Salto Para Um Brilho Maior
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo publicado na edição
de Julho de 2018 da “Revista Pesquisa FAPESP” tendo como destaque o estágio final
da construção do fantástico acelerador de partículas “Sirius” de luz sincrotron
do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas (SP).
Duda Falcão
CAPA
Salto Para Um Brilho Maior
Em estágio final de
construção, fonte de luz síncrotron de última
geração pode elevar a
qualidade da pesquisa brasileira
Por Ricardo Zorzetto
Revista Pesquisa FAPESP
Edição 269 - Jul. 2018
Eram quase 6 da tarde da
quinta-feira, 17 de maio, quando o engenheiro eletricista Sergio Marques
aproveitou para esticar as pernas e buscar energia em mais uma xícara de café.
Em seguida, ele retomaria as medições que sua equipe vinha fazendo desde o
início da semana, às vezes por 24 horas a fio, com o grupo da física brasileira
Liu Lin. Marques e Liu são pesquisadores do Laboratório Nacional de Luz
Síncrotron (LNLS), em Campinas, interior de São Paulo, e testavam os
componentes de um acelerador linear de elétrons comprado por US$ 6 milhões do
Instituto de Física Aplicada de Xangai, na China. Instalado nas semanas
anteriores em um túnel de 32 metros blindado com paredes de concreto, o
aparelho impulsiona a cada meio segundo pacotes microscópicos de trilhões dessas
partículas de carga elétrica negativa a velocidades próximas à da luz. Ele
alimentará o maior, mais complexo e versátil instrumento de pesquisa já
construído no país: o Sirius, uma fonte de última geração produtora de radiação
síncrotron, um tipo especial de luz que permite investigar a estrutura da
matéria na escala dos átomos e das moléculas.
O Sirius está em
construção desde 2014 no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais
(CNPEM), a 15 quilômetros de Campinas, e deve estar pronto para um teste
inicial até o final deste ano, caso as verbas solicitadas meses atrás ao
governo federal e por ele aprovadas sejam liberadas logo. A nova fonte de luz
síncrotron é um acelerador de partículas composto de três partes, montado em um
edifício de 68 mil metros quadrados que deve permanecer o mais isolado possível
de alterações de temperatura e vibrações do exterior – até das geradas pelo
tráfego de caminhões da rodovia que liga Campinas a Mogi-Mirim e passa a 2
quilômetros dali.
Imagem: Léo Ramos Chaves
Detalhe de um ondulador, conjunto de magnetos que faz os
elétrons serpentearem no interior do anel de armazenamento
e liberar energia na
forma de luz sincrotron.
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Projetado pelas equipes do
LNLS, o Sirius substituirá o UVX, a primeira fonte de luz síncrotron do
hemisfério Sul, construída nos anos 1990 e hoje não mais competitiva. Cerca de
90% de suas peças foram desenvolvidas nas oficinas do LNLS ou desenhadas ali e
produzidas por empresas brasileiras de alta tecnologia. O acelerador linear é
exceção. “Por questão de prazo, encomendamos uma máquina com especificações de
altíssimo nível para os pesquisadores que haviam concluído em Xangai uma fonte
de luz de terceira geração, uma anterior à do Sirius, e nos ofereceram
informações sobre quase todas as partes do acelerador”, explica Marques, que
começou a trabalhar no UVX em 1997, aos 16 anos, e lidera o grupo de
diagnóstico do LNLS, que monitora o feixe de elétrons e a qualidade da luz
síncrotron que chega às estações experimentais.
Quando estiver em plena
atividade, o Sirius será, ainda que por um tempo limitado, a fonte de luz
síncrotron mais avançada do mundo e também a com maior brilho na faixa dos
raios X em sua classe de energia. De modo simplificado,
isso significa que o acelerador permitirá extrair dos elétrons viajando a quase
300 mil quilômetros por segundo feixes muito concentrados de uma luz que
penetra profundamente até em materiais densos, como rochas, e permite produzir
imagens nítidas de pontos distantes entre si poucos nanômetros (milionésimos do
milímetro). Seu brilho intenso deve diminuir de horas para segundos o tempo
para obter as imagens das amostras, algo importante no estudo de materiais
biológicos, que se degradam rapidamente. A redução do tempo para produzir cada
imagem deve permitir obter um número maior delas por segundo e reconstituir o
movimento de fenômenos muito rápidos do mundo dos átomos e das moléculas, como
a interação entre dois compostos ou a movimentação de íons na carga e descarga
de baterias.
O poder de resolução do
Sirius será superior ao das fontes de luz síncrotron de terceira geração, como
a máquina atual do European Synchrotron Radiation Facility (ESRF), na França,
onde a pesquisadora israelense Ada Yonath realizou parte dos experimentos que
definiram a estrutura tridimensional do ribossomo, organela produtora de
proteínas nas células, e lhe renderam o Nobel de Química de 2009. As imagens do
Sirius também deverão alcançar resolução mil vezes superior à do UVX, uma fonte
de segunda geração que, mesmo defasada, permitiu à equipe do físico Glaucius
Oliva, professor da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, identificar
a estrutura tridimensional da proteína NS5, essencial para a reprodução do
vírus zika (ver Pesquisa FAPESP nº 254).
Com a nova máquina de
Campinas, espera-se ir além e identificar a estrutura tridimensional de
proteínas maiores e mais complexas, de interesse da biologia e da indústria de
fármacos, além de estudar materiais de interesse da indústria. “O Sirius está
muito próximo do limite daquilo que a engenharia permite construir e será capaz
de produzir ciência competitiva internacionalmente por, ao menos, uma década”,
afirma o físico Antônio José Roque da Silva, diretor do LNLS e do projeto do
Sirius. Professor da USP e especialista em modelagem matemática de materiais na
escala atômica, José Roque chegou ao LNLS em 2009 com duas missões: aprimorar o
UVX, que, envelhecido, começava a perder usuários e especialistas para
instituições no exterior, e levar adiante o projeto de construir seu substituto
– o nome Sirius surgiria mais tarde, emprestado da estrela mais brilhante do
céu noturno.
Imagem: Renan Picoreti –
Divulgação LNLS / CNPEM
Imagem aérea do prédio do Sirius, feita em meados de
junho.
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De início, José Roque
buscou a ajuda de dois antigos colaboradores do LNLS: o engenheiro civil
Antonio Ricardo Droher Rodrigues, um dos três brasileiros que lideraram a
construção do UVX de 1987 a 1997, e do físico francês Yves Petroff, que dirigiu
laboratórios de luz síncrotron na França e participou do projeto da primeira
fonte brasileira. “O UVX não tinha mais capacidade de competir e optamos por
aprimorar nichos nos quais poderíamos produzir trabalhos relevantes, com o uso
de radiação infravermelha e ultravioleta”, conta José Roque. Ao mesmo tempo, o
trio aperfeiçoou o projeto de uma fonte de terceira geração elaborado pela
equipe do físico José Antônio Brum, que dirigiu a Associação Brasileira de
Tecnologia de Luz Síncrotron (ABTLuS), atual CNPEM, de 2001 a 2009. Três anos
mais tarde, com um projeto maduro em mãos, José Roque e sua equipe o submeteram
a um comitê científico internacional.
No relatório final, os membros
do comitê afirmaram que o desenho da nova fonte era excelente para os padrões
da época, mas recomendaram que se buscasse o nível de brilho que vigoraria no
futuro. “Não havia máquina com as características sugeridas por eles em
funcionamento no mundo”, lembrou José Roque na manhã de 17 de maio, em sua sala
no LNLS. “Era a chance de sairmos e nos mantermos por um período à frente dos
Estados Unidos, do Japão e de países da Europa.”
Imagem: Glaucius Oliva /
IFSC-USP
Estrutura tridimensional da proteína NS5 do vírus zika,
definida átomo a átomo.
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As equipes do LNLS
voltaram à mesa de projetos e retomaram os testes de equipamentos. Responsável
pela física de aceleradores no LNLS, Liu Lin e seu grupo redesenharam a rede
magnética do Sirius para que o seu brilho superasse o das máquinas existentes.
Seis meses depois, o comitê aprovou o novo projeto, orçado em US$ 585 milhões
(na época, R$ 1,3 bilhão). Obter financiamento estável era fundamental, mas só
parte do problema. “Tivemos de conseguir o terreno para a construção e definir
as características do prédio enquanto redesenhávamos a máquina e buscávamos
saída para questões tecnológicas”, contou José Roque. “Houve momentos em que
equilibramos 20 pratos no ar.”
Os primeiros R$ 9 milhões
para o pré-projeto foram desembolsados em 2009 e 2010 pelo então Ministério de
Ciência e Tecnologia (MCT) na gestão (2005-2010) do físico Sergio Rezende, que
conhecera o projeto de Brum em 2008. Mas faltava uma fonte definida dos
recursos, que, em um primeiro momento, seriam providos pelo MCT (atual MCTIC,
depois de incorporar Inovações e Telecomunicações), Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e por agências de fomento. Outros
dois ocupantes se sucederam à frente do ministério e repassaram R$ 77 milhões
ao projeto até que, em 2014, o engenheiro Clélio Campolina Diniz deu luz verde
para o início das obras civis e propôs um orçamento de R$ 240 milhões para
2015. No ano seguinte, o Sirius foi incluído na segunda edição do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) e hoje é uma das obras do Programa Avançar.
A oscilação do dólar, a
inflação e os aprimoramentos na fonte de luz e no prédio elevaram o valor do
Sirius para R$ 1,8 bilhão. “É o único projeto brasileiro de tais dimensões sem
atrasos importantes”, afirma o engenheiro eletrônico e físico Rogério Cezar de
Cerqueira Leite, presidente do Conselho Administrativo do CNPEM, organização
social vinculada ao MCTIC, gestora do LNLS.
Imagem: Léo Ramos Chaves
O engenheiro Rafael Seraphim realiza teste do sistema
de
vácuo das câmaras que conduzirão os elétron.
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Pedro Wongtschowski,
engenheiro químico que presidiu o Conselho Administrativo do CNPEM de 2010 a
2015, atribui o cumprimento do cronograma e a pouca alteração de valores à
adoção de um modelo de governança usado em projetos de grande porte pelo setor
privado. “A execução só começou depois de concluído um projeto executivo
detalhado; a contratação de obras ocorreu mediante licitação cuidadosa e foram
adquiridos primeiro os equipamentos que exigiam prazo maior para serem
entregues”, lembra. “Também se aproveitou a implantação do Sirius para
desenvolver componentes com fornecedores nacionais, etapa que contou com o
apoio da FAPESP”, conta Wongtschowski, atual presidente do Conselho
Administrativo do grupo Ultrapar Participações e membro do Conselho Superior da
FAPESP.
Do custo total previsto,
R$ 1,16 bilhão já foi repassado pelo MCTIC, sendo R$ 760 milhões na gestão de
Gilberto Kassab, conta Cerqueira Leite, que teve atuação fundamental nos anos
1980 na implantação do UVX. Para Cerqueira Leite, o Sirius só sobreviveu à
retração econômica recente porque, aos poucos, o projeto conseguiu envolver,
além dos seus idealizadores e da comunidade científica, “autoridades e
políticos de Brasília”.
É uma conclusão semelhante
à que chegaram anos atrás dois pesquisadores que analisaram o processo de
criação e implantação do UVX. Léa Velho, professora do Departamento de Política
Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e
Osvaldo Frota Pessoa Junior, professor do Departamento de Filosofia da USP,
avaliaram os argumentos que motivaram a construção do primeiro síncrotron
brasileiro e as negociações que permitiram tirá-lo do papel. Em um artigo de
1998 na revista Social Studies of Science, afirmaram que o apoio ao
projeto veio mais de setores da política científica do que dos pesquisadores e
potenciais usuários. Escreveram ainda que a habilidade política dos poucos
cientistas envolvidos fora crucial para a sua implementação.
Imagem: Léo Ramos Chaves
Magnetos quadrupolos, um dos componentes do
anel de
armazenamento.
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“O Sirius representa uma
tentativa de promover um novo salto de qualidade na ciência nacional”, analisa
o físico argentino Aldo Craievich, que, aos 79 anos e aposentado da USP, ainda
faz pesquisa usando o UVX. Com o físico Cylon Gonçalves da Silva e Ricardo Rodrigues,
Craievich compôs o trio que coordenou a construção do primeiro síncrotron
nacional.
O projeto de instalar no
país um equipamento para fazer ciência em grande escala – a Big Science,
iniciada nos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial com o projeto da bomba
nuclear – nasceu no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de
Janeiro, no início dos anos 1980 com o físico Roberto Leal Lobo e Silva Filho.
Apoiado por Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, então presidente do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Lobo conduziu o
projeto até o início do governo democrático, em 1985. Com a criação do MCT, foi
substituído por Cylon, que tinha suporte do ministro Renato Archer.
“Quando se decidiu pela
construção da primeira fonte de luz síncrotron, o único modelo de funcionamento
que fazia sentido era o de um laboratório nacional nos moldes norte-americanos,
aberto a usuários de instituições de pesquisa e de empresas do país e do
exterior”, conta Cylon. “A construção da máquina era mera desculpa para formar
pessoas qualificadas para gerar tecnologia no país e capazes de produzir
ciência na fronteira do conhecimento. Acertamos ao optar por projetar e
construir o máximo em casa, o que gerou a expertise usada no
Sirius.”
Imagem: Léo Ramos Chaves
Hall em que será instalada parte das estações
experimentais do Sirius.
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Construir equipamentos
para fazer ciência em larga escala demanda fluxo contínuo de verbas,
competência técnica e científica e, quase sempre, gera disputas. Foi assim com
o UVX e, em uma escala menor, com o Sirius. Logo após aprovado o projeto da
primeira fonte nacional de luz síncrotron, a direção da Sociedade Brasileira de
Física publicou um manifesto contrário ao projeto. Afirmava que não havia no
país competência técnica para construí-lo, que não existiriam usuários e que
drenaria os recursos de outras áreas da ciência e tecnologia. “Nenhuma dessas
previsões se concretizou”, recorda Rodrigues, coordenador de aceleradores do
Sirius. “Construímos a máquina, os usuários vieram, hoje são 6,2 mil cadastrados,
e o nível de financiamento aumentou em todas as áreas.”
“Instalações de grande
porte como o Sirius são caras em qualquer lugar do mundo, mas se pagam com o
tempo”, afirma Fernanda De Negri, economista do Instituto de Pesquisas
Econômicas e Aplicadas (Ipea). Seu custo representa 0,05% do orçamento público
brasileiro (a receita do governo), da ordem de R$ 3,5 trilhões. “Em muitas
áreas, infraestruturas como essa são necessárias para se produzir ciência de
qualidade, capaz de gerar inovação e tornar o país economicamente mais
competitivo”, diz a pesquisadora, que lançou em junho o livro Novos
caminhos para a inovação no Brasil (Editora Wilson Center), no qual
menciona o Sirius como um raro exemplo no país de planejamento científico de
longo prazo.
“Desde o projeto da bomba
atômica e a missão Apollo, a ciência deixou de ser feita só com pequenos
investimentos e visão de curto prazo”, observa Glauco Arbix, professor do
Departamento de Sociologia da USP. “É preciso ter visão de médio e de longo
prazos e irrigar o sistema de modo a alimentar laboratórios menores e a criar
projetos de relevância científica, econômica e social, capazes de elevar o
patamar da ciência brasileira e aumentar seu impacto”, defende Arbix, que
presidiu de 2011 a 2015 a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), o órgão
de fomento de inovação federal. “Sem isso, o país continuará patinando.”
Artigo Científico
VELHO, L. e PESSOA JR.,
O. The
decision-making process in the construction of the Synchrotron Light National
Laboratory in Brazil. Social
Studies of Science. v. 28, n. 2, p.
195-219. abr. 1998.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 269 – Julho de
2018
Comentário: Um projeto fantástico este acelerador e muito
importante para Ciência e o desenvolvimento tecnológico do país. Isto leitor em
varias áreas da C&T, aí incluindo também as pesquisas e desenvolvimento de tecnologias
empregadas no espaço. Confesso que (não fico em cima do muro não tenho problema
nenhum em reconhecer meus erros) não acreditava que esse projeto pudesse
realmente sair do papel e que o mesmo acabaria abandonado sem ser finalizado
como tantas obras faraônicas realizadas por esses vermes populistas de merda.
Felizmente estava errado e a C&T brasileira será premiada com este
fantástico equipamento de ponta de luz síncrotron. Entretanto como bem diz o
artigo: “construir equipamentos para fazer ciência em larga escala demanda
fluxo contínuo de verbas”, e eu acrescento, não só na construção desses
equipamentos como também em sua manutenção e no seu uso adequado nas pesquisas.
Enfim leitor, vamos ver após a sua conclusão se esse equipamento terá recursos
tanto para sua manutenção bem como para a sua adequada operacionalização
dando assim o retorno esperado a nossa sociedade.
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