Trágica Interrupção
Olá leitor!
Dando sequência a ‘série especial’ com os artigos e
matérias postadas na edição de nº 25 do “Jornal do SindCT” de setembro de 2013,
que trata do programa do VLS-1 e do trágico acidente com os 21 heróis de
Alcântara, segue abaixo agora o
sétimo e último dos artigos, finalizando
assim essa série.
Duda Falcão
Opinião
Trágica Interrupção
Gino Genaro*
Jornal do SindCT
Setembro de 2013
O acidente
com o foguete Veículo Lançador de Satélites (VLS), no centro de lançamento de
Alcântara, no Maranhão, que vitimou 21 técnicos e engenheiros do então Centro
Técnico Aeroespacial (CTA), acaba de completar dez anos. Além de ser um momento
importante para se homenagear estes servidores que perderam suas vidas enquanto
atuavam em missão oficial em prol do desenvolvimento tecnológico do país, é
também um momento para se avaliar o que aconteceu de relevante nesta década no
âmbito do Programa Espacial Brasileiro (PEB).
Em
primeiro lugar é importante lembrar que, no período que antecedeu a tragédia de
Alcântara, os recursos públicos destinados ao PEB sempre estiveram muito aquém
da necessidade dos projetos, em particular ao longo da década de 1990.
Neste
período, o orçamento médio anual destinado à execução do Plano Nacional de
Atividades Espaciais (PNAE) não chegou a US$ 50 milhões, muito pouco se
comparado ao orçamento de agências espaciais de países do porte do Brasil, como
China, com um orçamento de US$ 500 milhões, e Índia, com US$ 815 milhões
(apenas a título de referência, a agência norte-americana Nasa tem um orçamento
anual de US$ 17 bilhões). Levando-se em conta que, deste total, apenas uma
pequena parcela era destinada especificamente ao desenvolvimento do VLS,
pode-se concluir que o projeto praticamente “vegetou” ao longo daquela década.
A
partir de 2003, logo após o acidente com o VLS, o orçamento do PNAE sentiu uma
melhora, atingindo nos últimos dez anos o patamar médio de US$ 100 milhões
anuais, valor ainda muito distante da necessidade que um programa desta
natureza exige.
Outro
fato que merece destaque diz respeito à carência de recursos humanos nos
institutos públicos de pesquisa responsáveis pela execução do programa
espacial, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o DCTA. As
décadas de contratações descontinuadas, com a abertura insuficiente de vagas
para concursos públicos, além do crescimento do número de aposentadorias,
levaram a uma dramática redução de pessoal, comprometendo diretamente a
capacidade destas instituições de levarem a cabo sua missão.
“Atalho”
duvidoso Mas o que dizer especificamente do desenvolvimento do VLS,
tragicamente interrompido em 2003? O que mudou nestes dez anos? Infelizmente
avançamos muito pouco, sendo que em alguns casos retrocedemos. Basta dizer que
a reconstrução da torre de lançamento do foguete em Alcântara levou dez anos
para ficar pronta. Nestes dez anos, nenhum outro voo de teste foi realizado com
o VLS, e há fortes indícios de que um novo teste com o foguete completo
dificilmente acontecerá nos próximos anos.
É
importante que se diga que na história dos programas espaciais de países que
assumiram o desafio de obter acesso autônomo ao espaço, não existe registro de
algum que tenha levado tantas décadas para alcançar seu objetivo. Na tentativa
de buscar um “atalho” para se obter acesso ao espaço, o governo brasileiro
criou em agosto de 2006, em cooperação com o governo da Ucrânia, a binacional
Alcantara Cyclone Space (ACS), com o objetivo de se fazer lançamentos
comerciais de satélites de pequeno e médio porte utilizando-se um foguete
ucraniano, lançado a partir da base de Alcântara.
Tal
iniciativa, além de não prever a transferência de tecnologia para que o Brasil
um dia possa desenvolver seu próprio veículo lançador — já que o tratado de
salvaguardas celebrado entre os dois países proíbe explicitamente esta troca de
conhecimento — ainda drena os parcos recursos do PEB destinados ao
desenvolvimento do VLS. Só para se ter uma ideia, no período 2007-2013 os
gastos diretos do governo federal com o programa espacial somaram US$ 900
milhões (ver gráfico na p. 9). Deste total, foram destinados ao VLS US$ 51,1
milhões.
Em
contrapartida, neste mesmo período a ACS consumiu dos cofres públicos um total
de US$ 220,8 milhões, utilizados na capitalização da empresa. Estes números
evidenciam que, para o governo, o programa VLS perdeu sua importância, com a
ACS levando quatro vezes mais recursos do que o projeto do foguete nacional.
Rotatividade Por fim, há ainda as dificuldades relacionadas aos aspectos
gerenciais e administrativos do programa VLS, em particular, e do programa
espacial, em geral.
O
programa VLS tem como órgão executor o DCTA, vinculado ao Comando da
Aeronáutica. Por conta disso, a gerência do programa é exercida por militares
durante curtos períodos de tempo, sendo constantemente substituídos à medida em
que vão ascendendo na hierarquia da corporação.
Considerando
que projetos complexos e de longa duração como o VLS requerem equipes perenes e
experientes, em particular nos postos de comando, a rotatividade de cargos da
carreira militar em nada contribui para o bom andamento do programa. O mesmo
acontece com a própria Agência Espacial Brasileira, responsável pela condução
do PEB.
Apesar
de ser uma autarquia do governo federal comandada por civis, na prática vem
servindo como moeda de troca junto aos partidos que compõem a base aliada do
governo no Congresso Nacional. Isto explica o porquê de nestes dez anos a AEB
já ter tido sete presidentes, com mandatos que têm durado, em média, um ano e
meio cada. Mais do que nunca é preciso que o Estado brasileiro adote uma
política clara e objetiva para a área espacial.
Além
de investimento maciço e continuado de recursos e da abertura de concursos
públicos para a recomposição das equipes técnicas, é preciso ter coragem e
vontade política para se fazer as reformas administrativas que o programa
necessita, assim como pôr fim às tentações de se buscar “atalhos”, que ao fim e
ao cabo somente têm servido para desperdiçar recursos públicos e tirar o foco
daquilo que é o mais importante, a autonomia do país no acesso ao espaço.
Ou o
governo assume esta tarefa, ou estará passando um claro recado à sociedade de
que, na prática, o sonho do VLS acabou, só restando discursos e parcos
recursos.
* Gino Genaro é
doutor na área de radiação térmica, tecnologista do INPE e secretário de
formação sindical do SindCT
Fonte: Jornal do SindCT - Edição 25ª - Setembro de 2013
Comentário: Bom caro leitor, está ai o final dessa série de
artigos, e espero que os mesmos possam estimular um grande debate entre todos
os players que realmente estão interessados com o programa, pois o que está
agora em jogo é a sobrevivência do próprio PEB, pois se algo não for feito,
evidentemente nada mudará. Entretanto, isso passa por uma mudança de postura
saindo da total passividade, para uma atitude mais agressiva de cobrança junto
ao governo e Congresso Nacional e seus energúmenos de plantão, caso contrário
vocês estarão colaborando com o trágico e vergonhoso fim de uma história
surgida há mais de 50 anos da visão de pessoas que realmente acreditavam no
Brasil. E aí, vocês também acreditam?
Pelo fato de eu ser habilitado em: Engenharia Mecânica (ITA 77), Extensão Universitária em Engenharia de Armamento Aéreo, (ITA 84) e Engenharia de Segurança do Trabalho (FEI 95), eu criei a página cuja URL é: < http://dallapiazza.wordpress.com >, para orientar os atuais e futuros engenheiros aeroespaciais, formados ou não pelo ITA, sobre os riscos e medidas preventivas que devem ser adotadas nestas atividades de lançamento de foguetes.
ResponderExcluirAtenciosamente
Eng Emiliano