Brasil e China Podem Ampliar Cooperação em CT&I
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo escrito por José Monserrat Filho e postado hoje (21/06) no site do “Jornal da Ciência” da SBPC destacando que o Brasil e China podem ampliar muito mais sua cooperação em CT&I.
Brasil e China Podem Ampliar Muito Mais sua Cooperação em CT&I
José Monserrat Filho*
Jornal da Ciência
21/06/2010
O Brasil decidiu reatar relações diplomáticas com a China apenas em 1975 - depois que os Estados Unidos já o tinham feito. Mas, nestes 35 anos, aconteceu algo incrível e irônico ao mesmo tempo. A China ultrapassou os Estados Unidos como principal parceiro comercial do Brasil.
Hoje, Brasil e China mantêm um regime de "parceria estratégica", aprovado de comum acordo em 1993 e motivo de orgulho para ambos. Cabe lembrar: eles assumiram este status especial em momento decisivo, buscando superar a primeira grande crise de seu relacionamento.
Em 1993, urgia salvar o programa espacial sino-brasileiro, adotado em 1988 e bem-sucedido nos primeiros anos - como primeiro acordo entre países em desenvolvimento envolvendo alta tecnologia -, mas quase cancelado no período de 1990 e 1991, por inadimplência do Brasil, sobretudo.
Restaurada a cooperação espacial, foram lançados, em período relativamente curto, três satélites da série CBERS - China-Brasil Earth Resources Satellite (Satélite Sino-Brasileiro de Observação de Recursos Naturais da Terra): o CBERS-1, em 1999; o CBERS-2, em 2002, e o CBERS-2B, em 2007.
O Brasil converteu-se em país sensoriador, perito em sensoriamento remoto por satélite - essencial para monitorar toda Amazônia. Mais ainda: tornou-se o maior distribuidor de imagens de satélite do mundo, abrindo acesso gratuito e fácil a todos os dados do CBERS. Basta baixar pela internet. Ao mesmo tempo, sistemas especiais de distribuição de imagens CBERS estão sendo montados para a América Latina e Caribe, e para a África.
Mas surgiu um problema: o CBERS-2B - lançado para impedir qualquer interrupção da cobertura entre o fim do CBERS-2, ocorrido este ano, e o início de funcionamento do CBERS-3 - acabou concluindo sua vida útil sem que o CBERS-3 tivesse sido lançado. Hoje não há nenhum CBERS ativo em órbita. O CBERS-3, que está sendo montado no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos, SP, deve ser lançado só em 2011. E o CBERS-4, em 2014.
O lançamento do CBERS-3 atrasou-se, principalmente porque o Brasil teve dificuldades de comprar no mercado mundial componentes para esse satélite, bloqueados pelos Estados Unidos por se tratar de satélite construído junto com a China. Washington estabelece restrições no comércio com a China de matérias consideradas sensíveis (uso duplo, para fins pacíficos e militares).
Não obstante, a cooperação espacial segue em frente. Mas o que ela mais precisa hoje é ganhar novos espaços. Avanço significativo seria a construção conjunta de um satélite radar, que pode observar a terra em condições bem melhores, varando barreiras climáticas. Este parece ser o maior desafio nas negociações atuais na área espacial entre os dois países. O acordo em torno de um satélite radar sinalizaria mudança qualitativa de patamar no programa sino-brasileiro.
Entretanto, já há clara consciência de que a colaboração Brasil-China não pode se limitar ao programa espacial. Nessa linha, em 2004, os dois países criaram o Comitê de Coordenação e Cooperação de Alto Nível (Cosban), de ampla abrangência. Em 2009, durante a visita à China do presidente Lula, aprovou-se o primeiro Plano de Trabalho em Ciência, Tecnologia e Inovação.
E, em abril deste ano, quando da visita ao Brasil do presidente da China, Hu Jintao, adotou-se ambicioso Plano de Ação Conjunta para cinco anos (2010-2014), visando diversificar e intensificar o trabalho conjunto dos dois países.
O Plano de Ação fixa sete objetivos gerais, dos quais destaco quatro: 1) "Ampliar e aprofundar as relações bilaterais em todas as áreas"; 2) "Coordenar melhor as iniciativas de cooperação em todas as áreas da Parceria Estratégica Brasil-China, bem como todos os seus instrumentos institucionais"; 3) "Estabelecer metas precisas e objetivas em cada uma das áreas de cooperação, baseadas em iniciativas específicas"; e 4) "Adotar visão estratégica sobre as relações bilaterais, a médio e longo prazo, diante dos desenvolvimentos na arena internacional".
Traduzido em miúdos, este último objetivo significa reconhecer que as relações Brasil-China podem ter implicações estratégicas na arena internacional. Isso não é nada trivial em matéria de presença ativa e protagonismo no mundo complexo do século XXI.
O Plano de Ação, além do mais, valoriza o papel do Subcomitê de Ciência e Tecnologia do Cosban, logo renomeado como "Subcomitê de Ciência, Tecnologia e Inovação". Afinal, a inovação no setor produtivo - e em toda a sociedade humana - é o grande desafio do nosso tempo.
Eis as áreas prioritárias do Plano de Ação: bioenergia e biocombustíveis, nanotecnologia e ciências da agricultura. O compromisso, aí, é de fortalecer a transferência de tecnologia e a realização de projetos conjuntos de pesquisa. No futuro, já se admite acrescentar as áreas de pesquisa e desenvolvimento na indústria têxtil, e de ensino e popularização da ciência.
Cabe salientar cinco importantes projetos de cooperação em curso hoje:
1) Programa de Bioenergia e Biocombustíveis, implementado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro através do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ); Universidade de Tsinghua; Academia de Ciências da Agricultura de Guangxi; e Academia Chinesa de Ciências da Agricultura Tropical (Catas);
2) Centro Brasil-China de Inovação Tecnológica para a Mudança de Clima e Novas Energias, em criação pela UFRJ e Universidade de Tsinghua para realizar projetos de pesquisa destinados a reduzir as emissões de gás estufa e a identificar novas fontes para biodiesel. O Brasil está investindo nesta iniciativa cerca de R$ 1,4 milhão, como ajuda inicial;
3) Centro Bilateral de Pesquisa e Inovação em Nanotecnologia, criado em 2009, com início de funcionamento marcado para este ano, devendo estudar, entre outras, as áreas de nanometrologia, encapsulação de medicamentos e nanomateriais;
4) Programa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Academia Chinesa de Ciências da Agricultura (CAAS) para criar laboratórios especializados em ambos os países, com pessoal próprio e com a missão de promover pesquisas básicas e aplicadas em biocombustíveis, biotecnologia e genética de plantas; e
5) Intercâmbio Acadêmico entre a Universidade Federal de Viçosa (Minas Gerais) e a Universidade de Agricultura de Pequim, a ser firmado em breve, para fomentar a cooperação nos campos de ensino e pesquisa em ciência, tecnologia e inovação em áreas agrícolas. Como parte do programa, as duas instituições planejam criar o Instituto Internacional de Segurança Alimentar e Redução da Pobreza, com a ativa participação de organizações intergovernamentais internacionais.
Assim, Brasil e China já têm breve mas produtiva história. Hoje, vislumbram larga e rica perspectiva de cooperação diversificada. Seu potencial vai bem além do que se vê em nossos dias. Brasileiros e chineses podem fazer muito mais do que fizeram até agora. E tudo para seu próprio bem e, tomara, em benefício também de um mundo mais inteligente, mais justo e mais próspero para toda a comunidade mundial, que disso precisa como o ar que respiramos.
*José Monserrat Filho é chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério da Ciência e Tecnologia. Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail"
Fonte: Site do Jornal da Ciência da SBPC de 21 de junho de 2010
Comentário: Para quem não sabe, eu sou um grande admirador do trabalho do senhor José Monserrat Filho. No entanto, restringindo-me a parte do seu artigo que trata da tecnologia espacial, sou obrigado a discordar da visão simplista dele quando diz que o acordo em torno de um satélite radar com a China sinalizaria uma mudança qualitativa de patamar no programa sino-brasileiro. O senhor me desculpe, mas a cooperação espacial entre Brasil e China está bem aquém do que se poderia realizar e não seria com a inclusão do desenvolvimento de um simples satélite radar que faria essa parceria ganhar um salto qualitativo. Mesmo não sendo um profissional da área, posso identificar aqui e agora através desse comentário algumas ações que certamente daria o salto qualitativo ao qual o senhor de referiu, transformando o simples acordo sino-brasileiro de satélites num verdadeiro acordo de cooperação espacial. Exemplos como projetos conjuntos de astronomia espacial (sondas), pesquisas conjuntas em alta e baixa atmosfera com foguetes de sondagem, pesquisas espaciais desenvolvidas entre universidades de ambos os países, spacecamps entre estudantes brasileiros e chineses, lançamentos de balões científicos, troca de especialistas em áreas complementares por período pré-definido, participação de pesquisas brasileiras na futura estação espacial chinesa, ou seja, os exemplos são inúmeros senhor Monserrat, inclusive até mesmo uma missão tripulada brasileira numa das naves chinesas, poderia ser agendada, se assim fosse do interesse brasileiro. Os campos de cooperação senhor Monserrat entre países no setor espacial são inúmeros e nunca explorados pelo Programa Espacial Brasileiro, nem com a China ou com qualquer outro país. Assim sendo, perdoe-me, mas sou obrigado a discordar do senhor.
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