Blog Entrevista Gerente do Projeto TERRA

Olá leitor!

Dr. Lamartine Guimarães
(Gerente do Projeto TERRA do IEAv)
Como é do seu conhecimento o blog “BRAZILIAN SPACE” vem apresentando quando possível uma série de entrevistas com personalidades públicas e privadas atuantes nas atividades de ciência, e tecnologias espaciais no Brasil.

Com esse objetivo, trago para você nesta manhã de quinta-feira uma entrevista com um dos mais ativos e visionários profissionais atuantes no Programa Espacial Brasileiro, ou seja, o Dr. Lamartine Nogueira Frutuoso Guimarães, pesquisador esse ligado ao Instituto de Estudos Avançados (IEAv), onde atualmente exerce a gerencia do Projeto TERRA.

Devido a sua agenda diária bastante complexa e também a necessária autorização dos órgãos competentes (DCTA/IEAv), demorou um pouco, mas finalmente o Dr. Lamartine Guimarães enviou ao blog a entrevista, nos esclarecendo com propriedade as nossas dúvidas quanto ao atual estágio desse fantástico projeto espacial do país, falando também um pouco de sua vida e carreira e sobre a formação de recursos humanos para atender este que é em 'nossa opinião' um dos mais inovadores projetos do setor espacial do Brasil.

Aproveito para agradecer ao Dr. Lamartine Guimarães pela entrevista concedida ao “Blog BRAZILIAN SPACE”, e também ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) e ao Instituto de Estudos Avançados (IEAv) por conceder a autorização que permitiu a realização dessa entrevista. Muito obrigados a todos vocês e aproveito para convidar ao leitor a ler atentamente essa esclarecedora entrevista do Dr. Lamartine.

Duda Falcão

BRAZILIAN SPACE: Dr. Lamartine, para aqueles leitores que não o conhecem nos fale sobre o senhor. Sua idade, formação, onde nasceu, trajetória profissional e desde quando o senhor está ligado ao Instituto de Estudo Avançados (IEAv)?

DR. LAMARTINE NOGUEIRA FRUTUOSO GUIMARÃES: Olá a todos! Eu tenho 53 anos. Nasci no interior de Minas Gerais, na casa dos meus avós maternos, zona rural da cidade de Aimorés, MG, fronteira com Baixo Guandú, ES. Meu pai era gerente das lojas Pernambucanas e tinha assumido a gerência da loja de Resende, RJ. Meu avô materno mandou um telegrama pro meu pai avisando do meu nascimento e ele me registrou como nascido em Resende, RJ. Vivi meus primeiros dois a três meses na casa de meu avós. E aí fui para Resende. É lá que me criei, estudei e cresci. Aos 17 anos fui fazer cursinho no Rio, em 1977 isto era a norma. Entrei para o Bacharelado em Física da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Graduei-me quatro anos depois e fui fazer o Mestrado em Engenharia Nuclear no IME (Instituto Militar de Engenharia). Graduei-me dois anos e meio depois, em Julho de 1984. Em 23 de Setembro de 1984 fui contratado pelo Instituto de Estudos Avançados na posição de Pesquisador Assistente da Divisão de Energia Nuclear. Tenho, hoje, completos 28 anos de IEAv, com muito orgulho.

Assim que cheguei ao IEAv conheci a minha esposa, Regina, nos casamos em 26 de Dezembro de 1986. Em 07 de Setembro de 1987, embarquei para os Estados Unidos, afim de me engajar no programa de doutorado do “Nuclear Engineering Department” da “The University of Tennessee, Knoxville, TN.” Fui convidado a me juntar ao programa pelo Dr. Rafael B. Perez, então professor daquele departamento. Eu o havia conhecido um ano e meio antes, numa viagem de visita científica que ele fez ao Brasil, Uruguai e Argentina. Permaneci no programa até concluí-lo em 12 de Maio de 1992. Durante este período, realizei trabalhos de pesquisa em simulação numérica de componentes de reatores nucleares para o “Oak Ridge National Laboratory”, como parte do meu trabalho de doutorado. Voltei ao Brasil no final de Maio de 1992. Reassumi minha posição de Pesquisador Assistente. Meus filhos Nícholas e Max nasceram uma década depois deste retorno. Desde então tenho estado envolvido com diversos projetos nucleares de interesse do IEAv, a exemplo do projeto RESPA (Reatores Espaciais) e REARA (Reatores Rápidos). Aproveitei meu conhecimento na área de Simulação Numérica e construí uma biblioteca de programas simuladores de componentes de reatores nucleares convencionais, chamada SIMODIS. Em 1997, fui convidado pelo Dr. Luiz Henrique Claro, então chefe da Divisão de Energia Nuclear, a assumir a posição de Adjunto da Divisão.

Em 2005, fui convidado pelo então Diretor do IEAv, Cel. Dino Ishikura, a assumir a Chefia da Divisão, permanecendo neste cargo desde então. Já no final da década dos 90, início dos 2000 meu interesse pela área de reatores espaciais cresceu consideravelmente. Este interesse floresceu em uma pesquisa, a qual em 2008 transformou-se no projeto TERRA (TEcnologia de Reatores Rápidos Avançados) e eu me tornei o gerente deste projeto.

No ano de 2009 recebi a  Medalha de Mérito Científico Santos Dumont do Comando da Aeronáutica, Ministério da  Defesa. Desde o ano 1993 sou professor universitário, tendo lecionado em cursos de engenharia noturnos. Lecionei na Universidade Braz Cubas, em Mogi das Cruzes, entre 1993 e 2006. Leciono na Faculdade de Tecnologia São Francisco desde 2007. Leciono também no curso de pós graduação em Computação Aplicada do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, na área de Inteligência Artificial. E sou professor da pós-gradução em Ciências e Tecnologias Espaciais do ITA/IEAv/IAE. Ao longo de 20 anos de trabalho em ensino, juntamente com pesquisa, aprendi que a formação de recursos humanos de qualidade é fundamental para se aspirar à exploração espacial.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Lamartine, estarmos aqui hoje discutindo sobre propulsão espacial nuclear pode parecer para muitos de nossos leitores algo sem propósito (coisa que não concordamos), especialmente para um país como o Brasil que, após mais de 50 anos, ainda não conseguiu sequer colocar um parafuso no espaço. O senhor poderia nos fazer um relato de como surgiu essa ideia, o seu real objetivo e quando realmente foi iniciado o Programa TERRA?

DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Por questão de nomenclatura, a forma correta de se referir ao TERRA é como projeto TERRA. O projeto TERRA tornou-se concreto quando, em 2008, ele se tornou um projeto estratégico do Comando da Aeronáutica. Mas a sua idéia e conceito começaram na forma de pesquisa, por volta dos últimos anos da década de 90. Você está certo em dizer que não há tradição no Brasil na área nuclear aplicada à exploração espacial. Os países que se envolveram com esta tecnologia são Estados Unidos, Rússia, França, Inglaterra (muito recentemente) e Brasil (também, muito recentemente). Estes são os nominais, significando, enviam representantes aos congressos da área, tornando-se conhecidos. Sabe-se que o Japão manifestou interesse, a Índia, também, e de forma bem fechada a China. É interessante saber que o desenvolvimento de reatores nucleares espaciais na China é conhecido devido a artigos de analistas Russos, que disseram que a China persegue ativa e intensamente este objetivo.

Um outro fato é que no Livro Branco Chinês, está previsto que a China pretende estabelecer base permanente na Lua, após 2020. Para um bom entendedor, isto significa o uso da energia nuclear para geração elétrica. A noite Lunar dura quinze dias. Por causa disto a única fonte elétrica confiável é a que converte o calor nuclear em energia  elétrica.

Nas palavras do avô dos programas espaciais do mundo todo, o americano Robert H. Goddard, “A capacidade de navegação no Sistema Solar requer o domínio do processo de desintegração atômica”. Esta afirmação de Robert Goddard foi feita em 1907. Naquela época ele compreendeu que a energia nuclear era a única que permitiria a navegação espacial, ou seja a liberdade de ir aonde se deseja. O uso da energia nuclear em navegação espacial está na mesma proporção, da mudança histórica na navegação marítima, da troca da vela pela propulsão à vapor.

É bom lembrar que os Portugueses descobriram o Brasil devido ao fato de  que eles não conseguiam descer a costa Africana no caminho para as Índias. Os Portugueses  iam aonde o vento soprava, e na costa Africana o vento sopra na direção contrária ao  desejado. Então, os Portugueses inventaram a manobra de volta ao mar. Rumavam Atlântico a dentro, até que revertiam e iam para o sul. Em 1500, aportaram no Brasil, mas eles queriam mesmo era ir para as índias.

No caso de um reator nuclear espacial não importa a atitude ou a distância da Terra que ele se encontra, à geração de potência é constante e confiável. Carlo Rubia, ganhador do prêmio Nobel de Física de 1984, disse que a energia nuclear apresenta  características interessantes e únicas quando utilizada no espaço. Isto para significar que a geração nuclear de energia depende apenas de si mesmo, ou seja, para se produzir o calor  nuclear é preciso apenas que o material nuclear esteja na quantidade e no formato geométrico  certos. Além disto, note que os grandes atores globais estão interessados no tema. Isto por si só deve mostrar a importância tecnológica do mesmo.

Fato é que o Brasil não tem tradição em diversos desenvolvimentos tecnológicos de ponta, mas já está passando da hora de começarmos a ter, precisamos criar esta tradição. A tecnologia nuclear aplicada ao espaço é um daqueles itens tecnológicos que um país com visão de futuro precisa ter. O tempo de maturação desta tecnologia é longo. Precisamos então começar já, para garantir opções aos Brasileiros do futuro. Desta forma o objetivo do projeto TERRA é garantir que as tecnologias necessárias para o uso seguro da energia nuclear no espaço sejam entendidas. Isto requer formação de recursos humanos específicos e de qualidade.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Lamartine, em que estagio se encontra atualmente as pesquisas nessa área no Brasil?

DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Estamos no começo do desenvolvimento. A estratégia é entender que um reator nuclear espacial é diferente dos convencionais utilizados em Angra por exemplo. Para se ter uma idéia, o reator do submarino nuclear é um PWR muito semelhante ao reator de Angra dos Reis. A diferença é claro está no tamanho e na potência térmica gerada. Um reator de submarino gera 100 vezes menos potência que o reator de Angra. Um reator espacial gera 1000 vezes menos potência que um reator de submarino. O reator de submarino é chamado de pequeno. O reator espacial é denominado microrreator (aliás esta denominação foi primeiro usada dentro do projeto TERRA). Os ciclos conversores de energia também são diferentes. O ciclo térmico de um PWR é do tipo Rankine. Para o reator espacial dois ciclos são recomendados: Brayton e Stirling.

No projeto TERRA estamos construindo um ciclo Brayton. Temos também um trabalho de desenvolvimento de um motor Stirling. No caso do reator espacial seu núcleo é inovador. Temos uma equipe trabalhando no desenvolvimento deste conceito. Qualquer ciclo térmico precisa (2ª Lei da Termodinâmica) rejeitar parte do calor produzido para o ambiente. No espaço, esta solução deve utilizar tubos de calor. Assim, temos uma área de estudo de tubos de calor. E, hoje, estamos apostando em uma tecnologia inovadora baseada em turbinas de Tesla. A finalidade desta tecnologia é aumentar a eficiência do ciclo Brayton. Neste caso, este último item é bolação nossa.

Nós reconhecemos o potencial, e nós estamos perseguindo este objetivo. Inclusive estamos conversando com o órgão de patentes, o qual nos recomendou uma mudança no nome da turbina para Turbina Passiva Multi-Fluido. Todas estas áreas de pesquisa possuem alunos trabalhando. Seja de doutorado e mestrado através do PG-CTE, seja de graduação utilizando alunos dos cursos de engenharia do ITA, da FATESF de Jacareí e da UNIFESP de São José dos Campos. Os alunos nos ajudam a criar a nova tecnologia e esperamos que os mesmos sejam mantidos como recursos humanos da área.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Lamartine é sabido que dentre os problemas que afligem o Programa Espacial Brasileiro, um dos mais graves é a falta de recursos humanos adequados. No Programa TERRA isto também tem sido um problema?

DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Este problema de falta de recursos humanos não é exclusividade do Programa Espacial Brasileiro. Eu o considero uma calamidade Nacional. É sem dúvida alarmante e preocupante. Mas posso dizer que não se está parado. A própria AEB em conjunto com o CNPq criou a iniciativa do projeto AEB/MCT/CNPq Nº 033/2010. Esta iniciativa tem a finalidade de gerar apoio financeiro a projetos que visem a formação, fixação, capacitação de recursos humanos e agregação de especialistas, que contribuam para o ensino e a execução dos projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológicos da área espacial.

Felizmente, o projeto TERRA foi agraciado com algum recurso desta iniciativa no que tange o desenvolvimento de tubos de calor. Estamos sustentando um doutorado com a bolsa concedida. O projeto TERRA também reserva uma parte de seus recursos para financiar bolsas de doutorado, mestrado e iniciação científica. Eu encaro a formação de recursos humanos  como o “spin-off” de projetos inovadores como o TERRA.

BRAZILIAN SPACE: Falando nisso Dr. Lamartine, qual é atualmente o número de profissionais envolvidos com o Programa TERRA e qual em sua opinião seria o número adequado?

DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Neste momento, temos 12 profissionais. Destes apenas metade são funcionários. Os outros são colaboradores incluindo pessoas em pós doutorados, doutorandos e mestrandos. Este número está moldado às atividades que realizamos, e vice-versa. É preciso entender que como não se tem recursos humanos específicos no mercado e há a necessidade de inserção harmônica no projeto, deve-se crescer em RH de forma otimizada. Definitivamente, temos que aumentar o número de funcionários. Minha estimativa é que deveríamos ter um funcionário a mais por ano. O problema é que os atuais funcionários estão na linha para a aposentadoria. Isto significa, repor o funcionário que sai por aposentadoria. Este ano teremos concurso no DCTA. A minha Divisão deverá receber um pesquisador, se tudo der certo. O ideal seria receber dois.

É preciso lembrar, também, que é necessário treinar este pessoal que entra. E isto leva de dois a três anos para ser efetivo. Sendo bem sincero, eu diria que hoje trabalhamos em uma condição um pouco abaixo do otimizado.

BRAZILIAN SPACE: E quanto aos recursos financeiros Dr. Lamartine, no atual estágio de desenvolvimento do programa os mesmos tem sido satisfatórios?

DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Até três anos atrás a briga por recursos financeiros era penosa. De três anos para cá, o projeto TERRA foi agraciado com valores bastante convenientes para o tamanho que se quer dar ao projeto. O problema de você receber mais do que deve é que você não consegue utilizá-lo bem. Posso dizer que o que recebemos, utilizamos de forma eficiente.

No ano passado concluímos a instalação do Laboratório Computacional de Tecnologia Nuclear. Temos hoje duas estações de trabalho de médio porte e mais de uma dúzia de computadores menores, todos de qualidade. Temos softwares para realizar simulações, visualizações e cálculos da área de engenharia nuclear. Estamos trabalhando na construção do ciclo Brayton para o Laboratório de Ciclos Térmicos. Temos as atividades de motores Stirling e conversão elétrica com pistão linear no mesmo Laboratório. Temos um Laboratório de Tubos de Calor onde desenvolve-se atividades relacionadas a tubos de calor. Temos alguma agilidade para viagens a congressos com apresentação de trabalho, aquisição de pequenas quantidades de materiais de consumo e serviços.

De forma que posso dizer que no momento temos o suficiente para tocar o projeto. Ressalto apenas que “o futuro a Deus pertence.” Quero dizer, espero que assim continue. Esta nossa entrevista é uma possível ponte que pode ajudar nesta manutenção de Status Quo de recursos, informando o público do esforço sendo realizado e ganhando seu apoio.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Lamartine, e quanto às instalações físicas a disposição do Programa no IEAv, elas já estão adequadas para a continuidade das pesquisas, ou há ainda muito por fazer?

DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Como eu disse na resposta anterior. Nossos recursos financeiros são em grande parte para construção da nossa infra-estrutura e numa parte menor, manutenção dos nossos recursos humanos (alunos). Como estas instalações ainda estão em construção, ainda há muito por fazer. E isto só para entender o básico da área. Posso, no entanto, garantir que pelo menos apontamos no rumo certo.

Veja que, 48 anos atrás (4 de março de 1965) os Americanos lançaram seu primeiro reator nuclear espacial. Chamava-se SNAP-10A. Este foi o único reator que eles colocaram em órbita até hoje. No entanto, os anos 60 foram especialmente prolíficos neste aspecto, diversos reatores de grande porte foram testados com sucesso, em terra, pelos americanos. A finalidade deste programa, chamado NERVA, era construir a nave que levaria o homem à Marte.

Quando em meados da década de 70 o programa Apolo foi cancelado pelo Congresso Americano. A necessidade de um reator nuclear para o espaço tornou-se de baixíssima prioridade. Esta atividade, no entanto, não foi descontinuada. Assim o demonstram estudos tecnológicos que vieram depois, a exemplo do modelo 700, o conceito SP-100, o motor de míssil da USAF da década de 90 e, recentemente, o JIMO. A empresa Pratt &Whitney Rocketdyne desenvolveu um conceito misto de propulsor e gerador de energia elétrica para uma missão humana a Marte. Este trabalho foi feito para o Glenn Research Laboratory. Inicialmente, seria para uma missão na janela de 2016-2018, isto foi alterado para 2031-2033 e se encontra em suspenso. No entanto, a revisão do planejamento de missão é feita a cada dois anos.É preciso entender que o planejamento americano não para. O tempo de falta de missão é utilizado para aprimorar ferramentas, métodos e meios. Este é o espírito que estou incorporando ao projeto TERRA.

Por outro lado, os Russos já lançaram 34 reatores, entre os anos de 1970 e 1988. A coisa de uns três anos atrás os Russos declararam a vontade de construir uma nave espacial com motor nuclear para irem até um asteróide de pequeno porte e iniciarem experimentos de desvio de órbita. Isto no evento de se identificar um objeto em rota de colisão com o planeta Terra. Estas notícias foram bem antes do evento de colisão ocorrido em fevereiro passado. Vamos esperar e ver como este assunto evolui na mídia.

No ano passado, 2012, os americanos construíram e operaram um reator tipo espacial, denominado “DUFF reactor”. O núcleo do reator é do tipo rápido, o sistema de conversão de calor em energia elétrica era uma máquina Stirling e o sistema de rejeição de calor era baseado em tubos de calor.

Todos estes itens tecnológicos estão contemplados no projeto TERRA. Isto significa dizer que estamos na nossa infância nuclear-espacial, mas a criança é saudável e está tendo um desenvolvimento correto. Um detalhe importante que não pode ser deixado de fora é o fato dos sistemas nucleares espaciais poderem ser divididos em duas classes: aqueles que usam fissão nuclear e os que usam  decaimento radioativo. Tudo que se falou até agora envolve apenas os de fissão nuclear.

Na área de decaimento radioativo o sucesso de uso é estrondoso. No caso de decaimento radioativo o sistema é conhecido como o nome de RTG (“Radioisotope Thermal Generator” ou Gerador Térmico a Radioisótopos). Os RTGs foram utilizados em todas as missões Apolo após a Apolo 11, as duas Viking que pousaram em Marte, os Pioneers 10 e 11, as Voyagers 1 e 2, a missão Galileo para Júpiter, a missão Ulysses para estudo da Heliosfera Solar, a missão Cassini para Saturno, a missão New Horizons para Plutão, lançada em 2006 com data de sobrevoo marcada para 2015 e a famosa “NASA’s Mars Science Laboratory”, também conhecida como Curiosity. Conclusão, a área de energia nuclear no espaço é bem prolífica.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Lamartine tenho visto alguns artigos na net sobre o Programa TERRA onde foram apresentadas algumas concepções artísticas bastante interessantes de motores nucleares acoplados ao Veículo Hipersônico 14X, a rebocadores espaciais e ao que parece ser uma pequena estação espacial brasileira. O que o senhor pode nos dizer sobre isso?

DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Tudo que posso dizer é que vivemos em uma época fascinante. Nós podemos dar visão aos nossos sonhos. Todas as imagens as quais você se refere existem. Elas representam os nossos sonhos. Há um dito popular que diz “uma imagem vale mais que mil palavras”. Para podermos mostrar do que estamos falando fizemos aquelas imagens.

No caso do 14-X tomei um desenho do projeto deste veículo (na época consegui esta imagem com o Cel. Sala gerente do projeto então), pedi ao Ary Garcia um aluno de graduação em engenharia de controle e automação para usar o software CATIA para criar a figura.

No caso dos outros desenhos foram feitos com o CATIA pelo, então, Ten Giannino (hoje ele está em outras funções). Infelizmente, atrás das figuras ainda não há um cálculo sólido de engenharia. Isto ainda levará algum tempo. Mas devo dizer que já tenho o meu produto final.

É assim que se desenvolve as coisas inovadoras. Você sabe o que quer, consegue mostrar o que quer aos tomadores de decisão. O caminho pra chegar lá tem que ser inventado. Neste processo de invenção você convence outros mais jovens e os forma. Eles ajudam a inventar melhor e o ciclo se autoalimenta. Junto a esta entrevista lhe envio algumas destas imagens para ilustração.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Lamartine, quais são os objetivos a serem alcançados pelo senhor e sua equipe com o Programa TERRA no ano de 2013?

DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Neste ano de 2013 espero conseguir construir o forno de 300 kW, a caixa de água e seu suporte e realizar a reforma da turbina NOELLE 60290. Todos estes itens estão relacionados com o ciclo Brayton. Onde o forno é a fonte quente do mesmo. A caixa dáqua é a fonte fria. E a reforma da turbina é necessária para fazê-la funcionar em um ciclo fechado.

Além disto, pretendemos testar a nossa terceira turbina passiva multi-fluido (de Tesla), ter a nossa primeira máquina Stirling funcionando e projetar e construir um sistema de aquecimento baseado em indução magnética. No caso deste último estamos experimentando um novo dispositivo que pode imitar melhor a produção de calor nuclear.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Lamartine, numa previsão otimista, em sua opinião quando o Brasil terá o seu primeiro propulsor espacial nuclear para ser testado em voo?

DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Sua pergunta é bastante peculiar. Isto por que testar em vôo é algo que se faz quando se tem confiança na performance do equipamento. E o equipamento não existe ainda. É, também, preciso lembrar que estamos falando de um dispositivo nuclear.

Na área nuclear há um paradigma, não se pode errar. Justamente por isto muitos testes serão necessários antes de chegarmos ao vôo. Minha esperança é que antes do final desta década tenhamos um simulador real, convencional (sem geração neutrônica) de um sistema gerador de energia elétrica. É preciso garantir que as quantidades de calor geradas são extraíveis e temos controle consciente sobre o processo. Uma vez que sabemos como lidar com o calor temos que conseguir a aprovação da CNEN para fabricar o núcleo de acordo com especificação.

Esta parte nunca foi feita antes. Estamos acompanhando o processo que agora ocorre no Reator Naval e o que vai ocorrer com o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB). Estes dois desenvolvimentos nos darão a trilha que deverá ser seguida. Ao fim desta trilha poderemos ter um protótipo de terra do reator espacial. Este ainda não voa. Acredito que até 2025 poderemos ter algo assim. O protótipo que voa virá depois desta data.

Como eu disse nesta entrevista, estamos na infância desta área. Temos que seguir sem acidentes. O tempo de maturação desta tecnologia é longo. Temos uma capacidade de geração de recursos humanos e financeiros limitados. Tudo isto aponta para depois 2025. É claro que a medida que o tempo  passar este evento ficará mais bem definido no tempo. Também considere que a medida que o tempo passar teremos melhores recursos humanos e infraestrutura.

A construção de um reator espacial é antes de tudo um passo político, uma decisão política forte pode abreviar este tempo. Além disto, é provável que este desenvolvimento acabe sendo um esforço conjunto de algumas Nações. Se este for o caso, o projeto TERRA funciona como uma passagem (ou o ingresso) de participação. Desde 2005, venho participando de congressos internacionais, onde apresento as intenções do projeto. A comunidade interessada no assunto sabe dos nossos interesses e pretensões. A coisa mais interessante é que eu tenho notado nos últimos congressos que participei que já não estranham a nossa presença. Fazemos parte do cenário. Somos mais um dos caras. Isto é bom.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Lamartine, além da propulsão nuclear espacial, em quais outras áreas o desenvolvimento dessa tecnologia trará benefícios a sociedade brasileira?

DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Esta é uma pergunta interessante. O pessoal do projeto TERRA conversa muito sobre isto. Existe uma idéia que estivemos entretendo. Trata-se de aplicar este reator como fonte elétrica ou de calor para extração do petróleo do pré-sal. Em princípio, este reator é pequeno o suficiente, o que permite que ele possa ser colocado no fundo do oceano para gerar ou energia elétrica ou calor, o que significaria ter um bombeamento e vazão mais facilitados para o óleo bruto. Conversamos com pessoas técnicas da Petrobras sobre este tema. Eles acharam interessante o conceito, mas querem ver mais desenvolvimento antes de pensarem em apoiar a idéia. Assim continuamos a trabalhar com afinco. Pelo menos podemos dizer que a idéia não foi rechaçada no seu nascedouro. Isto é bom!!!!

Outra possibilidade de aplicação está no uso destas unidades em locais de difícil acesso no território nacional, regiões inóspitas ou em situações de mobilizações de grandes efetivos (defesa civil, forças de segurança nacional, forças armadas, etc) em regiões distantes ou de desastres naturais que tenham prejudicado severamente a distribuição da rede elétrica nacional.Todos estes usos terão que obedecer a critérios bastante rígidos, eu imagino. Afinal, trata-se de um equipamento nuclear com combustível nuclear vivo no seu interior.

É importante ressaltar que tais critérios ainda não existem, devido ao caráter inovador e novo da aplicação. E com certeza estes critérios terão que ser estabelecidos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, que é o órgão Brasileiro encarregado de cuidar e de fiscalizar sistemas nucleares em Território Nacional.

Neste ponto, é importante esclarecer que o fato deste sistema proposto ser um micro-sistema, cria facilidades únicas do ponto de vista de segurança nuclear. A sua baixa potência implica em ter um inventário de produtos de fissão baixo. Além disto, a baixa potência, estima-se, acaba exigindo uma blindagem biológica para nêutrons bem reduzida o que torna a massa total administrável. Estima-se que o sistema completo núcleo+conversão de energia+rejeição de calor residual+blindagem biológica esteja entre 1 a 1,5 toneladas. Confesso, no entanto, que ainda estamos realizando os cálculos para confirmar estas impressões iniciais.

Uma outra idéia surgiu no congresso PHYSOR do ano passado do qual participei. Esta idéia é um “spin off” do estudo principal do projeto TERRA. Trata-se de uma aplicação não prevista (por nós) da turbina passiva multi fluido. Estava conversando com um pesquisador do IENCNEN-RJ, o Dr. Rubens Santos. Ele falava de uma idéia dele para aumentar a segurança de reatores do tipo Fukushima. Segundo a sua idéia precisaríamos de uma turbina passiva multifluido, ele só não sabia que estávamos trabalhando neste conceito por outras razões.

No caso do reator de Fukushima, o terremoto seguido de maremoto destruiu a linhas externas de transmissão elétrica e danificou os geradores elétricos a Diesel, os quais existem para segurança interna da usina. Naquele caso, sobrou apenas as baterias, as quais duraram em torno de 9 horas. Após deste tempo o acidente tomou seu curso. Uma coisa ficou, no entanto, bastante evidente, havia uma disponibilidade muito grande de vapor. Aliás, foi à geração de vapor devido ao calor residual que causou o acidente.Ora, se acoplarmos o vapor com a turbina passiva multi fluido temos a geração de energia elétrica para situações desta natureza. Aliás, o nome atual da turbina deriva desta aplicação.

Neste instante, temos uma motivação conceitual. Estamos construindo um ciclo de vapor, baseado no ciclo Rankine, o qual tem dois objetivos principais. O primeiro é nos permitir caracterizar a turbina passiva multi fluido operando com um fluido quente. Vapor é um excelente escolha pela facilidade de obtenção e segurança. O segundo é mostrar viabilidade da idéia de sistema de segurança passivo para usinas do tipo Fukushima. Estamos preparando um trabalho a ser apresentado no próximo INAC 2013 que será realizado em Recife, PE. Pretendemos, também, levar a idéia para o próximo Physor. Percebemos que esta é uma idéia muito oportuna no momento. E é um “spin off” do projeto TERRA.

BRAZILIAN SPACE: Finalizando Dr. Lamartine, existe algo a mais que o senhor gostaria de destacar para os nossos leitores?

DR. LAMARTINE GUIMARÃES: Sim, existe sim! Eu adoro boas citações, elas nos fazem pausar e pensar. Há uma citação muito interessante feita em Latin “Fortuna Audaces Juvat. “ Isto significa “A sorte favorece o audaz”, o fato interessante sobre esta citação é que ela foi o motor de vida do Almirante Himan Rickover. Sem o Almirante Rickover não haveria marinha nuclear americana. O custo daquele desenvolvimento foi altíssimo, lendo a sua história pode se inferir que o almirante Rickover foi criticado de todos os lados, dentro e fora da marinha americana. Apesar de todas as críticas ele não cedeu. Hoje, não se consegue imaginar a marinha americana sem ser nuclear. É o exemplo que gosto de seguir.

Um outro fato interessante sobre a propulsão nuclear espacial Brasileira é que seu marco zero é bastante antigo. Ele data de 12 de novembro de 1918. É uma foto tirada na frente do antigo Ministério da Marinha. Neste encontro histórico estão Alberto Santos Dumont e o Almirante Álvaro Alberto. O primeiro é o Pai da Aviação e o segundo o Pai da Energia Nuclear no Brasil. A foto foi publicada no livro de João Carlos Vitor Garcia, “Álvaro Alberto – A Ciência do Brasil”. Esta foto precisa de autorização para ser publicada aqui, eu creio. O livro é da Contraponto Editora LTDA, http://www.contrapontoeditora.com.br.

Aproveito,também, para agradecer a oportunidade desta entrevista. Espero que algo de bom possa vir como resultado da mesma. Obrigado à todos pela paciência e atenção

O projeto TERRA tem uma homepage http://www.ieav.cta.br/enu/projetos_enu.php.

Também é interessante olhar a utilidade pública desta homepage http://www.ieav.cta.br/enu/util_publica_enu.php, e a energia nuclear no espaço http://www.ieav.cta.br/enu/energia_nuclear_espaco.php.

A seguir algumas figuras para imaginar...

Figura 4. Foto dos alunos associados ao projeto TERRA. Da
esquerda para direita: Guilherme Placco, Cássia Felix, Ary Garcia,
Suzy Nogueira, Josenei Godói, Camila Camargo e Natália Borges.
Foto tirada no Laboratório Computacional de Tecnologia Nuclear.
Figura 5. Da esquerda para direita: Dr. Lamartine Guimarães
(gerente do projeto TERRA), Guilherme Placco, Ary Garcia,
Josenei Godói, Suzy Nogueira, Camila Camargo, Cássia Felix
e o Dr. Eduardo Borges. Foto tirada no Laboratório
Computacional de Tecnologia Nuclear.
Figura 6. Laboratório Computacional de Tecnologia Nuclear,
foto mostra a infraestrutura computacional montada.

Comentários

  1. A concepção artistica da Estação Espacial Brasileira está fantástica. Não sei como funciona a ISS, e nem como funcionará a futura estação Chinesa, mas se o Brasil pudesse acoplar seria interessante. Mas mais interessante ainda seria se tivessemos a nossa propria estação independente lançado pelo nosso próprio foguete.

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  2. São homens como o dr Lamartine que o Brasil precisa,lendo sua entrevista voltei a sonhar e acreditar num futuro melhor para o meu país.

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  3. Excelente entrevista, parabéns Duda.

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    1. Obrigado Carlos, mas os méritos são todos do Dr. Lamartine.

      Abs

      Duda Falcão

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  4. Pq arrecadação para manutenção do blog, se colocar um blog no ar não custa nenhum tostão? Outra pergunta: se este blog fosse editado por um graduado, todas informações aqui contidas teriam suas publicações permitidas?

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    1. Olá Anônimo!

      Pois é, o blog escreve sozinho, faz as pesquisas e entrevistas por si mesmo não tomando tempo de ninguém, além é claro de lhe dar espaço também para poder opinar, mesmo não sabendo você como se aproveitar dessa oportunidade.

      Abs

      Duda Falcão
      (Blog Brazilian Space)

      Excluir

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