Está na Hora de Começar a Rever a Teoria da Relatividade
Olá leitor!
Segue abaixo uma interessante entrevista com o físico
brasileiro Mário Novello postada dia (17/08) no site do jornal “O Globo”.
Duda Falcão
CIÊNCIA
‘Está na Hora de Começar a Rever
a Teoria da
Relatividade’
Às vésperas de completar 70 anos, um dos mais importantes
físicos do Brasil é homenageado em simpósio e faz
um balanço da ciência e seu futuro
Cesar Baima
O GLOBO
Publicado em 17/08/2012 - 9h44
Atualizado em 17/08/2012 - 15h50
Foto: Marcelo Carnaval
RIO
- Um dos maiores físicos brasileiros da atualidade, o professor Mário Novello
completa 70 anos no próximo dia 24. Em sua homenagem, a instituição onde
trabalha, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), promoveu um simpósio
especial da última quarta-feira até esta sexta, em que pesquisadores do Brasil
e de várias partes do mundo vão discutir as principais ideias e teorias que ele
apresentou nos seus anos de atuação na ciência. Em entrevista a O GLOBO,
Novello resumiu algumas delas e comemorou a atenção cada vez maior que a física
recebe do público em geral.
Quais foram seus focos de estudo nos últimos anos?
Eu
me interessei por cinco grandes questões de conhecimento da natureza. A
primeira é se o Universo teve um começo singular há alguns bilhões de anos ou é
muito mais velho, possivelmente eterno, ou seja, se teve um colapso anterior à
fase atual de expansão ou não. A segunda é se é possível produzir um buraco
negro não-gravitacional em laboratório. Os buracos negros são um conceito
tipicamente de gravitação, mas mostramos, eu e minha equipe, desde 2001 que
certos efeitos eletrodinâmicos não-lineares podem produzir um comportamento dos
fótons, os grãos de luz, típico do que têm quando na vizinhança de um buraco
negro, o que significa que em certas circunstâncias seria possível fabricar um
buraco negro não-gravitacional, eletromagnético, no laboratório. Isso teria
consequências muito interessantes, como, por exemplo, esconder o que se quiser
dentro dele, pois a matéria lá dentro não consegue emitir fótons e, assim, não
seria possível ser detectada. A terceira é a origem da massa, que ganhou tanta
atenção recentemente com o anúncio da detecção do bóson de Higgs. A quarta
envolve um trabalho que fiz há algum tempo sobre a hipótese de que as
interações da física poderiam variar com a situação espaçotemporal, ou seja,
que a física que a gente descobre na Terra não é necessariamente a mesma em
qualquer lugar do Universo. Aprendemos que as leis da física foram geradas de
uma maneira que não sabemos como e cabe a nós simplesmente descobri-las, isto
é, elas são o que são e não podem ser emendadas ou mudadas. Mas se por acaso
houver uma dependência das interações fundamentais com a situação do Universo,
poderia se começar a pensar que talvez tenha havido outras configurações e esta
que hoje chamamos de leis da física são na verdade um conjunto cuja coerência
durou um certo tempo suficientemente grande para gerar o que a gente chama de
Universo. É mais ou menos a mesma diferença entre Ptolomeu e Copérnico. Nós
achávamos que a Terra era o centro do Universo, e agora achamos que as leis da
física descobertas na Terra são as mesmas em todo Universo. Guardadas as
devidas proporções, o que estamos discutindo é se isso é verdade mesmo. Isso
não pode ser um dogma a priori, é preciso testar, e onde testamos isso é com a
Cosmologia, que está produzindo uma refundação da física como não se viu desde
o século XVI. Já a quinta é a geometria do microcosmos, que é delicada. O mundo
quântico tem propriedades muito especiais. Desde os anos 20 que a gente
considera que neste mundo não se deve falar em processos contínuos, mas
discretos. Daí o famoso “salto quântico”, que foi caracterizado de forma bem
clara nas órbitas dos átomos de hidrogênio, e nos outros também, em que os
elétrons não fica em todos lugares, eles têm certas órbitas preferenciais, que
são determinadas exatamente pelas equações que regem este mundo quântico. Mas
nos anos 50 David Bohm (físico britânico de origem americana que também foi
cidadão brasileiro e viveu no país no início dos anos 50) produziu um cenário
com uma visão contínua do mundo quântico que é a única, ou pelo menos uma das
poucas, que pode ser aplicada na Cosmologia. Isso porque quando se vai produzir
um modelo quântico do Universo, não se pode usar a interpretação clássica da
mecânica quântica, a da Escola de Copenhague, que exige que se tenha um
observador externo ao sistema. Ora, como não pode haver um observador externo
ao que a gente chama de Universo, não poderia haver, neste caso, uma Cosmologia
quântica. Para que ela exista, é preciso sair desta interpretação e é daí que
vem a ideia de Bohm e de De Broglie (Louis De Broglie, físico francês ganhador
do Nobel de 1929). No nosso grupo de Cosmologia no CBPF, temos trabalhado muito
nesta direção e fizemos uma mudança na estrutura métrica que envolve o
microcosmos. Isso é curioso porque estamos acostumados a medidas euclidianas no
cotidiano. A Relatividade Especial, no entanto, mostrou que essa geometria
euclidiana pode ser alterada quando você tem objetos com velocidades
extremamente elevadas. O que estamos construindo é uma terceira possibilidade
que é uma geometria do tipo produzida pelo matemático e físico alemão Hermann
Weyl que pode exatamente ser responsável por aquele tipo de coisas que a gente
chama de efeitos quânticos. Neste modo de encarar, os efeitos quânticos seriam
na verdade propriedades do fato de termos uma estrutura métrica no interior do
microcosmos do tipo não-euclidiana, o que muda de forma fantástica várias
interpretações que temos até agora. São estas as cinco questões que basicamente
tenho me envolvido. E claro que neste meio tempo orientei mais de 50 teses de
mestrado e doutorado de meus alunos.
Entre 2014, a Copa do Mundo no Brasil, e 2016, as Olimpíadas
do Rio, temos os 100 anos da Teoria da Relatividade Geral de Einstein em 2015.
Como o senhor e o CBPF estão se preparando para comemorar a data?
Há
algum tempo venho propondo para o governo brasileiro a criação de um instituto
de Cosmologia. Nos últimos 10 anos, os países do chamado Brics (sigla em inglês
para Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul), com exceção do Brasil,
montaram seus instituto de Cosmologia mostrando que a ciência fundamental faz
parte do seu desenvolvimento, mostrando que em alguns anos esperam estar na
fronteira do conhecimento, pois os centros tradicionais, como a Europa, estão
em decadência. O Brasil então deveria seguir os “Rics” se quiser também
participar deste movimento. Não seria a primeira vez que o CBPF daria origem a
outra instituição de excelência. O Laboratório Nacional de Computação
Científica (LNCC); o Laboratório Nacional de Luz Síncroton, em Campinas, e o
Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) vieram do CBPF. Ele é um gerador
de institutos que, no entanto, não tiram um pedaço dele. Ao contrário, o CBPF
engrandece cada vez mais quando faz uma coisa dessas. Devemos ter uma
instituição nacional voltada para a Cosmologia.
No mês passado, tivemos o anúncio da detecção do bóson de
Higgs, que ganhou atenção da mídia e do público ao redor do mundo. Como o
senhor vê este crescente interesse geral em ciências de ponta como a Física?
A
maior parte das questões da Física envolvem também questões fundamentais do ser
humano, como de onde viemos, para onde vamos. Tanto que o Higgs, ou a expansão
do Universo, o Big Bang, os buracos negros, questões que as pessoas não
entendem bem, chamam a atenção. São questões que estão no limite do
conhecimento e estão interligadas na Cosmologia. Ao longo dos meus 35 anos de
trabalho, sempre lidei com estes temas que estão na fronteira do conhecimento e
têm um apelo popular notável, primeiro porque não sabemos totalmente a resposta.
E segundo porque a visão que elas nos dão do Universo é maravilhosa. É como se
estivéssemos vivendo uma época que está passando daquela visão estreita da
Terra como centro de tudo para uma imagem grandiosa do Universo. Na semana
passada estive em um evento organizado pelo rabino Nilton Bonder e foi muito
bom ver o interesse das pessoas em assuntos que de uma certa maneira fogem de
seu dia a dia. As pessoas perguntaram basicamente duas coisas: se o Higgs pode
ter alguma importância na descrição do Universo e como se vê hoje a evolução do
Universo. Eram 20h30 de uma quarta-feira e as pessoas lotaram um anfiteatro
mostrando um interesse fantástico na ciência.
Neste caso, o apelido marqueteiro do Higgs como “partícula
de Deus” não teria influenciado esse interesse, apesar de na verdade sua busca
não ter nada a ver com religião ou provar ou não a existência de Deus, mas sim
decifrar as leis do Universo que está à nossa volta?
Destaquei
lá que não há oposição entre ciência e religião. Religião trata de fé, enquanto
a ciência é uma interpretação racional da natureza. Tem cientistas que
acreditam em Deus e são religiosos, judeus, católicos, protestantes,
muçulmanos, pois não há contradição. O debate não é religioso e as pessoas
aceitaram isso muito bem. A questão não é como o cientista está vendo Deus, ele
está produzindo um conhecimento do nosso Universo. É o que a gente pode fazer,
porque o conhecimento de Deus não se pode dar através da razão, apenas de outra
coisa que a gente chama de fé. São dois modos como o homem pensa o mundo e
interage com a sociedade distintas e que não são incompatíveis. Cada coisa com
seu próprio Universo.
E quanto à evolução do Universo e a descoberta que sua
expansão está se acelerando, o que trouxe a necessidade de encontrar explicações
quase que esotéricas, como a misteriosa energia escura, que ninguém sabe o que
é?
Essa
é uma discussão importante, ainda mais tendo em vista os 100 anos da
Relatividade. O momento é de começar a pensar em alterar um pouco a Teoria da
Relatividade Geral de Einstein, o que vai mudar nossa visão da Cosmologia.
Assim como Einstein não provou que Newton estava errado, só incompleto, estamos
vendo que ele também não está completo e é preciso encontrar algumas mudanças
em sua teoria, principalmente na presença de campos gravitacionais muito
intensos. Einstein não está errado, o que ele fez é observacionalmente correto,
principalmente com os dados que ele tinha na época. Mas não explica uma série
de novas observações e novos fenômenos que a gente tem que descobrir um modo de
interpretar mudando a Relatividade Geral, e propostas estão sendo desenvolvidas
no mundo todo. É interessante ver que 100 anos depois, o que Einstein
classificou com um dos seus maiores erros, a constante cosmológica, talvez
tenha que ser reintroduzida na sua teoria com outras propriedades. A gente sabe
que não sabe tudo.
Fonte: Site do Jornal O GLOBO - 17/03/2012 - http://oglobo.globo.com/
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