Criação da Empresa Pública ALADA: Um Retrocesso Estratégico ou Oportunidade Perdida?

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A criação da empresa pública ALADA surge em um contexto de debates acalorados sobre o que se apregoa que seria "o futuro do setor espacial brasileiro", com promessas de alavancar o mercado e inserir o Brasil na chamada Nova Era Espacial (ou New Space). Entretanto, análises mais críticas e eaboradas indicam que a proposta dessa criação não apenas repete erros históricos, mas também pode enfraquecer o mercado privado e limitar as potencialidades do setor espacial nacional, dentre outros problemas apresentados aqui.

Em diversas postagens e "matérias" publicadas recentemente, muitas falácias e exageros absurdos vem sendo propagados sobre o que é, para que serve, qual o potencial e o que a Alada pode, como se a mesma fosse a "bala de prata" que vai salvar o PEB. Até mesmo em alguns trabalhos de cunho "acadêmica" (não posso dizer científico, pois o método científico presupõe distanciamento do objeto) vem defendendo a Alada e o motivo da sua existência, sobre o presuposto do estudo científico independente. 

Das notícias que exaltam a Alada temos uma matéria do BS que já trata dessa inundação de desinformação nas mídias (veja aqui). No ambito acadêmico, podemos citar o Capítulo 6 do e-book editado pela Universidade da Força Aérea - UNIFA (veja aqui), produzido em parceria com a Brazilian Space Agency (AEB/MCTI), intitulado "O NEW SPACE E O PROGRAMA ESPACIAL BRASILEIRO: A EMPRESA PÚBLICA ALADA COMO OPORTUNIDADE DE ALAVANCAGEM DO SETOR".

Premissas Questionáveis, o Setor Público e o Contexto Internacional

Alguns defensores da ALADA frequentemente recorrem a comparações com empreendimentos icônicos, como Petrobras, Embrapa e Embraer, para justificar sua criação. No entanto, essas analogias não se sustentam:

  • Petrobras: Criada para explorar, por meio de monopólio estatal, recursos estratégicos de enorme valor econômico. O setor espacial, com características e dinâmicas distintas, não apresenta paralelos significativos com este modelo.

  • Embrapa: Instituição voltada para pesquisa científica, com resultados que transbordam diretamente para o setor produtivo agropecuário. Já existem no Brasil entidades de pesquisa espacial, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e os institutos do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), que sofrem com o descaso estatal e a falta de investimentos.

  • Embraer: Se a ALADA tentar seguir o modelo inicial da Embraer, poderá entrar em concorrência direta com um setor privado já estabelecido, minando sua competitividade e criando conflitos desnecessários.

Quando ampliamos a análise para empresas públicas do setor de defesa, as analogias tornam-se ainda mais problemáticas:

  • IMBEL e NAV Brasil: Ambas têm papéis específicos no setor de defesa e navegação aérea, sem relação direta com o setor espacial
  • AMAZUL e EMGEPRON: Estas empresas gerenciais de projetos navais talvez tenham inspirado a proposta de criação da ALADA, mas os paralelos são insuficientes para justificar sua necessidade, exceto pelo controle e autonomia fianceira de recursos oriundos da prestação de serviços e da secão de usos de ativos da Força Aérea Brasileira do setor espacial pela iniciativa privada (uma Infraero espacial).

Outros defensores da ALADA destacam a importância do setor público na promoção de pesquisas e na atuação como "prime contractor" para preencher lacunas do mercado privado. No entanto, já existem empresas no Brasil que desempenham esse papel de forma eficaz, como a Visiona Tecnologia Espacial S.A., responsável pela integração e desenvolvimento de projetos como o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação (SGDC) e o Satélite de Alta Resolução (SatVHR). Essas iniciativas mostram que o setor privado tem capacidade para atender a essas demandas sem a necessidade de uma nova empresa pública.

Outra comparação frequentemente mencionada é com a indiana Antrix Corporation Limited, vinculada à agência espacial ISRO (Indian Space Research Organization). Entretanto, falta à ALADA uma contraparte nacional robusta, como a ISRO, para justificar sua atuação. A Agência Espacial Brasileira (AEB) está longe de ter a mesma capacidade técnica e de gestão que sua contraparte indiana, o que fragiliza a analogia. Além disso, uma empresa pública vinculada ao setor militar, como proposto para a ALADA, enfrentaria sérias dificuldades para acessar tecnologias críticas devido a restrições internacionais.

A Fragilidade do Argumento Estratégico, Monopólio Estatal e Impactos no Mercado

Outro ponto frequentemente destacado pelos defensores da ALADA é a alegada proteção contra bloqueios tecnológicos impostos por interesses estrangeiros. Essa preocupação, embora válida em um contexto geopolítico complexo, perde força quando confrontada com a realidade de um setor globalizado, onde parcerias público-privadas e colaboração internacional são essenciais para o avanço tecnológico.

Além disso, o modelo proposto, vinculado à Força Aérea Brasileira (FAB) e à Defesa, pode limitar a capacidade de acesso a tecnologias sensíveis, dada a resistência internacional à transferência de tecnologias críticas. A experiência da Alcântara Cyclone Space (ACS), citada no texto do Brazilian Space, serve como um alerta sobre os riscos de empreendimentos estatais ineficazes e com objetivos pouco claros.

O risco de monopolização estatal em um setor que exige dinamismo e inovação é outro ponto de crítica contundente. A ALADA, ao invés de fomentar a competitividade, pode sufocar o mercado privado, inibindo investimentos e a emergência de startups e empresas inovadoras. A experiência brasileira com o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação (SGDC) reforça essa preocupação, com promessas infladas e resultados limitados, além da já criticada ausência de transferência tecnológica.

O setor espacial global evolui rapidamente sob a égide do New Space, caracterizado por empresas privadas ágeis e inovadoras, como SpaceX e Rocket Lab, etc.. A insistência em um modelo de gestão pública robusta e centralizadora, como a proposta pela ALADA, parece desatualizada e desalinhada com as tendências internacionais e é tudo, menos New Space.

Desafios de Governança e Participação Popular

Outro ponto problemático é o processo de criação da ALADA, descrito como apático e desprovido de participação popular. A falta de transparência e debate amplo reforça a sensação de um "tratoraço legislativo", comprometendo a legitimidade do projeto.

O projeto, que já foi aprovado "a toque de caixa" na Câmara dos Deputados, está na pauta da 180ª Sessão Deliberativa Ordinária do Senado Federal, prevista para hoje, 11 de dezembro de 2024. Trata-se do Projeto de Lei nº 3.819, de 2024, da Presidência da República, que altera a Lei nº 13.903, de 19 de novembro de 2019, e autoriza a criação da empresa pública NAV Brasil Serviços de Navegação Aérea S.A. (NAV Brasil). A matéria conta com parecer favorável da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, sob relatoria do senador Esperidião Amin, incluindo uma emenda de redação.

Essa tramitação acelerada, amparada por requerimento de urgência, exclui uma discussão pública mais ampla, abrindo espaço para críticas quanto à legitimidade e às reais intenções por trás do projeto.

Considerações Finais

A criação da ALADA, tal como proposta, parece mais um retrocesso estratégico do que um avanço necessário para o setor espacial brasileiro. Os argumentos em defesa de sua criação falham em justificar sua relevância diante de um mercado privado já estabelecido e de um setor público historicamente marcado por ineficiências.

Em vez de repetir modelos centralizadores, o Brasil deveria focar em políticas que incentivem parcerias público-privadas, criem um ambiente favorável à inovação e garantam o fortalecimento do mercado privado. O espaço não é apenas uma fronteira para o desenvolvimento tecnológico, mas também um terreno fértil para o empreendedorismo e a colaboração internacional — aspectos que parecem relegados a segundo plano na proposta da ALADA.


Rui Botelho
Editor do BS

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