José Raimundo Braga Coelho - Entrevista
Olá leitor!
Segue abaixo uma interessante entrevista com o novo
presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB) José Raimundo Braga Coelho,
publicada na Revista Espaço Brasileiro (Jan – Jun de 2012), sobre os seus
planos para o Programa Espacial Brasileiro.
Duda Falcão
ENTREVISTA
José Raimundo Braga Coelho
Mais Integração, Êxito e Luz
para o Programa Espacial
O matemático José Raimundo
Braga Coelho assumiu o
comando da Agência Espacial
Brasileira (AEB) em 23 de
maio. Ele trabalhou no INPE
por quase 20 anos e enfrentou
muitos e variados desafios ao
lado de Marco Antônio Raupp, hoje
Ministro da Ciência, Tecnologia
e Inovação (MCTI), a quem sucede
na presidência da AEB. Foi
membro da diretoria da Sociedade
Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC) e, desde 2011, vinha
dirigindo o Parque Tecnológico
de São José dos Campos, em São
Paulo. Confira nesta
entrevista algumas ideias fundamentais do
novo líder do Programa
Espacial Brasileiro.
Presidente da AEB
Quais são as novas grandes
linhas do Programa Espacial Brasileiro (PEB)?
Primeiro, estamos construindo
um sistema integrado de gestão para dinamizar o PEB. É obra indispensável.
Nenhum grande problema é resolvido setorialmente. Todos os elementos de um
sistema – instituições, pesquisadores, técnicos e administradores envolvidos
numa tarefa comum – têm que trabalhar em conjunto, aliados, conversar
continuamente entre si, trocar informações, colaborar ativamente uns com os
outros. Esta é a melhor forma de combater os problemas nacionais. É desta
maneira que se fazem satélites e foguetes, assim se faz qualquer coisa,
sobretudo em áreas de grande complexidade científica e tecnológica. É isto o
que estamos empenhados em montar: um sistema integrado de gestão para dar ao
PEB um novo ritmo e um nível mais alto de eficiência e eficácia.
Como montar esse sistema
integrado?
O primeiro passo foi dado. Apresentamos
às autoridades e à área jurídica o plano de integração do INPE à AEB. Há muitas
razões para isso, inclusive históricas. O INPE é unidade executiva de um
segmento importantíssimo das atividades espaciais brasileiras. Onde está o INPE
hoje? Subordinado à Subsecretaria de Unidades de Pesquisa (SCUP) do MCTI, que
tem zero de orçamento e coordena cerca de 20 unidades de pesquisa. Esse é o
melhor lugar para o INPE? Claro que não. O melhor lugar para o INPE é junto à
AEB. Ambos são órgãos dedicados por inteiro às atividades espaciais. Não por
acaso, a maior parte do orçamento do INPE vem da AEB. Essa integração, lógica e
natural, vem consolidar e otimizar um novo sistema gestão do PEB. Ela fortalece
tanto a AEB, como coordenadora do sistema, quanto o INPE, centro de pesquisa
científica e tecnológica fundamental para o sistema. É boa para todos.
Como situar o DCTA neste
sistema?
O Departamento de Ciência e
Tecnologia Aeroespacial (DCTA), com o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) e
outros, é vinculado ao Comando da Aeronáutica e, portanto, ao Ministério da
Defesa. Já começamos a falar sobre procedimentos para uma maior integração com
o DCTA. A primeira tarefa a ser trabalhada é por uma integração prática entre
todas as unidades executoras do PEB. A primeira coisa que fiz como presidente
da AEB foi ir ao DCTA e conversar com suas lideranças. Perguntei se tal prática
os incomodava. Eles disseram que não, de modo algum, e que era justamente isso
o que gostariam que ocorresse. Então, após alcançar êxito na integração do
INPE, unidade ligada ao MCTI, isso poderá, em condições ainda melhores,
despertar o interesse do DCTA e seus institutos por integrar a AEB. São
processos dinâmicos, já ocorreram em muitos países.
Como se dará na prática a
integração AEB-INPE?
A vinculação é formal, mas nós
queremos mais. O ministro Raupp e eu somos aposentados pelo INPE. Trabalhamos
lá muito tempo. Eu passei 20 anos no INPE. Então, vou me aproveitar da
proximidade que tenho com quase todos os profissionais de lá, desde o funcionário
mais simples até os mais graduados, para cultivar uma prática no cotidiano. A
integração se dará sem nenhum demérito para o INPE. Pelo contrário, o INPE
crescerá muito mais com isso. Teremos agora a obrigação de mostrar o que o INPE
significa para o Brasil e trabalhar para que ele melhore ainda mais. Tenho dito
aos amigos do INPE que estamos lá para “pick
up the winners”, buscar e prestigiar os vencedores. Vamos consolidar o
trabalho deles e dar-lhes mais força.
“É isto que estamos
empenhados em montar:
um sistema integrado de
gestão para dar ao PEB um
novo ritmo e um nível alto
de eficiência e eficácia”
Como a integração funcionará
estruturalmente?
O INPE continuará onde esta,
em São José dos Campos, mas agora, creio, com mais participação e entusiasmo de
seus pesquisadores, técnicos e funcionários, graças à dinâmica do trabalho
conjunto. A AEB fará tudo para estar mais perto até fisicamente. Desde a gestão
do ministro Raupp à frente da AEB, estuda-se uma alternativa para que a AEB,
com sede oficial em Brasília, possa funcionar também em São José dos Campos,
onde sua presença é sumamente necessária e requisitada a todo o instante.
Afinal, é lá que as coisas acontecem na área espacial. E devem acontecer cada
vez mais. A presença da AEB é desejo de todos, INPE, DCTA e AEB. Mais que
desejo, é necessidade.
Como ficam nessa integração os
setores industrial e acadêmico?
Para alcançar novas e grandes
conquistas, a academia precisa estar ao lado do setor privado. Não tem sentido
ela e o setor público em geral passarem a vida investindo na mesma coisa. Há
muito o que fazer com as tecnologias já desenvolvidas que não oferecem riscos
por estarem inteiramente dominadas. Assim que o risco diminuir bastante, é hora
de passar o conhecimento obtido a uma empresa privada. A indústria nacional,
quase toda formada por empresas privadas, é vital na luta pela inovação. No
ambiente público, é muito difícil haver desenvolvimento sistemático e
crescente, e, sobretudo grandes inovações. Mesmo que haja, não há o ganho
principal que vem da atividade privada, que possibilita a manutenção e a
garantia de regularidade. Sem envolver a indústria, tanto na área espacial como
nas outras, não há regularidade. Quem está comprometido com a regularidade e a
constância e o setor privado. A indústria espacial brasileira tem que comandar
o processo quando não há riscos tecnológicos. O local padrão no Brasil para se
correr risco no desenvolvimento tecnológico é o setor público. Mas já há casos
em que a empresa privada desenvolve peças importantes com risco, sendo
financiada por agências do governo. Isso também ocorre na área espacial. Nossa
indústria espacial já se considera preparada para assumir a construção de
sistemas completos, agora de satélites e depois de vetores.
O que diria aos empresários,
nesta nova etapa do PEB?
Eu citaria alguns exemplos
para esclarecer bem o cenário que vislumbramos. Vamos, em julho, discutir com
os chineses o futuro do programa CBERS, prevendo o trabalho conjunto entre as indústrias espaciais dos dois
países. Vale reafirmar também a situação que envolve hoje a construção do
primeiro satélite geoestacionário brasileiro de telecomunicações. Ele está sendo
desenvolvido dentro de um ambiente empresarial. Abdica-se do apoio do INPE? De
modo algum. Acordos serão concluídos com o INPE para que participe ativamente
do trabalho. E mais: sempre que o Brasil estiver a fim de criar ou aperfeiçoar
tecnologias espaciais, o mais apropriado e conveniente será contar com o
conhecimento e a experiência dos institutos públicos para isso e a seguir
repassar o know how obtido às
empresas privadas. No caso do CBERS, pelo o qual o Brasil já responde por 50%,
nossa intenção é envolver cada vez mais a industria nacional. Nossas empresas
já têm condições para assumir a maior parte de um grande projeto. Neste
sentido, vamos promover arranjos empresariais que nos permitam exportar o que
fazemos aqui. Há notícias de que o Paraguai quer que o Brasil construa um
satélite para seu uso. Se pudermos montar
joint ventures com outros países, aproveitaremos essa e outras chances.
Entrar e crescer no mercado mundial é plano viável para nós.
E as Universidades?
Já temos alguns bons cursos de
engenharia aeroespacial. Outros virão com certeza. A meta é pôr as
universidades num marco global, ao lado da indústria. Que os reitores pensem
nisso seriamente: a área espacial terá muita demanda, sobretudo quando
completarmos o ciclo inicial com o modelo de empresas integradoras, e pudermos
lançar satélites a partir de Alcântara. A
demanda deverá crescer muito, tanto por satélites quanto por lançadores. Então,
que as universidades preparem novas competentes gerações de recursos humanos.
Vem aí um novo pré-sal, agora no oceano espacial.
Universidades e centros
tecnológicos podem tomar iniciativa na área espacial?
Claro. Na realidade, já estão
tomando. A AEB apoia a iniciativa universitária de construir um microssatélite.
Queremos usar esse satélite para atender às necessidades da Agência Nacional de
Águas (ANA), com qual já firmamos um memorando de entendimento. O satélite
prestará serviços ao Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos
(SNIRH), não será um satélite apenas, mas um conjunto deles, que poderão se
tornar uma constelação. Aí entrará também a nossa indústria, para produzir a
série. Esse caso mostra concretamente como as universidades e os centros
tecnológicos podem e devem ser criativos e gerar soluções espaciais para os
nossos problemas terrenos.
Os 12 governadores da Amazônia
reivindicam um programa espacial para a região. Como vê essa proposta?
É absolutamente pertinente
pensar na Amazônia como se ela fosse um país dentro do Brasil. Então, é
absolutamente pertinente que se encaminhem soluções especiais, inclusive na
área espacial. A Amazônia tem posição e feições específicas. Por exemplo, os
satélites com sensores óticos, que servem muito bem em outras áreas do país,
não servem totalmente aos propósitos da Amazônia, que precisa bem mais do que
sensores óticos, precisa de sensores de micro ondas, sensores de radar e outros
recursos sui generis. Um programa
espacial ajustado às especificidades e complexidade das questões que pressionam
esse gigante chamado Amazônia deve, sim, ser estudado, discutido e construído
com toda a competência disponível no país.
“Para alcançar novas e
grandes conquistas, a
academia precisa estar ao
lado do setor privado”
Qual o papel da cooperação
internacional em nosso Programa Espacial?
A cooperação internacional
própria do nosso tempo, em qualquer área, inclusive e sobretudo nas áreas de
desenvolvimento científico e tecnológico como a espacial, é aquela que garante
o respeito aos direitos e legítimos interesses dos países participantes. Um
modelo histórico disso é o acordo de cooperação espacial com a China, firmado
em 1988 – há 24 anos, portanto. Foi o primeiro acordo sobre tecnologia de ponta
entre dois países em desenvolvimento. Vigora até hoje e descortina promissoras
perspectivas para os próximos anos. Brasileiros e chineses foram capazes de pôr
em prática um algoritmo de desenvolvimento conjunto, em que cada país faz a sua
parte e depois os dois se juntam para discutir o trabalho como um todo. É
curioso, o acordo não fala de transferência de tecnologia. Seria muito difícil
regular isso naquela época, como ainda é hoje. Mas o acordo funciona muito bem.
O chineses aprenderam muita coisa conosco e nós aprendemos muitas coisas com
eles, não só no início como até agora. Aprendemos, sobretudo, uma coisa vital,
a tolerância, porque as nossas diferenças culturais eram e são muitos grandes,
como também é muito grande a distância física que nos separa. Agora, no início
de julho, o Ministro Raupp chefiará importante missão que vai a China,
integrada por dirigentes da AEB e do INPE. Vamos estudar com os chineses o
futuro da nossa colaboração e definir áreas e projetos de interesse mútuo daqui
para frente. Será, sem dúvida, mais um exemplo de parceria estratégica, madura
e responsável. Podemos dizer que somos um país rico em cooperação espacial.
Nossa carteira de atividades internacionais é cada vez mais valiosa.
Desenvolvemos cooperação com países tanto desenvolvidos como em
desenvolvimento. Nos fóruns mundiais, temos atuação ativa, altiva e
comprometida com o acesso de todos os países aos benefícios e conhecimentos
espaciais. Queremos que a indústria brasileira seja, cada vez mais,
beneficiária dos frutos desse nosso esforço internacional. Nossa preocupação
central no setor é que as interações com outros países obedeçam sempre às
regras de ouro do interesse mútuo e do desenvolvimento tecnológico conjunto.
Porque só assim ninguém explora ninguém e todo mundo sai ganhando.
Como vê o potencial de
Alcântara?
É gigantesco. Precisamos
aproveitar esse potencial com sabedoria, competência e criatividade. O Centro
de Lançamento de Alcântara (CLA), capaz de promover todo o tipo de lançamento
com invejável nível de segurança, eficiência e economia, tem tudo para ser
fonte inesgotável de riquezas e de fomento ao desenvolvimento científico e
tecnológico para a região, para o país, para nossas instituições e empresas.
Estamos hoje empenhados em realizar obras e projetos de alta relevância em
Alcântara. Temos de transformá-la em um local de investimentos de grande
interesse público e privado. Em Alcântara, há tarefas a cumprir de curto, médio
e longo prazo. Urge que sejamos proativos em todas elas.
Como dar ao programa espacial
os recursos humanos de que carece?
Vamos nos valer do programa
“Ciência sem Fronteiras”, coordenado pelo CNPq, para fomentar em escala
crescente a formação de recursos humanos especializados nas áreas espaciais
mais necessárias aos nossos projetos, sejam eles de instituições ou de
empresas. Pensamos também em criar bolsas específicas para certas atividades
espaciais críticas. Queremos ver nossos universitários estudando em
instituições de ensino e pesquisa da França, Alemanha, China, Ucrânia, Rússia,
Estados Unidos, Índia, entre outros. Ao mesmo tempo, precisamos trazer de volta
os nossos engenheiros, que, neste momento, trabalham nesses países e têm muita
vontade de regressar ao Brasil.
Como dar mais luz, isto é,
mais orçamento ao programa espacial, conforme o seu discurso de posse?
O Brasil é movido por uma
chama ardente chamada sucesso. Ainda que comece pequena, se ele crescer, vai
logo chamar a atenção e atrair muita gente interessada. O Ministro Raupp e eu,
nessa comunhão de espírito que nos une e já tem cerca de 40 anos, sempre
observamos esse processo em muitos projetos. E constatamos: o orçamento, em
grande parte, é fruto disso. Daí que faremos todo o esforço para ir alcançando
êxitos constantes até chegar à luz almejada. Temos de conquistar a simpatia e o
apoio da população brasileira, que ainda não entende bem a importância, a
utilidade e a necessidade do programa espacial. Vamos fazer um grande esforço
neste sentido. Vamos mostrar à população os benefícios e vantagens das
atividades espaciais, especialmente para um país gigantesco e rico como o
nosso. Co o apoio da sociedade, com a opinião pública convencida de que o
programa espacial deve ser uma prioridade da nação, haverá maiores possibilidades
de conseguir todos os recursos necessários para desenvolvê-lo ao máximo. Então,
precisamos obter sucesso e conquistar a população. Esse é o interruptor com o
qual acenderemos a luz, que é o orçamento.
Qual é o impacto das parcerias
público-privadas no orçamento espacial?
O modelo que criamos para
fazer o primeiro satélite geoestacionário brasileiro de telecomunicações é uma ideia
iluminada. A parceria público-privada pode realizar uma obra essencial com mais
velocidade e eficiência. A aliança Embraer-Telebrás pode atrair mais
investimentos privados, estimular mais projetos espaciais importantes. Há que
fazer o mesmo com os avanços de nossos projetos de longo prazo, como o CBERS.
Em novembro próximo, lançaremos o CBERS-3. Todo o país precisa saber disso com
detalhes, passo a passo. Temos que mostrar isso à população, à opinião pública,
ao Congresso Nacional. É por ai que chegaremos a uma luz cada vez mais
luminosa. O PEB não precisa ser perfeito, basta ser melhor, cada vez melhor!
Fonte: Revista Espaço
Brasileiro - num. 13 - Jan a Jun de 2012 - págs. 05, 06 e 07
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