Artigo: Os Bastidores da Cobertura do ET de Varginha e o Jornalismo Literário Com Cores Locais
Olá leitores e leitoras do BS!
Veja abaixo um artigo publicado dia (04/07) no
site ‘Observatório da Imprensa’, tendo
como tema central (na visão do autor) o famoso ‘Caso do ET de Varginha’ em um ângulo pouco explorado e que sustenta o
lançamento de um livro recente, intitulado, “Os ETs de Varginha:
Bastidores de Uma Cobertura de Outro Mundo”, escrito pela jornalista
Margarida Hallacoc, que na época
acompanhou o caso in loco. Entenda melhor essa história pelo artigo abaixo, confira!
Aproveitamos para agradecer publicamente ao Prof. Dawson Tadeu Izola pelo envio deste interessante artigo.
Brazilian Space
Jornalismo Literário - Jornalismo Local
Os Bastidores da Cobertura do ET de Varginha e o
Jornalismo Literário Com Cores Locais
Por Pedro Varoni*
Edição 1245
4 de julho de 2023
Fonte: Site Observatório de Imprensa - https://www.observatoriodaimprensa.com.br
Foto: Divulgação
O caso do ET de Varginha já motivou reportagens,
documentários, programas de humor, abordagens sensacionalistas. Há, entretanto,
um ângulo pouco explorado e que sustenta o lançamento de um livro recente, “Os
ETs de Varginha: bastidores de uma cobertura de outro mundo” (Página
Editora), escrito por Margarida Hallacoc. No verão de 1996, quando se teve
notícia do fato -boato? delírio? quem saberá?- da chegada de um extraterreste
no bairro Jardim Andere, em Varginha, Margarida era uma jovem repórter da
sucursal local do jornal Hoje em Dia. O ângulo explorado por ela é,
justamente, o desafio do jornalismo em cobrir uma história tão cheia de nuances
e mistérios. Como aplicar os ensinamentos da faculdade recém terminada, diante
de uma demanda que escapava às teorias?
Na prática, era foca, ingênua e deslumbrada com a
profissão. Aprenderia, na porrada, que ninguém é imparcial. Todos somos nós
mesmos quando trabalhamos e nós não somos imparciais. O que muda é o percentual
de cuidado e esforço que cada profissional empenha na hora de passar adiante
uma informação.
É ali, aquele contexto e com os recursos que dispunha,
que o relato de Margarida vai tecendo os fios que revelam, antes de tudo,
procedimentos deontológicos do jornalismo diante de uma pauta inusitada. É
nesse ponto que a história de Margarida se entrelaça à minha. Eu também era
jornalista em início de carreira, no caso a chefia da redação da EPTV/Sul de
Minas, seis anos depois da minha chegada a Varginha, recém-formado. Margarida
tem melhor memória, preservou suas anotações e estava na linha de frente, a
reportagem, o lugar mais nobre do jornalismo. Mas a gente se deparava com
problemas parecidos. Expressões como fake news ou desinformação ainda
não havia sido inventadas. Mas era difícil acreditar que um extraterreste foi
visto num terreno abandonado, levado pelo exército até o hospital da cidade e,
depois, seguindo um destino ignorado. O que era fato, o que era boato? Foi um
teste pesado para um jovem chefe de redação, como era para a repórter
iniciante.
Quando algum me pergunta a respeito da história, creio
ter dado depoimentos frustrantes. Não sei apresentar indícios diferentes do que
já circulam e também não consigo aderir fácil à desqualificação do
acontecimento. Talvez por isso, me identifiquei com o texto de Margarida e
devorei as suas 200 páginas com curiosidade e nostalgia, o prazer de reler por
um ângulo próximo, o que eu mesmo tinha vivido. O temor da perda da
credibilidade, a busca pela audiência, o respeito às fontes e aos leitores, uma
incapacidade de ligar os fios da história. O que é notícia? O que não é? Até
hoje essa pauta ressoa como espécie de paradigma na minha história de
jornalista. Relutei um pouco para entrar na história, mas fui tomado por vários
apelos: do comando da rede Globo, que atestava a credibilidade dos ufólogos
envolvidos, ao movimento da cidade, onde não se falava de outra coisa.
Extrair uma matéria desses bochichos, sem parecer que
nós do jornal, também entramos numa onda cósmica além da conta era meu desafio.
Reportar, não ignorar, sem parecer ridícula, sem expor o veículo que eu
trabalhava a chacotas desnecessárias (…) encontrar um meio termo e seguir em
frente era o que me tirava o sono por aqueles dias.
O texto caminha ao melhor estilo de um jornalismo
literário com cores locais. Original, direto, sem artifícios ou maneirismos.
Margarida nasceu e se criou no sul de Minas, tem origem rural e já demonstrava
aquela altura um talento especial para cultivar fontes, uma curiosidade em
cruzar informações. Produziu um texto vivo que, lido na perspectiva de hoje,
retrata uma época, um contexto e um certo olhar para a terra, o que nos faz
apostar na importância da dimensão de um jornalismo literário local. Cada
comunidade tem seu jeito de contar suas histórias, e essa diversidade é também
potencializada pelo jornalismo, algo que Antônio Candido chamava de sentimento
de localidade, que ultrapassa o aspecto geográfico e alcança as formas de
intercâmbio.
O livro narra casos que procederam a tal chegada do ET,
uma série de outros avistamentos de naves nas cidades da região, relatos de
pessoas abduzidas. Um surto coletivo de olhar para o céu é o cenário para
manifestação de pessoas que trouxeram suas histórias antigas, diante da
iminência de um acontecimento intergaláctico. Havia essa atmosfera no ar, disso
me lembro bem. A incrível história de um vaqueiro que fora abduzido algumas
vezes, tinha um estranho caroço no pescoço e que, onde chegava a energia
elétrica queimava, por isso não conseguia ser atendido pelos médicos. Ou então
das velhas senhoras que trabalhavam no tear, na serra da Tormenta, em Carmo do
Rio Claro, que relatavam a presença de naves nas noites estreladas. Sem contar
o dia em que, em muitos pontos, entre Varginha e Três Corações, as pessoas
viram objetos voadores não identificados.
O telefone tocou o dia inteiro na sucursal do Hoje em
Dia, com várias pessoas de Varginha e cidades vizinhas relatando avistamentos
no céu, como descrições do objeto redondo que havíamos visto, ou outros
formatos como micro-ônibus, submarinos, um charuto gigante.
Havia assombro, curiosidade, expectativa. Reunião de
ufólogos a portas fechadas, seguida da divulgação de um manifesto.
Os ufólogos brasileiros abaixo representados (….) após
mais de três meses de intensas investigações ( …) não têm mais a menor dúvida
do que ocorreu em Varginha, Minas Gerais, no dia 20 de janeiro, e nos dias
imediatamente seguintes, do mês corrente de 1996, uma verdadeira e complexa
operação, envolvendo autoridades militares e profissionais civis, que resultou
na captura de criaturas não classificadas biologicamente, para-cientificamente,
chamadas de EBES (Entidades Biológicas Extraterrestes), as quais foram mantidas
sob observação médica, e posteriormente retiradas da cidade.
O que dizer da visita do conceituado psiquiatra
americano, John Mack e seu atestado de próprio punho. “Atesto em qualquer
tribunal e coloco a minha cátedra de Harvard em jogo, se o que ouvi das
testemunhas não era a pura verdade.”
Não havia ali, naquele contexto, uma estrutura de jornalismo
investigativo para dar conta das demandas que um acontecimento discursivo como
o do ET de Varginha provocava. O que existia era um mercado incipiente de
jornalismo local em Varginha, que absorvia os recém-formados: pelo menos três
emissoras de TV, rádios, jornais impressos, sucursais dos principais veículos
da capital, faculdades. Jornalistas da região, do interior de São Paulo, da
capital, chegavam para ocupar os postos. Essa trupe se misturava em uma cidade
tradicional, o porto seco do café, como era chamada, criando um cenário
interessante e dinâmico.
Um novo jogo de poder se criava. Margarida narra a ameaça
de um fazendeiro que invadiu armado a redação do jornal depois da denúncia de
exploração de mão de obra nas lavouras cafeeiras. O jornalismo bom quando era
espelho cultural e odiado quando tocava em velhos vícios das elites.
Eram outros os tempos, sem internet, celulares. Para
cultivar uma fonte era preciso dividir uma cerveja e contava muito a dimensão
dos sentidos do repórter, a observação atenta, o dom da boa conversa, a
capacidade de se abrir ao outro, entender seu ponto de vista.
A cara das diretamente envolvidas com o episódio era
de susto, incredulidade diante daquilo que estavam vivenciando da noite para o
dia. Olha que nessa época não havia youtubers, instagramers e tiktokers da
vida.
O assunto aumentava audiência e vendas.
“Solicitamos 200 exemplares a mais de jornais naquele
domingo. Deu nem para o cheiro. Acabou tudo nas bancas antes das 10 horas e o
povo, louco, atrás de mais jornais.”
E criava um fenômeno, todos olhando para o céu.
Vasculhar as estrelas virou uma febre coletiva, o
programa noturno da moda. Leigos de toda ordem se autopromoveram a astrônomos
repentinos e se punham a explicar constelações e estrelas. E dá-lhe palestras
em escolas, euforia total em olimpíadas astronômicas. Era o boom do céu.
O livro de Margarida não oferece conclusões sobre a
história. Ao percorrer a memória da cobertura no calor do acontecimento
demonstra, antes, a luta incessante do jornalismo diante de um tema, digamos,
tão abstrato.
Um caboclo simples, um matuto e com vocabulário
restrito, as mãos grossas, calejadas pelo trabalho duro. Por que alguém
inventaria algo tão fabuloso: A pergunta ficou ecoando na minha cabeça por
dias.
Há um cuidado ético. Mais do que a veracidade ou não do
ET, Margarida nos oferece uma crônica de época, o modo como o jornalismo local
operava numa época pré-redes sociais. A sua memória, ao estilo do jornalismo
literário, não aprofunda investigações, mas fornece o mapa para os interessados.
Boaventura tinha os registros de que no dia 20 de
janeiro de 1996 havia entrado no espaço aéreo brasileiro uma aeronave da Força
Aérea dos Estados Unidos, na verdade um avião C-17, com capacidade para
transportar quase 80 toneladas. Essa aeronave foi para o aeroporto de
Viracopos, em Campinas (SP) (…) Edison Boaventura também conseguira a cópia de
uma autorização de voo para duas aeronaves menores e dois helicópteros,
partindo do aeroporto de Viracopos, com destino ao sul de Minas, naquela noite
(…) O controlador de voos Marcos Feres pedira segredo naquela época, mas hoje,
reformado, já confirmou essa informação em entrevistas diversas.
Em outro momento, Margarida lembra uma versão de um Major
da Escola de Sargento das Armas, de Três Corações, em entrevista coletiva.
O que ocorreu mesmo foi o seguinte: no dia 20 de
janeiro estava chovendo forte em Varginha, ocorreu um temporal, e nós estávamos
com uma solenidade aqui em Três Corações. Nós deslocamos dois caminhões até
Varginha para que fizéssemos a manutenção prevista. Em virtude disso (…) no
desenrolar de toda a história houve uma série de coincidências de fato. Havia,
no Hospital Regional de Varginha, um casal de anões, onde a senhora estava
grávida para ter o neném. Isso coincide com o fato de a ESA ter pego essa
criatura, ter colocado no caminhão e levado para o Hospital Regional, onde o
pessoal disse ter encontrado um casal de ETs (…) Naquele dia, depois daquela
inacreditável fala (o vídeo está na internet para quem quiser ver), fui para
casa acreditando com força no ET. Como nunca antes (…) A coletiva mais parecia
um teatro malfeito para crianças do maternal. E éramos todos bem crescidinhos.
Margarida relembra histórias saborosas, como o fim de
semana em que pegou seu carro e atravessou São Paulo para se encontrar com um
capitão do Exército, uma de suas fontes, que, como outros envolvidos na
história, fora transferidos de Três Corações após o acontecimento.
Nesse percurso, a história termina com Margarida e outros
jornalistas varginhenses na pirâmide de São Tomé das Letras, num dia de folga.
Uma luz misteriosa ao cair da tarde e a inquietação de quem é obrigado a
duvidar por dever de profissão, mas que vislumbrando, naquele ponto da
montanha, a imensidão do universo filosofa sobre sistemas solares, buracos
negros, ciência e mistério.
Diante da aparição, se perguntam se cada um deles vê a
mesma coisa.
Cada um no seu alcance visual, na sua interpretação
pessoal de tudo.
Espécie de síntese da experiência, com a lembrança quase
30 anos depois, de uma lição que as faculdades de jornalismo não deram. Os
enquadramentos não dão conta das complexidades de um real inapreensível. As
coisas têm muito mais do que dois lados.
***
* Pedro Varoni é jornalista e professor do
Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFSCar.
O Brasileiro pesquisador Edison Boaventura Júnior, fundador e atual presidente do Grupo Ufológico do Guarujá (GUG). Criador e idealizador da Revista OVNI Pesquisa - Na edição nº 7 : 25 anos do Caso VARGINHA. Apresenta uma ótima matéria sobre o tema.
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