Blog Entrevista Gerente do Projeto TERRA
Olá leitor!
Como é do
seu conhecimento o blog “BRAZILIAN SPACE” vem apresentando
quando possível uma série de entrevistas com personalidades públicas e privadas atuantes nas atividades de ciência, e tecnologias espaciais no Brasil.
Dr. Lamartine Guimarães (Gerente do Projeto TERRA do IEAv) |
Com esse
objetivo, trago para você nesta manhã de quinta-feira uma entrevista com um dos mais
ativos e visionários profissionais atuantes no Programa Espacial Brasileiro,
ou seja, o Dr. Lamartine
Nogueira Frutuoso Guimarães, pesquisador esse ligado ao Instituto de Estudos Avançados
(IEAv), onde atualmente exerce a
gerencia do Projeto TERRA.
Devido a sua
agenda diária bastante complexa e também a necessária autorização dos órgãos competentes
(DCTA/IEAv), demorou um pouco, mas
finalmente o Dr. Lamartine Guimarães enviou ao blog a
entrevista, nos esclarecendo com propriedade as nossas dúvidas quanto ao atual
estágio desse fantástico projeto espacial do país, falando também um pouco de
sua vida e carreira e sobre a formação de recursos humanos para atender este
que é em 'nossa opinião' um dos mais inovadores projetos do setor espacial do Brasil.
Aproveito para agradecer ao Dr. Lamartine Guimarães pela entrevista concedida ao “Blog BRAZILIAN
SPACE”, e também ao Departamento de Ciência e Tecnologia
Aeroespacial (DCTA) e ao Instituto
de Estudos Avançados (IEAv) por conceder a
autorização que permitiu a realização dessa entrevista. Muito obrigados a todos
vocês e aproveito para convidar ao leitor a ler atentamente essa esclarecedora
entrevista do Dr. Lamartine.
Duda Falcão
BRAZILIAN SPACE: Dr. Lamartine, para aqueles leitores que não o conhecem nos fale sobre o senhor. Sua idade, formação, onde nasceu, trajetória profissional e desde quando o senhor está ligado ao Instituto de Estudo Avançados (IEAv)?
Duda Falcão
BRAZILIAN SPACE: Dr. Lamartine, para aqueles leitores que não o conhecem nos fale sobre o senhor. Sua idade, formação, onde nasceu, trajetória profissional e desde quando o senhor está ligado ao Instituto de Estudo Avançados (IEAv)?
DR. LAMARTINE
NOGUEIRA FRUTUOSO GUIMARÃES: Olá a todos! Eu tenho 53 anos. Nasci no interior de Minas Gerais, na casa dos meus avós maternos,
zona rural da cidade de Aimorés, MG, fronteira com Baixo Guandú, ES. Meu pai era gerente
das lojas Pernambucanas e tinha assumido a gerência da loja de Resende, RJ. Meu avô
materno mandou um telegrama pro meu pai avisando do meu nascimento e ele me registrou como
nascido em Resende, RJ. Vivi meus primeiros dois a três meses na casa de meu avós. E aí
fui para Resende. É lá que me criei, estudei e cresci. Aos 17 anos fui fazer cursinho no Rio,
em 1977 isto era a norma. Entrei para o Bacharelado em Física da UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro). Graduei-me quatro anos depois e fui fazer o Mestrado em Engenharia Nuclear
no IME (Instituto Militar de Engenharia). Graduei-me dois anos e meio depois, em Julho
de 1984. Em 23 de Setembro de 1984 fui contratado pelo Instituto de Estudos Avançados
na posição de Pesquisador Assistente da Divisão de Energia Nuclear. Tenho, hoje, completos 28
anos de IEAv, com muito orgulho.
Assim que cheguei ao IEAv conheci a minha esposa, Regina,
nos casamos em 26 de Dezembro de 1986. Em 07 de Setembro de 1987, embarquei para os
Estados Unidos, afim de me engajar no
programa de doutorado do “Nuclear Engineering Department” da “The University of Tennessee, Knoxville, TN.” Fui convidado a me juntar ao
programa pelo Dr. Rafael B. Perez, então professor daquele departamento. Eu o havia
conhecido um ano e meio antes, numa viagem de visita científica que ele fez ao Brasil,
Uruguai e Argentina. Permaneci no programa até concluí-lo em 12 de Maio de 1992. Durante este
período, realizei trabalhos de pesquisa em simulação numérica de componentes de reatores nucleares
para o “Oak Ridge National Laboratory”, como parte do meu trabalho de doutorado.
Voltei ao Brasil no final de Maio de 1992. Reassumi minha posição de Pesquisador Assistente.
Meus filhos Nícholas e Max nasceram uma década depois deste retorno. Desde então
tenho estado envolvido com diversos projetos nucleares de interesse do IEAv, a
exemplo do projeto RESPA (Reatores Espaciais) e REARA (Reatores Rápidos). Aproveitei meu
conhecimento na área de Simulação Numérica e construí uma biblioteca de programas simuladores de componentes de reatores nucleares convencionais, chamada SIMODIS. Em 1997, fui convidado pelo Dr. Luiz Henrique Claro, então chefe da Divisão de Energia Nuclear, a
assumir a posição de Adjunto da Divisão.
Em 2005, fui convidado pelo então Diretor do IEAv, Cel.
Dino Ishikura, a assumir a Chefia da Divisão, permanecendo neste cargo desde então. Já no
final da década dos 90, início dos 2000 meu interesse pela área de reatores espaciais cresceu
consideravelmente. Este interesse floresceu em uma pesquisa, a qual em 2008 transformou-se
no projeto TERRA (TEcnologia de Reatores Rápidos Avançados) e eu me tornei o gerente
deste projeto.
No ano de 2009 recebi a Medalha de Mérito Científico Santos Dumont do
Comando da Aeronáutica, Ministério da Defesa.
Desde o ano 1993 sou professor universitário, tendo lecionado em cursos de engenharia
noturnos. Lecionei na Universidade Braz Cubas, em Mogi das Cruzes, entre 1993 e
2006. Leciono na Faculdade de Tecnologia São Francisco desde 2007. Leciono
também no curso de pós graduação em Computação Aplicada do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais, na área de Inteligência Artificial. E sou professor da
pós-gradução em Ciências e Tecnologias Espaciais do ITA/IEAv/IAE. Ao longo de
20 anos de trabalho em ensino, juntamente com pesquisa, aprendi que a formação
de recursos humanos de qualidade é fundamental para se aspirar à exploração
espacial.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Lamartine, estarmos aqui hoje discutindo sobre propulsão espacial nuclear pode parecer para muitos de nossos leitores algo sem propósito (coisa que não concordamos), especialmente para um país como o Brasil
que, após mais de 50 anos, ainda não conseguiu sequer colocar um parafuso no espaço. O
senhor poderia nos fazer um relato de como surgiu essa ideia, o seu real objetivo e quando
realmente foi iniciado o Programa TERRA?
DR. LAMARTINE
GUIMARÃES: Por questão de nomenclatura, a forma correta de se referir ao TERRA é como projeto TERRA. O projeto TERRA tornou-se
concreto quando, em 2008, ele se tornou um projeto estratégico do Comando da Aeronáutica.
Mas a sua idéia e conceito começaram na forma de pesquisa, por volta dos últimos
anos da década de 90. Você está certo em dizer que não há tradição no Brasil na área nuclear
aplicada à exploração espacial. Os países que se envolveram com esta tecnologia são Estados
Unidos, Rússia, França, Inglaterra (muito recentemente) e Brasil (também, muito
recentemente). Estes são os nominais, significando, enviam representantes aos congressos da
área, tornando-se conhecidos. Sabe-se que o Japão manifestou interesse, a Índia, também, e de
forma bem fechada a China. É interessante saber que o desenvolvimento de reatores
nucleares espaciais na China é conhecido devido a artigos de analistas Russos, que
disseram que a China persegue ativa e intensamente este objetivo.
Um outro fato é que no Livro Branco Chinês, está previsto
que a China pretende estabelecer base permanente na Lua, após 2020. Para um bom
entendedor, isto significa o uso da energia nuclear para geração elétrica. A
noite Lunar dura quinze dias. Por causa disto a única fonte elétrica confiável
é a que converte o calor nuclear em energia elétrica.
Nas palavras do avô dos programas espaciais do mundo
todo, o americano Robert H. Goddard, “A capacidade de navegação no Sistema Solar
requer o domínio do processo de desintegração atômica”. Esta afirmação de Robert Goddard
foi feita em 1907. Naquela época ele compreendeu que a energia nuclear era a única que
permitiria a navegação espacial, ou seja a liberdade de ir aonde se deseja. O uso da energia nuclear em navegação espacial está na mesma proporção, da mudança histórica na navegação
marítima, da troca da vela pela propulsão à vapor.
É bom lembrar que os Portugueses descobriram o Brasil
devido ao fato de que eles não conseguiam
descer a costa Africana no caminho para as Índias. Os Portugueses iam aonde o vento soprava, e na costa Africana
o vento sopra na direção contrária ao desejado.
Então, os Portugueses inventaram a manobra de volta ao mar. Rumavam Atlântico a
dentro, até que revertiam e iam para o sul. Em 1500, aportaram no Brasil, mas
eles queriam mesmo era ir para as índias.
No caso de um reator nuclear espacial não importa a atitude
ou a distância da Terra que ele se encontra, à geração de potência é constante
e confiável. Carlo Rubia, ganhador do prêmio Nobel de Física de 1984, disse que
a energia nuclear apresenta características
interessantes e únicas quando utilizada no espaço. Isto para significar que a geração
nuclear de energia depende apenas de si mesmo, ou seja, para se produzir o calor nuclear é preciso apenas que o material
nuclear esteja na quantidade e no formato geométrico certos. Além disto, note que os grandes atores
globais estão interessados no tema. Isto por si só deve mostrar a importância
tecnológica do mesmo.
Fato é que o Brasil não tem tradição em diversos
desenvolvimentos tecnológicos de ponta, mas já está passando da hora de começarmos
a ter, precisamos criar esta tradição. A tecnologia nuclear aplicada ao espaço
é um daqueles itens tecnológicos que um país com visão de futuro precisa ter. O
tempo de maturação desta tecnologia é longo. Precisamos então começar já, para
garantir opções aos Brasileiros do futuro. Desta forma o objetivo do projeto TERRA
é garantir que as tecnologias necessárias para o uso seguro da energia nuclear
no espaço sejam entendidas. Isto requer formação de recursos humanos específicos e de qualidade.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Lamartine, em que estagio se encontra atualmente as pesquisas nessa área no Brasil?
DR. LAMARTINE
GUIMARÃES: Estamos no começo do desenvolvimento. A estratégia é entender que um reator nuclear espacial é diferente dos
convencionais utilizados em Angra por exemplo. Para se ter uma idéia, o reator do submarino
nuclear é um PWR muito semelhante ao reator de Angra dos Reis. A diferença é
claro está no tamanho e na potência térmica gerada. Um reator de submarino gera 100 vezes menos potência que o reator de Angra. Um reator espacial gera 1000 vezes menos potência
que um reator de submarino. O reator de submarino é chamado de pequeno. O reator
espacial é denominado microrreator (aliás esta denominação foi primeiro usada dentro do
projeto TERRA). Os ciclos conversores de energia também são diferentes. O ciclo térmico de um PWR
é do tipo Rankine. Para o reator espacial dois ciclos são recomendados: Brayton e
Stirling.
No projeto TERRA estamos construindo um ciclo Brayton.
Temos também um trabalho de desenvolvimento de um motor Stirling. No caso do
reator espacial seu núcleo é inovador. Temos uma equipe trabalhando no desenvolvimento
deste conceito. Qualquer ciclo térmico precisa (2ª Lei da Termodinâmica) rejeitar
parte do calor produzido para o ambiente. No espaço, esta solução deve utilizar
tubos de calor. Assim, temos uma área de estudo de tubos de calor. E, hoje,
estamos apostando em uma tecnologia inovadora baseada em turbinas de Tesla. A
finalidade desta tecnologia é aumentar a eficiência do ciclo Brayton. Neste
caso, este último item é bolação nossa.
Nós reconhecemos o potencial, e nós estamos perseguindo
este objetivo. Inclusive estamos conversando com o órgão de patentes, o qual nos
recomendou uma mudança no nome da turbina para Turbina Passiva Multi-Fluido. Todas estas
áreas de pesquisa possuem alunos trabalhando. Seja de doutorado e mestrado através do
PG-CTE, seja de graduação utilizando alunos dos cursos de engenharia do ITA, da FATESF de Jacareí e da UNIFESP de São José dos Campos. Os alunos nos ajudam a criar a nova tecnologia e esperamos que os mesmos sejam mantidos como recursos humanos da área.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Lamartine é sabido que dentre os problemas que afligem o Programa Espacial Brasileiro, um dos mais graves é a falta de
recursos humanos adequados. No Programa TERRA isto também tem sido um problema?
DR. LAMARTINE
GUIMARÃES: Este problema de falta de recursos humanos não é exclusividade do Programa Espacial Brasileiro. Eu o
considero uma calamidade Nacional. É sem dúvida alarmante e preocupante. Mas posso dizer que não
se está parado. A própria AEB em conjunto com o CNPq criou a iniciativa do projeto
AEB/MCT/CNPq Nº 033/2010. Esta iniciativa tem a finalidade de gerar apoio financeiro a projetos que
visem a formação, fixação, capacitação de recursos humanos e agregação de especialistas, que contribuam para o ensino e a execução dos projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológicos da área espacial.
Felizmente, o projeto TERRA foi agraciado com algum
recurso desta iniciativa no que tange o desenvolvimento de tubos de calor. Estamos
sustentando um doutorado com a bolsa concedida. O projeto TERRA também reserva uma parte de
seus recursos para financiar bolsas de doutorado, mestrado e iniciação científica. Eu encaro
a formação de recursos humanos como o
“spin-off” de projetos inovadores como o TERRA.
BRAZILIAN SPACE:
Falando nisso Dr. Lamartine, qual é atualmente o número de profissionais envolvidos com o Programa TERRA e qual em sua opinião
seria o número adequado?
DR. LAMARTINE
GUIMARÃES: Neste momento, temos 12 profissionais. Destes apenas metade são funcionários. Os outros são colaboradores incluindo
pessoas em pós doutorados, doutorandos e mestrandos. Este número está moldado às
atividades que realizamos, e vice-versa. É preciso entender que como não se tem
recursos humanos específicos no mercado e há a necessidade de inserção harmônica no projeto,
deve-se crescer em RH de forma otimizada. Definitivamente, temos que aumentar o número
de funcionários. Minha estimativa é que deveríamos ter um funcionário a mais
por ano. O problema é que os atuais funcionários estão na linha para a aposentadoria. Isto significa,
repor o funcionário que sai por aposentadoria. Este ano teremos concurso no DCTA. A minha
Divisão deverá receber um pesquisador, se tudo der certo. O ideal seria receber
dois.
É preciso lembrar, também, que é necessário treinar este
pessoal que entra. E isto leva de dois a três anos para ser efetivo. Sendo bem
sincero, eu diria que hoje trabalhamos em uma condição um pouco abaixo do otimizado.
BRAZILIAN SPACE:
E quanto aos recursos financeiros Dr. Lamartine, no atual estágio de desenvolvimento do programa os mesmos tem sido
satisfatórios?
DR. LAMARTINE
GUIMARÃES: Até três anos atrás a briga por recursos financeiros era penosa. De três anos para cá, o projeto TERRA foi agraciado com
valores bastante convenientes para o tamanho que se quer dar ao projeto. O problema de você
receber mais do que deve é que você não consegue utilizá-lo bem. Posso dizer que o que
recebemos, utilizamos de forma eficiente.
No ano passado concluímos a instalação do Laboratório
Computacional de Tecnologia Nuclear. Temos hoje duas estações de trabalho de
médio porte e mais de uma dúzia de computadores menores, todos de qualidade.
Temos softwares para realizar simulações, visualizações e cálculos da área de
engenharia nuclear. Estamos trabalhando na construção do ciclo Brayton para o
Laboratório de Ciclos Térmicos. Temos as atividades de motores Stirling e
conversão elétrica com pistão linear no mesmo Laboratório. Temos um Laboratório
de Tubos de Calor onde desenvolve-se atividades relacionadas a tubos de calor. Temos
alguma agilidade para viagens a congressos com apresentação de trabalho,
aquisição de pequenas quantidades de materiais de consumo e serviços.
De forma que posso dizer que no momento temos o
suficiente para tocar o projeto. Ressalto apenas que “o futuro a Deus pertence.”
Quero dizer, espero que assim continue. Esta nossa entrevista é uma possível
ponte que pode ajudar nesta manutenção de Status Quo de recursos, informando o
público do esforço sendo realizado e ganhando seu apoio.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Lamartine, e quanto às instalações físicas a disposição do Programa no IEAv, elas já estão adequadas para a continuidade das
pesquisas, ou há ainda muito por fazer?
DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Como eu disse na resposta
anterior. Nossos recursos financeiros são em grande parte para construção da nossa
infra-estrutura e numa parte menor, manutenção dos nossos recursos humanos (alunos).
Como estas instalações ainda estão em construção, ainda há muito por fazer. E isto só
para entender o básico da área. Posso, no entanto, garantir que pelo menos apontamos no
rumo certo.
Veja que, 48 anos atrás (4 de março de 1965) os
Americanos lançaram seu primeiro reator nuclear espacial. Chamava-se SNAP-10A.
Este foi o único reator que eles colocaram em órbita até hoje. No entanto, os anos
60 foram especialmente prolíficos neste aspecto, diversos reatores de grande
porte foram testados com sucesso, em terra, pelos americanos. A finalidade
deste programa, chamado NERVA, era construir a nave que levaria o homem à
Marte.
Quando em meados da década de 70 o programa Apolo foi
cancelado pelo Congresso Americano. A necessidade de um reator nuclear para o
espaço tornou-se de baixíssima prioridade. Esta atividade, no entanto, não foi
descontinuada. Assim o demonstram estudos tecnológicos que vieram depois, a
exemplo do modelo 700, o conceito SP-100, o motor de míssil da USAF da década
de 90 e, recentemente, o JIMO. A empresa Pratt &Whitney Rocketdyne
desenvolveu um conceito misto de propulsor e gerador de energia elétrica para
uma missão humana a Marte. Este trabalho foi feito para o Glenn Research
Laboratory. Inicialmente, seria para uma missão na janela de 2016-2018, isto
foi alterado para 2031-2033 e se encontra em suspenso. No entanto, a revisão do
planejamento de missão é feita a cada dois anos.É preciso entender que o
planejamento americano não para. O tempo de falta de missão é utilizado para
aprimorar ferramentas, métodos e meios. Este é o espírito que estou
incorporando ao projeto TERRA.
Por outro lado, os Russos já lançaram 34 reatores, entre
os anos de 1970 e 1988. A coisa de uns três anos atrás os Russos declararam a
vontade de construir uma nave espacial com motor nuclear para irem até um asteróide de pequeno porte e iniciarem experimentos de desvio de órbita. Isto
no evento de se identificar um objeto em rota de colisão com o planeta Terra.
Estas notícias foram bem antes do evento de colisão ocorrido em fevereiro
passado. Vamos esperar e ver como este assunto evolui na mídia.
No ano passado, 2012, os americanos construíram e operaram
um reator tipo espacial, denominado “DUFF reactor”. O núcleo do reator é do
tipo rápido, o sistema de conversão de calor em energia elétrica era uma
máquina Stirling e o sistema de rejeição de calor era baseado em tubos de
calor.
Todos estes itens tecnológicos estão contemplados no
projeto TERRA. Isto significa dizer que estamos na nossa infância nuclear-espacial,
mas a criança é saudável e está tendo um desenvolvimento correto. Um detalhe
importante que não pode ser deixado de fora é o fato dos sistemas nucleares
espaciais poderem ser divididos em duas classes: aqueles que usam fissão
nuclear e os que usam decaimento
radioativo. Tudo que se falou até agora envolve apenas os de fissão nuclear.
Na área de decaimento radioativo o sucesso de uso é
estrondoso. No caso de decaimento radioativo o sistema é conhecido como o nome de RTG
(“Radioisotope Thermal Generator” ou Gerador Térmico a Radioisótopos). Os RTGs foram
utilizados em todas as missões Apolo após a Apolo 11, as duas Viking que pousaram em Marte, os
Pioneers 10 e 11, as Voyagers 1 e 2, a missão Galileo para Júpiter, a missão Ulysses para estudo
da Heliosfera Solar, a missão Cassini para Saturno, a missão New Horizons para Plutão, lançada
em 2006 com data de sobrevoo marcada para 2015 e a famosa “NASA’s Mars Science Laboratory”, também conhecida como Curiosity. Conclusão, a área de energia nuclear no espaço
é bem prolífica.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Lamartine tenho visto alguns artigos na net sobre o Programa TERRA onde foram apresentadas algumas concepções artísticas
bastante interessantes de motores nucleares acoplados ao Veículo Hipersônico 14X, a
rebocadores espaciais e ao que parece ser uma pequena estação espacial brasileira. O que o senhor
pode nos dizer sobre isso?
DR. LAMARTINE
GUIMARÃES: Tudo que posso dizer é que vivemos em uma época fascinante. Nós podemos dar visão aos nossos sonhos. Todas as imagens
as quais você se refere existem. Elas representam os nossos sonhos. Há um dito popular que
diz “uma imagem vale mais que mil palavras”. Para podermos mostrar do que estamos falando
fizemos aquelas imagens.
No caso do 14-X tomei um desenho do projeto deste veículo
(na época consegui esta imagem com o Cel. Sala gerente do projeto então), pedi
ao Ary Garcia um aluno de graduação em engenharia de controle e automação para usar o software
CATIA para criar a figura.
No caso dos outros desenhos foram feitos com o CATIA pelo,
então, Ten Giannino (hoje ele está em outras funções). Infelizmente, atrás das
figuras ainda não há um cálculo sólido de engenharia. Isto ainda levará algum
tempo. Mas devo dizer que já tenho o meu produto final.
É assim que se desenvolve as coisas inovadoras. Você sabe
o que quer, consegue mostrar o que quer aos tomadores de decisão. O caminho pra
chegar lá tem que ser inventado. Neste processo de invenção você convence
outros mais jovens e os forma. Eles ajudam a inventar melhor e o ciclo se autoalimenta.
Junto a esta entrevista lhe envio algumas destas imagens para ilustração.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Lamartine, quais são os objetivos a serem alcançados pelo senhor e sua equipe com o Programa TERRA no ano de 2013?
DR. LAMARTINE
GUIMARÃES: Neste ano de 2013 espero conseguir construir o forno de 300 kW, a caixa de água e seu suporte e realizar a reforma da
turbina NOELLE 60290. Todos estes itens estão relacionados com o ciclo Brayton. Onde o
forno é a fonte quente do mesmo. A caixa dáqua é a fonte fria. E a reforma da turbina é
necessária para fazê-la funcionar em um ciclo fechado.
Além disto, pretendemos testar a nossa terceira turbina
passiva multi-fluido (de Tesla), ter a nossa primeira máquina Stirling
funcionando e projetar e construir um sistema de aquecimento baseado em indução magnética. No caso deste último estamos experimentando um novo dispositivo que pode imitar melhor a produção de
calor nuclear.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Lamartine, numa previsão otimista, em sua opinião quando o Brasil terá o seu primeiro propulsor espacial nuclear para ser
testado em voo?
DR. LAMARTINE
GUIMARÃES: Sua pergunta é bastante peculiar. Isto por que testar em vôo é algo que se faz quando se tem confiança na performance do
equipamento. E o equipamento não existe ainda. É, também, preciso lembrar que estamos
falando de um dispositivo nuclear.
Na área nuclear há um paradigma, não se pode errar.
Justamente por isto muitos testes serão necessários antes de chegarmos ao vôo. Minha esperança é
que antes do final desta década tenhamos um simulador real, convencional (sem geração
neutrônica) de um sistema gerador de energia elétrica. É preciso garantir que as
quantidades de calor geradas são extraíveis e temos controle consciente sobre o processo. Uma vez que
sabemos como lidar com o calor temos que conseguir a aprovação da CNEN para
fabricar o núcleo de acordo com especificação.
Esta parte nunca foi feita antes. Estamos acompanhando o
processo que agora ocorre no Reator Naval e o que vai ocorrer com o Reator
Multipropósito Brasileiro (RMB). Estes dois desenvolvimentos nos darão a trilha que deverá
ser seguida. Ao fim desta trilha poderemos ter um protótipo de terra do reator espacial. Este ainda não voa. Acredito que até 2025 poderemos ter algo assim. O protótipo que voa virá
depois desta data.
Como eu disse nesta entrevista, estamos na infância desta
área. Temos que seguir sem acidentes. O tempo de maturação desta tecnologia é
longo. Temos uma capacidade de geração de recursos humanos e financeiros
limitados. Tudo isto aponta para depois 2025. É claro que a medida que o tempo passar este evento ficará mais bem definido no
tempo. Também considere que a medida que o tempo passar teremos melhores recursos
humanos e infraestrutura.
A construção de um reator espacial é antes de tudo um
passo político, uma decisão política forte pode abreviar este tempo. Além
disto, é provável que este desenvolvimento acabe sendo um esforço conjunto de algumas Nações. Se este for o caso, o projeto TERRA funciona como uma passagem
(ou o ingresso) de participação. Desde 2005, venho participando de congressos internacionais, onde apresento as intenções do projeto. A
comunidade interessada no assunto sabe dos nossos interesses e pretensões. A coisa mais interessante é que eu tenho notado nos últimos congressos que participei que já não estranham a
nossa presença. Fazemos parte do cenário. Somos mais um dos caras. Isto é bom.
BRAZILIAN SPACE:
Dr. Lamartine, além da propulsão nuclear espacial, em quais outras áreas o desenvolvimento dessa tecnologia trará benefícios a
sociedade brasileira?
DR. LAMARTINE
GUIMARÃES: Esta é uma pergunta interessante. O pessoal do projeto TERRA conversa muito sobre isto. Existe uma idéia que estivemos
entretendo. Trata-se de aplicar este reator como fonte elétrica ou de calor para extração do
petróleo do pré-sal. Em princípio, este reator é pequeno o suficiente, o que permite que ele
possa ser colocado no fundo do oceano para gerar ou energia elétrica ou calor, o que
significaria ter um bombeamento e vazão mais facilitados para o óleo bruto. Conversamos com pessoas
técnicas da Petrobras sobre este tema. Eles acharam interessante o conceito, mas querem
ver mais desenvolvimento antes de pensarem em apoiar a idéia. Assim continuamos a trabalhar
com afinco. Pelo menos podemos dizer que a idéia não foi rechaçada no seu nascedouro.
Isto é bom!!!!
Outra possibilidade de aplicação está no uso destas
unidades em locais de difícil acesso no território nacional, regiões inóspitas ou em situações de
mobilizações de grandes efetivos (defesa civil, forças de segurança nacional, forças
armadas, etc) em regiões distantes ou de desastres naturais que tenham prejudicado severamente a
distribuição da rede elétrica nacional.Todos estes usos terão que obedecer a critérios bastante rígidos, eu imagino. Afinal, trata-se de um equipamento
nuclear com combustível nuclear vivo no seu interior.
É importante ressaltar que tais critérios ainda não
existem, devido ao caráter inovador e novo da aplicação. E com certeza estes
critérios terão que ser estabelecidos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear
– CNEN, que é o órgão Brasileiro encarregado de cuidar e de fiscalizar sistemas
nucleares em Território Nacional.
Neste ponto, é importante esclarecer que o fato deste sistema
proposto ser um micro-sistema, cria facilidades únicas do ponto de vista de
segurança nuclear. A sua baixa potência implica em ter um inventário de
produtos de fissão baixo. Além disto, a baixa potência, estima-se, acaba
exigindo uma blindagem biológica para nêutrons bem reduzida o que torna a massa
total administrável. Estima-se que o sistema completo núcleo+conversão de
energia+rejeição de calor residual+blindagem biológica esteja entre 1 a 1,5 toneladas. Confesso, no entanto, que ainda estamos realizando os cálculos para
confirmar estas impressões iniciais.
Uma outra idéia surgiu no congresso PHYSOR do ano passado
do qual participei. Esta idéia é um “spin off” do estudo principal do projeto TERRA.
Trata-se de uma aplicação não prevista (por nós) da turbina passiva multi fluido. Estava
conversando com um pesquisador do IENCNEN-RJ, o Dr. Rubens Santos. Ele falava de uma idéia dele para aumentar a segurança de reatores do tipo Fukushima. Segundo a sua idéia precisaríamos de uma turbina passiva multifluido, ele só não sabia que estávamos
trabalhando neste conceito por outras razões.
No caso do reator de Fukushima, o terremoto seguido de
maremoto destruiu a linhas externas de transmissão elétrica e danificou os
geradores elétricos a Diesel, os quais existem para segurança interna da usina.
Naquele caso, sobrou apenas as baterias, as quais duraram em torno de 9 horas.
Após deste tempo o acidente tomou seu curso. Uma coisa ficou, no entanto, bastante
evidente, havia uma disponibilidade muito grande de vapor. Aliás, foi à geração
de vapor devido ao calor residual que causou o acidente.Ora, se acoplarmos o
vapor com a turbina passiva multi fluido temos a geração de energia elétrica
para situações desta natureza. Aliás, o nome atual da turbina deriva desta
aplicação.
Neste instante, temos uma motivação conceitual. Estamos
construindo um ciclo de vapor, baseado no ciclo Rankine, o qual tem dois objetivos
principais. O primeiro é nos permitir caracterizar a turbina passiva multi fluido operando com um fluido quente. Vapor é um excelente escolha pela
facilidade de obtenção e segurança. O segundo é mostrar viabilidade da idéia de
sistema de segurança passivo para usinas do tipo Fukushima. Estamos preparando
um trabalho a ser apresentado no próximo INAC 2013 que será realizado em
Recife, PE. Pretendemos, também, levar a idéia para o próximo Physor.
Percebemos que esta é uma idéia muito oportuna no momento. E é um “spin off” do
projeto TERRA.
BRAZILIAN SPACE:
Finalizando Dr. Lamartine, existe algo a mais que o senhor gostaria de destacar para os nossos leitores?
DR. LAMARTINE
GUIMARÃES: Sim, existe sim! Eu adoro boas citações, elas nos fazem pausar e pensar. Há uma citação muito interessante feita em Latin
“Fortuna Audaces Juvat. “ Isto significa “A sorte favorece o audaz”, o fato
interessante sobre esta citação é que ela foi o motor de vida do Almirante
Himan Rickover. Sem o Almirante Rickover não haveria marinha nuclear americana.
O custo daquele desenvolvimento foi altíssimo, lendo a sua história pode se
inferir que o almirante Rickover foi criticado de todos os lados, dentro e fora
da marinha americana. Apesar de todas as críticas ele não cedeu. Hoje, não se consegue imaginar a marinha americana sem ser nuclear. É o exemplo que gosto de
seguir.
Um outro fato interessante sobre a propulsão nuclear
espacial Brasileira é que seu marco zero é bastante antigo. Ele data de 12 de novembro de 1918. É
uma foto tirada na frente do antigo Ministério da Marinha. Neste encontro histórico estão
Alberto Santos Dumont e o Almirante Álvaro Alberto. O primeiro é o Pai da Aviação e o segundo
o Pai da Energia Nuclear no Brasil. A foto foi publicada no livro de João Carlos Vitor Garcia,
“Álvaro Alberto – A Ciência do Brasil”. Esta foto precisa de autorização para
ser publicada aqui, eu creio. O livro é da Contraponto Editora LTDA, http://www.contrapontoeditora.com.br.
Aproveito,também, para agradecer a oportunidade desta
entrevista. Espero que algo de bom possa vir como resultado da mesma. Obrigado à todos pela
paciência e atenção
O projeto TERRA
tem uma homepage http://www.ieav.cta.br/enu/projetos_enu.php.
Também é interessante olhar a utilidade pública desta
homepage http://www.ieav.cta.br/enu/util_publica_enu.php,
e a energia nuclear no espaço http://www.ieav.cta.br/enu/energia_nuclear_espaco.php.
A seguir algumas figuras para imaginar...
Figura 6. Laboratório Computacional de Tecnologia Nuclear, foto mostra a infraestrutura computacional montada. |
A concepção artistica da Estação Espacial Brasileira está fantástica. Não sei como funciona a ISS, e nem como funcionará a futura estação Chinesa, mas se o Brasil pudesse acoplar seria interessante. Mas mais interessante ainda seria se tivessemos a nossa propria estação independente lançado pelo nosso próprio foguete.
ResponderExcluirSão homens como o dr Lamartine que o Brasil precisa,lendo sua entrevista voltei a sonhar e acreditar num futuro melhor para o meu país.
ResponderExcluirExcelente entrevista, parabéns Duda.
ResponderExcluirObrigado Carlos, mas os méritos são todos do Dr. Lamartine.
ExcluirAbs
Duda Falcão
Pq arrecadação para manutenção do blog, se colocar um blog no ar não custa nenhum tostão? Outra pergunta: se este blog fosse editado por um graduado, todas informações aqui contidas teriam suas publicações permitidas?
ResponderExcluirOlá Anônimo!
ExcluirPois é, o blog escreve sozinho, faz as pesquisas e entrevistas por si mesmo não tomando tempo de ninguém, além é claro de lhe dar espaço também para poder opinar, mesmo não sabendo você como se aproveitar dessa oportunidade.
Abs
Duda Falcão
(Blog Brazilian Space)