BBC Publica Matéria Sobre o Futuro 'Radiotelescópio Bingo' e Sua Ajuda Para Desvendar os Mistérios da Energia Escura no Universo
Olá leitores e leitoras do BS!
Segue abaixo uma matéria publicada ontem (06/10) no site “BBC News Brasil”, tendo como tema o Radiotelescópio BINGO que esta sendo construído na Paraíba para ajudar a desvendar ‘Mistérios da Energia Escura no Universo’. Saibam mais sobre
esta história pela matéria abaixo.
Brazilian Space
Física - Tecnologia - Espaço Sideral - Astronomia - Ciência
O Radiotelescópio Que Está Sendo Construído na Paraíba
Para Ajudar a Desvendar Mistérios da Energia Escura no Universo
Por Patchen Barss
Role, BBC Future
6 outubro 2023
Fonte: Site BBC News Brasil - https://www.bbc.com/portuguese
Foto: GETTY IMAGES
Antes de surgirem as estrelas e os planetas, os buracos
negros e as anãs brancas, e até mesmo antes dos primeiros átomos e raios de
luz, o Universo já reverberava com algo surpreendente — o som.
O zumbido primordial do Universo viajava a mais da metade
da velocidade da luz, atravessando o plasma superaquecido de fótons, bárions e
matéria escura. Ele surgiu de um cabo de guerra entre as poderosas forças
fundamentais, que geravam ondas sonoras naquela sopa de partículas
eletricamente carregada.
Quando o Universo tinha "apenas" algumas
centenas de milhares de anos, o plasma desapareceu como o nevoeiro da manhã. E
o Universo caiu rapidamente em silêncio profundo.
Mas ainda é possível captar ecos dessas primeiras ondas
sonoras que se propagaram pelo Universo primordial, se soubermos onde procurar.
As oscilações criadas por essas ondas no plasma deixaram
uma marca permanente na distribuição de matéria pelo Universo. E essas
oscilações também fornecem aos astrônomos indicações sobre um dos mistérios
mais profundos do nosso Universo atual: aquela força misteriosa conhecida como
energia escura.
As ondas sonoras primordiais — também conhecidas como
oscilações acústicas de bárions (BAOs, na sigla em inglês) — foram formadas
quando as partículas do Universo inicial começaram a se reunir, atraídas pela
gravidade.
"A força gravitacional da matéria escura nos
primórdios do Universo criou 'poços de potencial', que atraíam o plasma para o
seu interior", segundo a física brasileira Larissa Santos, professora do
Centro de Gravitação e Cosmologia da Universidade de Yangzhou, na China.
Mas o plasma era tão quente que também criava outra
força, na direção oposta. "Os fótons criavam pressão de radiação que
lutava contra a gravidade e empurrava tudo de volta para o lado externo. Esta
luta criava oscilações acústicas — ondas sonoras", explica a professora.
As BAOs irrompiam de incontáveis poços de potencial,
formando esferas concêntricas de energia sonora em expansão. Elas se entrecruzavam,
esculpindo o plasma em padrões de interferência tridimensionais complexos e
deslumbrantes.
Se houvesse seres humanos vivendo na época das
"oscilações acústicas de bárions" (BAOs), eles não teriam ouvido
nenhum ruído. Os sons estavam cerca de 47 oitavas abaixo da primeira nota do
piano. Seus comprimentos de onda eram gigantescos — cerca de 450 mil anos-luz.
Esses estrondos inaudíveis e incrivelmente profundos
viajavam através de um meio incapaz de ser penetrado, até pelos nossos
telescópios mais poderosos.
Em Busca de 'Registros Fósseis'
Quando mais profundamente olhamos para o Universo, mais
retornamos na sua história. Isso se deve ao tempo que a luz leva para chegar
até nós.
Mas só conseguimos ver tão longe porque as cargas
elétricas dos prótons e elétrons liberados naqueles primeiros estágios de vida
do Universo espalhavam e difundiam a luz, criando um brilho aleatório
impenetrável.
Enquanto isso, as BAOs criaram padrões nesse meio que
oscilavam para o lado externo. Por isso, podemos observar suas evidências no
Universo atual.
O Telescópio Espacial Planck, da Agência Espacial
Europeia, conseguiu captar ecos de BAOs dos primórdios do Universo, que os cientistas
traduziram para frequências audíveis.
O zumbido é composto de um tom baixo com sobretons mais
altos. Ele foi processado para produzir um arquivo sonoro com ruídos intensos,
que podem ser ouvidos por seres humanos.
Quando atingiu cerca de 379 mil anos de idade, o Universo
se resfriou o suficiente para que os prótons e elétrons se emparelhassem,
formando os primeiros átomos de hidrogênio neutros. O plasma então desapareceu,
o que deixou o Universo subitamente transparente e permitiu a transmissão da
luz.
Ao mesmo tempo, a batalha entre a radiação e a gravitação
chegou ao fim. As BAOs cessaram e o Universo entrou em silêncio.
Um jato de energia luminosa começou então a se espalhar
pelo Universo. Ele era tão poderoso que ressoa até hoje pelos radiotelescópios,
atraindo os físicos como um sinal da radiação cósmica de fundo em micro-ondas
(CMB, na sigla em inglês), 13 bilhões de anos depois.
A CMB é o registro visual mais antigo e detalhado dos
primórdios do Universo. Ela oferece aos cientistas um "registro
fóssil" dos primeiros sons do cosmos.
"Nós vemos [os sons] impressos na radiação cósmica
de fundo em micro-ondas e também na estrutura do Universo em larga
escala", segundo Santos. A física brasileira participa de um novo projeto
de radiotelescópio internacional para analisar os ecos modernos daquela canção
antiga.
"Sua assinatura é encontrada na quantidade levemente
excessiva de pares de galáxias que são separadas em uma escala fixa de 150
Megaparsecs – cerca de 500 milhões de anos-luz", explica a professora.
Projeto em Construção na Paraíba
As assinaturas de BAO não são apenas indicações de como
seriam os primeiros sons do Universo. Elas também servem de padrão para medir
os efeitos de outro fenômeno invisível: a energia escura.
A energia escura faz o Universo se expandir. Seus efeitos
estão em toda parte, mas sua natureza é desconhecida.
O estudo da escala das assinaturas de BAO a diferentes
distâncias da Terra conta como os efeitos da energia escura alteraram a
história do Universo.
"Chamamos de régua padrão", afirma Santos.
"Temos esta escala fixa. Pelas suas variações aparentes, podemos saber
como o Universo evoluiu ao longo do tempo."
Larissa Santos faz parte do projeto internacional
responsável pelo radiotelescópio Bingo, atualmente em construção na Paraíba.
Bingo é a sigla em inglês de "BAOs de Observações Integradas de Gás
Neutro".
O radiotelescópio será sintonizado com as assinaturas de
radiação características do hidrogênio — o átomo mais simples, mais antigo e
mais abundante do Universo.
Foto: NASA GODDARD
As ondulações do plasma primordial geraram aglomerações de matéria que podem ser observadas até hoje nos agrupamentos de estrelas e galáxias. |
Os átomos de hidrogênio liberam radiação com comprimento
de onda de 21 centímetros. Este comprimento é invisível para o olho humano, mas
pode ser detectado pelo radiotelescópio.
A energia escura "estica" a radiação das nuvens
de hidrogênio mais distantes. Com isso, o comprimento de onda observado aqui na
Terra aumenta. Quanto maior a distância, maior o comprimento de onda.
"Você escolhe a frequência do radiotelescópio de
acordo com a época do Universo que você quer medir", explica Santos.
O radiotelescópio Bingo foi projetado para mapear a
distribuição do hidrogênio entre um bilhão e quatro bilhões de anos-luz atrás —
o que é relativamente próximo, na escala cósmica de tempo e espaço.
Os dois enormes espelhos parabólicos do Bingo refletem
essa radiação primordial sobre um conjunto de 50 detectores de ondas dirigidas,
conhecidos como "cornetas".
A base móvel do telescópio é o planeta onde ele está
sendo construído. A rotação da Terra movimenta o equipamento sob as estrelas,
varrendo uma área do céu de 15 por 200 graus.
Usando cálculos estatísticos complexos, a professora
Larissa Santos irá analisar os dados para localizar milhões de galáxias,
examinando as distâncias relativas entre elas. Com isso, será possível estudar
com mais profundidade como a energia escura afetou os padrões de BAOs naquela
época.
"O Bingo irá examinar o Universo posterior, depois que
a energia escura dominou a expansão. É um grande complemento para outros
experimentos", segundo ela. E muitos desses outros experimentos já
começaram ou estão planejados.
Abordagem 'Ambiciosa'
"O mapeamento da intensidade de hidrogênio, em
princípio, pode medir qualquer coisa no Universo entre os dias atuais e a CMB.
É um imenso volume a ser explorado", afirma a professora de física Cynthia
Chiang, que estuda a densidade do hidrogênio na Universidade McGill em
Montreal, no Canadá.
"O Bingo e outros experimentos similares procuram os
gases que ficam dentro das galáxias. Eles são um marcador de onde está a
matéria", explica a professora.
Os instrumentos sintonizados em regiões relativamente
próximas são do interesse de Chiang, mas ela também deseja obter respostas
sobre o restante da história cósmica.
"Minha abordagem é muito ambiciosa", afirma
Chiang, rindo. "Estou organizando um experimento sintonizado em
frequências correspondentes à 'Idade das Trevas'."
"Este é o período imediatamente seguinte à formação
das micro-ondas de fundo. Nunca tivemos acesso à cosmologia daquele período
porque é muito, muito difícil", segundo a professora.
Entre a "superfície da última dispersão"
(quando o plasma bariônico deu lugar à CMB) e a "madrugada cósmica"
(quando brilhou a luz da primeira estrela), existe um intervalo de 250 a 350
milhões de anos. As BAOs deixaram nuvens de hidrogênio agrupadas em finas
estrias, como as ondas do mar em refluxo, que deixam ondulações na areia.
Antes que Chiang possa ter acesso à radiação de 21 cm
daquela época, ela precisa projetar experimentos para excluir os sinais mais
recentes da nossa própria galáxia, que podem mascarar os dados mais antigos.
"Este primeiro experimento ainda não irá chegar à
cosmologia", explica ela. "O objetivo é mapear as emissões da Via
Láctea nessas frequências em resolução muito alta, para podermos conhecer a
aparência do céu na primeira passagem. Depois, esperamos poder subtrair aquilo
e chegar à cosmologia."
"Como o nome indica, na Idade das Trevas, o Universo
era um lugar muito escuro e monótono", prossegue a professora. "Ali,
o sinal que você recebe é uma emissão de 21 cm quase uniforme daquela parede de
hidrogênio."
"Mas existem flutuações sutis de brilho que
correspondem às densidades mais altas e mais baixas. Você consegue minúsculos
pontos frios e quentes."
Para a professora, a CMB é como uma fotografia estática
que captura, em detalhes impressionantes, um momento fundamental da evolução
cósmica. Mas o mapeamento da densidade do hidrogênio na Idade das Trevas também
capturaria centenas de milhões de anos imediatamente posteriores.
"Você consegue sondar um volume
tridimensional", explica Chiang. "Se você conseguir medir o mesmo
tipo de informação da CMB, mas refletido sobre hidrogênio, você consegue muito
mais dados e, potencialmente, pode restringir ainda mais os parâmetros
cosmológicos."
"Se chegarmos lá, será maravilhoso. Mas é um caminho
muito, muito longo."
A Inflação Cósmica
Os experimentos planejados por Cynthia Chiang e o
telescópio Bingo somam-se a um conjunto cada vez maior de instrumentos de
observação inovadores que pretendem desvendar a história das BAOs, a estrutura
do Universo em larga escala e a energia escura invisível que separa as
galáxias.
"Quando medimos o céu, medimos tudo", explica
Larissa Santos. "A CMB, o hidrogênio neutro, as fontes das galáxias, todo
este tipo de coisas. Precisamos conseguir reconhecer o que é um sinal
cosmológico e o que é outra coisa qualquer."
Santos também espera que as BAOs revelem ainda mais sobre
o passado do Universo, perfurando a parede de plasma com 379 mil anos de
espessura para fornecer dados sobre a fração de segundo anterior – a "era
inflacionária" do Universo. Afinal, a maioria dos cosmólogos acredita que,
naquela era, o espaço tenha se expandido com velocidade maior que a da luz.
A inflação cósmica é uma teoria amplamente aceita sobre a
evolução do Universo do seu estado original minúsculo, quente e denso, até se
tornar o cosmos que vemos hoje em dia.
Esta teoria passou por muitos modelos, variações e
simulações. Ela oferece muitas previsões consistentes que foram testadas e
verificadas, embora não haja evidências diretas a respeito.
"Muitas teorias inflacionárias já foram descartadas
pelas nossas observações", segundo Santos. "Com as medições que
queremos ver, podemos determinar quais teorias se adaptam melhor às medições
antes de seguir adiante."
As oscilações acústicas de bárions existiram apenas por
algumas centenas de milhares de anos. Mas elas ajudaram a criar a história do
Universo invisível do começo ao fim.
Agora, elas ajudam os cientistas a contar essa história.
Leia a versão
original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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