnético, a 18
Scorpii é mais parecida com o Sol do que a HIP 56948.”
Nossa estrela tem um ciclo magnético mais ou menos
regular. A cada 11 anos, o Sol entra num período de máxima atividade, marcado
pelo aparecimento de um número maior de manchas em sua superfície, vistosas
ejeções de matéria de sua corona (o equivalente à sua “atmosfera”) e explosões
variadas. Os picos de atividade solar são tão fortes que mexem com a vida na
Terra. O clima pode se alterar e as comunicações por satélite e as redes de
transmissão de eletricidade podem sofrer interrupções. O ciclo magnético da 18
Scorpii, cuja idade estimada de 4,2 bilhões de anos é bastante próxima à do
Sol, é da ordem de sete anos. “Ela ainda é uma gêmea solar notável”, diz
Gustavo Porto de Mello, da UFRJ.
Ainda não se sabe qual é o padrão de atividade energética
da HIP 56948, cujos estudos começaram há menos tempo. É possível que seu
ciclo magnético tenha uma periodicidade de cinco a 10 anos. “Se a atividade
magnética na HIP 56948 for extremamente intensa, a chance de haver planetas com
boas condições de vida em torno da estrela são menores”, afirma Nascimento Jr.
No entanto, segundo Meléndez, dados preliminares sugerem que esse parâmetro da
HIP 56948 é similar ao do Sol. “No fundo, estamos tentando descobrir se
estrelas muito parecidas com o Sol tendem a produzir sistemas planetários como
o nosso. Se essa relação realmente existir, encontrar gêmeas solares pode ser
uma forma de descobrir planetas similares à Terra”, diz Porto de Mello.
Artigo Científico
MELÉNDEZ, J. et al. The remarkable solar twin
HIP 56948: a prime target in the quest for other Earths. Astronomy & Astrophysics.
No prelo, 2012.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 196 – Junho de 2012
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