Artigo: 20 Anos Após Alcântara, País Segue Longe de Ter Lançador
Olá leitores e leitoras do BS!
Segue a baixo um artigo escrito pelo jornalista Salvador Nogueira e publicado ontem (12/06) no
‘Jornal Folha de São Paulo ’, tendo
como destaque a saga
desastrosa do Brasil na condução do
projeto para se tornar alto suficiente no acesso ao espaço construindo o seu próprio
veículo lançador.
Pois então, esse artigo será tema de nossa nonagésima
edição da nossa coluna ‘Espaço Semanal’ da próxima quinta-feira (16/11). Fiquem
atentos!
Brazilian Space
CIÊNCIA
20 Anos Após Alcântara, País Segue Longe de Ter Lançador
Por Salvador Nogueira
Publicado em 12 de novembro de 2023
Fonte: Jornal Folha de São Paulo - https://www1.folha.uol.com.br
SÃO PAULO, SP - Há 20 anos, o sonho do Brasil de se
tornar capaz de lançar satélites à órbita terrestre terminou em tragédia, com o
acidente do terceiro protótipo do VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites), no
Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. O incêndio matou 21 técnicos e
engenheiros em 22 de agosto de 2003, três dias antes do dia previsto para o
voo, e até hoje o programa espacial brasileiro patina, sem se recuperar do
desastre.
No atual momento, a expectativa é que um novo lançador
nacional, o VLM-1 (Veículo Lançador de Microssatélites), possa realizar sua
primeira missão em março de 2027, segundo a Agência Espacial Brasileira (AEB).
É basicamente uma versão simplificada -e menos potente- do antigo projeto
brasileiro, capaz de transportar satélites de 10 a 100 quilos a uma órbita
terrestre baixa (o VLS-1 podia levar até 380 kg).
É preciso ser otimista, contudo, para acreditar que o cronograma
vai se cumprir como projetam os gerentes do projeto. Uma consulta à última
versão do PNAE, o Programa Nacional de Atividades Espaciais, documento oficial
que lista as ambições brasileiras na área, publicado em 2021, indica que o
VLM-1 deveria ter seu primeiro voo em 2025. Resumo: passaram-se dois anos, e
ele atrasou dois anos.
Não seria nada demais, não fosse a tônica do
desenvolvimento dos lançadores nacionais há décadas. Logo após a comoção pelo
acidente com o VLS-1, em 2003, o então (e agora novamente) presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) prometeu que o próximo voo do foguete ocorreria antes
do fim de seu mandato, em 2006. Aí ficou para 2007. Depois para 2010. Em
seguida para 2013. E em 2016 o programa foi cancelado, para que se desse prioridade
ao nascente VLM-1, que tinha voo marcado para 2019.
Parte das dificuldades mais recentes tem a ver com a
empresa Avibras, de São José dos Campos (SP), contratada para produzir o novo
motor dos dois primeiros estágios do foguete. Fortemente endividada, a
companhia pediu recuperação judicial em 2022, e o plano para recuperá-la foi
aprovado pelos credores em julho deste ano.
Um exemplar do novo motor -o S50, maior já feito no
Brasil, com 12 toneladas de propelente e fibra de carbono como matéria-prima
para sua estrutura- foi testado com sucesso em solo em outubro de 2021. Mas nem
deu para celebrar muito. Um segundo teste do tipo, em que o motor é afixado ao
chão e realiza sua queima, ocorreria em meados de 2022, mas a Avibras não
conseguiu entregá-lo em tempo. A expectativa é que o teste só venha a ocorrer
em junho de 2024.
LEGADO DA TRAGÉDIA
A despeito das dificuldades, a AEB destaca os avanços
feitos desde o acidente trágico de 2003. "Uma extensa investigação
resultou em uma compreensão mais profunda dos fatores que contribuíram para o
acidente e um dos principais avanços foi o aprimoramento dos processos de
fabricação e testes", diz a agência. "Além disso, medidas como a
redução do escopo, que evita saltos tecnológicos abruptos, a introdução de etapas
intermediárias mitigadoras de riscos, e a revisão das políticas e procedimentos
de segurança são exemplos de lições aprendidas e incorporadas em projetos
subsequentes."
Herdeiro desse legado, o VLM-1 foi projetado pelo IAE
(Instituto de Aeronáutica e Espaço), órgão da Força Aérea Brasileira, com
financiamento da AEB. Entre seu início oficial em 2014 e hoje, o projeto
consumiu R$ 144,9 milhões. Ele é desenvolvido em parceria com a DLR, agência
espacial alemã, que é responsável por diversos componentes, entre os quais os
sistemas de controle e navegação, os adaptadores interestágios, a coifa (no
interior da qual se transporta a carga útil) e o sistema que controla a direção
das tubeiras dos motores. A maioria deles já foi produzida. É o lado brasileiro
que atrasa o projeto -o que torna sua inserção no mercado comercial de
lançamentos cada vez menos provável.
POUCO MERCADO
"O VLM começou a ser pensado em 2008, época em que a
própria SpaceX não tinha alcançado o espaço e existiam dúvidas sobre sua
continuidade", explica Lucas Fonseca, engenheiro espacial e CEO da empresa
Airvantis, não envolvido com a iniciativa. "Havia uma tendência de que
parte dos satélites da década de 2010 seriam de tamanho reduzido, e o VLM seria
o primeiro veículo no mundo destinado para esse novo mercado, garantindo
autonomia para lançamentos menores."
Com efeito, embora o VLM ainda não tenha saído, diversas
startups espaciais surgiram com veículos de pequeno porte, das quais a que mais
se destaca hoje é a Rocket Lab, com seu foguete Electron (que realizou seu
primeiro voo bem-sucedido em 2018, tornando a Nova Zelândia o 16º país a
realizar um lançamento orbital). Mas todas estão hoje sufocadas pelo sucesso da
SpaceX, de Elon Musk.
"O preço dos lançamentos caiu significativamente, e
o mercado acabou caminhando para soluções em que múltiplos são lançados juntos
em um veículo de grande porte, como faz a SpaceX", diz Fonseca. "Eu
diria que o VLM ficou preso no tempo, e pouco impactará no mercado espacial
caso voe um dia."
Consultada a esse respeito, a AEB destaca que o objetivo
principal do lançador é viabilizar o acesso brasileiro à órbita terrestre,
"para assegurar sua independência no âmbito espacial". É
essencialmente a mesma motivação que levou à criação do VLS-1, em 1980. E não
está errada. Mas precisa se tornar realidade. A verdade é que, nas últimas duas
décadas, nunca o Brasil esteve tão perto de lançar um satélite com um foguete
nacional quanto nos dias que antecederam o terrível acidente de Alcântara em
2003.
E se sair VLS, VLM,VLPP, e o que for, já vai nascer obsoleto, uma amostra da República das bananas!
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