Estudo Internacional Com Participação Brasileira Indica Que Sistema Solar Adquiriu Cedo Sua Configuração Atual
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo postado hoje (17/04) no site da Agência
FAPESP destacando que um estudo internacional com participação de três
pesquisadores brasileiros da Universidade Estadual Paulista (UNESP) indica que
o nosso Sistema Solar adquiriu cedo sua Configuração Atual.
Duda Falcão
NOTÍCIAS
Sistema Solar Adquiriu Cedo Sua
Configuração Atual
Por José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
17 de abril de 2020
(Imagem: NASA)
A hipótese de que o Sistema Solar se originou a partir de
uma gigantesca nuvem de gás e poeira remonta à segunda metade do século 18 e
hoje é consensual entre os astrônomos. Foi proposta pelo filósofo alemão
Immanuel Kant (1724-1804) e desenvolvida pelo matemático francês Pierre-Simon
de Laplace (1749-1827). Graças à formidável massa de dados observacionais,
aportes teóricos e recursos computacionais disponíveis atualmente, tem recebido
sucessivos desenvolvimentos.
Mas esse processo não é linear, nem livre de
controvérsias. Até há pouco, acreditava-se que o Sistema Solar havia adquirido
as feições atuais a partir de um período turbulento ocorrido cerca de 700
milhões de anos depois de sua formação. Mas estudos recentes indicam uma
estruturação bem mais precoce, que teria acontecido na faixa dos primeiros 100
milhões de anos, e, com maior probabilidade ainda, entre 10 e 60 milhões de
anos. Um artigo publicado na revista Icarus, intitulado
“Dynamical evidence for an early giant planet instability”, fornece evidências
robustas a favor da estruturação precoce.
O estudo teve a participação de três pesquisadores da
Universidade Estadual Paulista (UNESP) em Guaratinguetá: Rafael Ribeiro de Sousa (primeiro autor), André Izidoro Ferreira da Costa e Ernesto Vieira Neto (orientador).
O projeto recebeu apoio da FAPESP por meio de Bolsa de Doutorado e Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior concedidas a
Ribeiro; de Bolsa Apoio a Jovens Pesquisadores e de Auxílio a Pesquisa Apoio a Jovens Pesquisadores
concedidos a Izidoro; e do Projeto Temático “A relevância dos pequenos corpos em dinâmica orbital”,
coordenado por Othon Cabo Winter.
“A grande quantidade de detalhes hoje conhecidos pelas
observações do Sistema Solar permite definir com precisão as trajetórias dos
muitos corpos que orbitam o Sol. E essa estrutura orbital nos possibilita
escrever a história da formação do sistema. A partir da nuvem de gás e poeira
que circundava nossa estrela há cerca de 4,6 bilhões de anos, os planetas
gigantes foram formados em órbitas mais próximas umas das outras e também mais
próximas do Sol. Essas órbitas eram também mais coplanares e mais circulares do
que as atuais. E estavam vinculadas entre si em sistemas dinâmicos ressonantes.
Esses sistemas estáveis são os resultados mais prováveis da dinâmica
gravitacional de planetas em formação com disco de gás protoplanetário”, disse
Ribeiro à Agência FAPESP.
A descrição foi esmiuçada por Izidoro: “Os quatro
planetas gigantes – Júpiter, Saturno, Urano e Netuno – cresceram no disco de
gás e poeira em órbitas mais compactas. Seus movimentos exibiam uma forte
sincronia devido a cadeias de ressonância. Assim, enquanto Júpiter completava
três voltas ao redor do Sol, Saturno completava duas. E todos os planetas
estavam envolvidos nessa sincronia, produzida pela dinâmica do disco gasoso
primordial e pela dinâmica gravitacional dos próprios planetas.”
Ao longo de toda a região de formação do Sistema Solar
externo, que inclui a zona situada além das órbitas atuais de Urano e Netuno, o
Sistema Solar possuía, porém, uma grande população de planetesimais – pequenos
corpos de rocha e gelo que são considerados os blocos de construção dos
planetas e os precursores dos asteroides, cometas e satélites. E o disco
exterior de planetesimais passou a perturbar o equilíbrio gravitacional do
conjunto.
Assim, após a fase do gás, as ressonâncias foram
quebradas. O sistema entrou em uma etapa caótica, com interações violentas
entre os planetas gigantes e até mesmo com ejeções de planetas para o espaço
exterior. “Plutão e seus vizinhos de gelo foram lançados para a região onde se
encontram atualmente, no Cinturão de Kuiper. E o conjunto dos planetas migrou
para órbitas mais distantes do Sol”, conta Ribeiro.
A existência do Cinturão de Kuiper foi proposta em 1951
pelo astrônomo holandês Gerard Kuiper (1905-1973) e confirmada por observações
astronômicas posteriors. TRata-se de uma estrutura toroidal, semelhante a um
pneu, formada por milhares de pequenos corpos que orbitam o Sol, com uma
diversidade de órbitas nunca vista em outras regiões do Sistema Solar. Sua
borda interior localiza-se onde fica atualmente a órbita de Netuno, a 30 unidades
astronômicas de distância do Sol – sendo a unidade astronômica (UA)
aproximadamente igual à distância média da Terra ao Sol. A borda exterior
situa-se a cerca de 50 UA do Sol.
De volta à quebra de sincronia e ao desencadeamento da
fase caótica, a questão é saber quando isso ocorreu. Se em uma etapa muito
inicial, quanto o Sistema Solar tinha 100 milhões de anos ou até menos, ou em
uma fase posterior, quando os planetas já tinham uma certa idade, provavelmente
em torno de 700 milhões de anos.
“Até recentemente, a hipótese da instabilidade tardia
predominava. A datação de rochas da Lua, coletadas por astronautas
do Projeto Apollo, sugere que elas teriam sido criadas por impactos
severos e simultâneos de vários asteroides e cometas na superfície lunar. Este
cataclismo é conhecido como ‘Bombardeamento Tardio da Lua’. E, se aconteceu na
Lua, teria acontecido também na Terra e nos demais planetas terrestres do
Sistema Solar. Como no período de instabilidade planetária muito material, na
forma de asteroides e cometas, foi lançado em todas as direções do Sistema
Solar, deduziu-se, a partir da idade das rochas trazidas da Lua, que esse
período caótico teria ocorrido tarde. Porém, nos últimos anos, a história do
‘Bombardeamento Tardio da Lua’ vem perdendo crédito”, afirma Ribeiro.
Conforme o pesquisador, se houvesse ocorrido, a
catástrofe caótica tardia poderia ter destruído a Terra e os demais planetas
terrestres do Sistema Solar. Ou provocado perturbações que os teriam colocado
em órbitas totalmente diferentes das atuais. Além disso, descobriu-se que as
rochas trazidas pelo Projeto Apollo foram produzidas por um único
impacto – o que não seria de esperar se elas tivessem sido originadas por uma
grande instabilidade planetária tardia. Esta teria gerado vários impactos
diferentes, em função do espalhamento dos planetesimais pelos planetas
gigantes.
“Nosso trabalho partiu da ideia de que a datação da
instabilidade deve ser buscada de maneira dinâmica. A única maneira de que essa
instabilidade pudesse ter ocorrido tardiamente seria se, no momento em que o
gás acabou, houvesse uma distância relativamente grande entre a borda interna
do disco de planetesimais, isto é, do disco de acreção planetária, e a órbita
de Netuno. E essa distância relativamente grande não se sustentou no âmbito de
nossa simulação”, sublinha Ribeiro.
O argumento é fácil de compreender. Quanto menor a
distância, maior a influência gravitacional entre Netuno e o disco de
planetesimais. Portanto, mais precoce o período de instabilidade. Inversamente,
uma instabilidade tardia requer que a distância seja grande.
“O que fizemos foi esculpir, pela primeira vez, o disco
de planetesimais primordial. Para isso, tivemos que voltar à formação dos
próprios planetas gigantes de gelo, Urano e Netuno. A partir de um modelo
construído pelo professor Izidoro em 2015, realizamos simulações computacionais
que mostraram que a formação de Urano e Netuno pode ter sido oriunda de
embriões planetários com as massas de algumas Terras. As colisões gigantescas
dessas superterras explicariam, por exemplo, o fato de Urano ter seu eixo de
rotação tombado”, diz o pesquisador.
Trabalhos anteriores já haviam evidenciado a importância
da distância entre a órbita de Netuno e a borda interior do disco de
planetesimais. Mas esses trabalhos partiam de um modelo em que os quatro
planetas gigantes já estavam formados. “A novidade trazida pelo trabalho atual
é que o modelo não se inicia com os planetas completamente formados, mas
considerou Urano e Netuno ainda em fase de crescimento. E esse crescimento
teria ocorrido a partir de duas ou três colisões de objetos com até cinco vezes
a massa da Terra”, afirmou Izidoro.
“Imaginemos uma situação em que Júpiter e Saturno já
estejam formados, mas que, em vez de Urano e Netuno, tenhamos de cinco a 10 superterras.
Essas superterras seriam forçadas pelo gás a entrar na mesma sincronia de
Júpiter e Saturno. Porém, como são numerosas, eles entrariam e sairiam,
eventualmente colidindo. Devido às colisões, seu número seria reduzido,
possibilitando a sincronização. No final, sobraram Urano e Netuno”,
diz Izidoro.
E prossegue: “Durante a fase em que os dois gigantes de
gelo estavam evoluindo no gás, o disco de planetesimais também foi sendo
consumido. Parte do material foi agregada a Urano e Netuno, parte enviada para
longe, para os confins do Sistema Solar. Assim, o crescimento de Urano e Netuno
definiu a posição da borda interna do disco de planetesimais. O que sobrou
desse disco compõe atualmente o Cinturão de Kuiper. Este é basicamente uma
relíquia que sobrou do disco de planetesimais primordial, que era muito mais
massivo”.
O modelo proposto é consistente com as órbitas atuais dos
planetas gigantes e também com a estrutura observada no Cinturão de Kuiper. É
consistente ainda com o movimento dos Troianos, asteroides que compartilham a
órbita de Júpiter, e que teriam sido capturados durante a quebra do
sincronismo.
Em trabalho publicado em 2017, os pesquisadores
estudaram Júpiter e Saturno ainda em formação, com seu crescimento
contribuindo para o deslocamento do Cinturão de Asteroides (leia mais em agencia.fapesp.br/26403/). O trabalho atual é uma
espécie de continuação, que parte de um estágio em que Júpiter e Saturno já
estão completamente formados, mas com seus movimentos ainda sincronizados. E
descreve a evolução do Sistema Solar a partir daí.
“A interação gravitacional entre os planetas gigantes e o
disco de planetesimais produziu perturbações no disco de gás, que se propagaram
como ondas. Essas ondas geraram sistemas planetários compactos e síncronos.
Quando o gás acabou, as interações entre os planetas e o disco de planetesimais
romperam o sincronismo e deram origem à fase caótica. Levando em conta tudo
isso, descobrimos que não houve nenhuma condição para que a distância entre a
órbita de Netuno e a borda interna do disco de planetesimais se tornasse
suficientemente grande para sustentar a hipótese da instabilidade tardia. Esta
foi a grande contribuição do nosso trabalho: mostrar que a instabilidade
aconteceu no patamar da primeira centena de milhões de anos, e que poderia ter
ocorrido, por exemplo, antes da formação da Terra e da Lua”,
conclui Ribeiro.
O artigo Dynamical evidence for an early giant planet
instability pode ser acessado em www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0019103519301332.
Fonte: Site da Agência FAPESP - http://agencia.fapesp.br
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