Ex-Servidor Afirma Que o INPE é o Próprio Atraso dos Projs. Espaciais
Olá leitor!
Segue abaixo uma entrevista com Eng. Dr. Humberto Pontes Cardoso
(ex-servidor do INPE), postado no site “Jornal do
SindCT” de abril de 2013, jornal esse editado pelo “Sindicato
dos Servidores Públicos Federais na Área de C&T (SindCT)”, onde o mesmo
afirma que o instituto é o próprio culpado pelos atrasos dos projetos
espaciais.
Duda Falcão
Ciência, Tecnologia e Inovação - Entrevista
Humberto Cardoso Afirma que INPE é o
Próprio Atraso dos Projetos Espaciais
Conservadorismo e descompromisso com prazos
seriam os fatores determinantes
Por Shirley Marciano
Jornal do SindCT
Abril de
2013
Eng. Dr. Humberto Pontes Cardoso
O Eng. Dr. Humberto Pontes Cardoso trabalhou durante 20
anos no INPE, tendo chefiado a então Divisão de Estrutura e Mecânica - DEM
(hoje, Divisão de Mecânica Espacial e Controle - DMC) no período em que Marco
Antonio Raupp era o diretor do instituto.
Há 15 anos está
na iniciativa privada, atuando junto às empresas que fornecem equipamentos para
os satélites do INPE, e, por ter tido essa experiência em ambos os “lados”,
consegue ter uma visão de conjunto do Programa Espacial Brasileiro - PEB, por
vezes bastante crítica, e também sobre a forma como vêm sendo conduzidos seus
projetos.
Segundo seu
ponto de vista, o INPE é o principal agente para os recorrentes atrasos nos
programas de satélites, sobretudo porque o Instituto é muito conservador e
avesso a riscos.
Avalia que o
Programa Espacial Brasileiro precisa ser melhorado, e aponta o projeto do
satélite de telecomunicações como retrocesso no que diz respeito à total
ausência de transferência de tecnologia para o país.
Perguntado,
afirma categoricamente que não há nenhum tipo de lobby por parte das empresas,
mas defende um diálogo entre as partes, empresa e governo, para que os projetos
tenham continuidade, cumpram prazos e efetivamente tornem-se competitivos no
mercado internacional, pois hoje, de acordo com ele, as empresas têm tido muito
prejuízo e o governo não tem alcançado efetivamente seus objetivos.
Dr. Humberto é
graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp (1978), mestrado pelo ITA (1983) e
doutorado na UFSC (1996), ambos em Eng. Mecânica, com especialidade em Ciências
Térmicas.
Como foi sua
trajetória como engenheiro do INPE e quais foram os fatores que o incentivaram
a ir para a iniciativa privada?
Entrei no INPE
em 1979 e trabalhei lá durante 20 anos. Fui para o Canadá em 1984 pela Missão
Espacial Completa Brasileira – MECB, que era o programa para fazer os dois
satélites SCDs, que seriam lançados no VLS. Quando voltei, em 1985, foi a época
em que o Raupp assumiu como diretor, então fui nomeado como chefe da Divisão de
Estrutura Mecânica – DEM. Fiquei nesta função por um ano.
Também coordenei
a equipe de Controle Térmico de Satélites, quando implantamos o Laboratório de
Térmica, executamos o projeto térmico do SCD1 e SCD2 e desenvolvemos um
software de análise térmica (PCTER). Também criamos um programa de pesquisa
tecnológica visando ao atendimento de demandas futuras. Em paralelo, participei
do Conselho Departamental e fui eleito representante dos funcionários no
Conselho Assessor da Engenharia Espacial. Ajudei a fundar a Associação dos
Funcionários do INPE e o SindCT.
Em 1991, fui
fazer doutorado em Santa Catarina-SC devido ao embate político com o então
diretor do INPE, Márcio Barbosa. A nossa convivência ficou insustentável e eu
preferi o exílio.
No final de
1996, depois de concluir o doutorado, fui convidado pelo Dr. Ghizoni a
trabalhar na empresa Equatorial, onde me envolvi em vários projetos de
desenvolvimento tecnológico financiados pela FAPESP e pela FINEP. Um dos
produtos gerados é o SATER - Software Comercial de Análise Térmica, que utilizo
até hoje em meus projetos. No final de 1997, desliguei-me definitivamente do
INPE, aderindo ao PDV do governo federal. De 2003 para cá, passei a gerenciar
projetos de grande porte na empresa.
O senhor acha
que houve mudanças nas atividades das divisões de engenharia do INPE
comparando-se com o tempo em que estava lá? Seria verdadeiro afirmar que elas
estariam hoje perdendo espaço para a iniciativa privada?
Essa é uma
interpretação equivocada, pois foram transferidas para a indústria as
atividades de projeto e fabricação de equipamentos para satélites, mas
obviamente as pesquisas não.
O INPE precisa
se reinventar e deixar essas preocupações de que as empresas estão invadindo
sua área. Tem que ir atrás de conceitos novos, que são as pesquisas
tecnológicas fundamentais. Deve fazer estudos e gerar protótipos, e a indústria
continuar gerando produtos, com liberdade para inovar, criando um ciclo no qual
exista complementação entre um e outro.
O que está
esvaziando as divisões, a meu ver, é a falta absoluta de uma política espacial
e de novas contratações. O nosso programa de satélite é caótico, não tem
começo, meio, nem fim. Em um momento você faz um satélite de coleta de dados,
em outro você vai fazer um satélite de sensoriamento remoto com a China e
aborta o satélite de sensoriamento da MECB, que mesmo tendo sido fabricado,
nunca foi lançado. Depois faz uma cooperação com a NASA para lançar pelo Ônibus
Espacial uma câmera (CIMEX), que seria comprada da Aerospatiale Francesa.
Por um impasse,
devido a questões de segurança entre a empresa e a NASA, o projeto é
interrompido e creio que até hoje está sendo discutido na Justiça. Tivemos
também o acordo com a NASA para participarmos da construção da Estação Espacial
Internacional (ISS, na sigla em inglês). Depois de muita negociação e muito
dinheiro gasto, desistimos de participar e trocamos nossa participação pelo
treinamento de um astronauta. Tivemos ainda o SACI, tocado internamente num
clima de guerra, e que infelizmente não chegou a operar em órbita. Atualmente
temos a PMM que padece da falta de uma carga útil. Essa falta de foco
desarticula tudo.
O senhor tem
uma pequena empresa de Engenharia e Informática e também coopera dentro de uma
grande empresa, a Equatorial Sistemas. Qual a sua visão sobre o Programa
Espacial Brasileiro – PEB, enquanto empresário?
Atualmente estou
envolvido no projeto do CBERS 3 e 4 para desenvolvimento da câmera WFI. A
questão que angustia os empresários do ramo é a falta de continuidade dos
projetos.
Para
exemplificar, imagine que você organiza uma empresa para projetar, fabricar e
testar uma câmera, e, depois de entregue, terá que esperar cerca de 10 anos até
conseguir outro contrato equivalente. Com todo esse tempo é natural que tudo se
esvazie e a consequência é ter que recomeçar a partir do zero.
Como o processo
de desenvolvimento tecnológico se dá pelo acúmulo de conhecimento, as empresas
perdem a chance de aperfeiçoar seus processos e, o mais grave, ficam limitadas
na sua capacidade de inovar, tornando-as pouco competitivas.
Em 30 anos de
PEB, nenhuma empresa conseguiu gerar um produto espacial competitivo no
exterior. Nos contatos que fizemos com potenciais clientes estrangeiros, as
perguntas mais frequentes foram: “Este equipamento é qualificado em voo?”,
“Qual é o histórico de voo deste equipamento?”. As respostas em geral foram
“ainda não voou” ou “está em sua primeira missão”. Trocando em miúdos, ninguém
quer um produto que ainda não se qualificou em voo, e isso significa ter voado
com sucesso em várias missões por um número razoável de anos.
Veja o que está
acontecendo com a Opto Eletrônica, que desenvolve três câmeras para o INPE
(duas para o CBERS e uma para a PMM). Hoje ela está em grande dificuldade. Isto
ocorre porque o programa era para durar cinco anos, mas está sendo realizado em
sete anos e meio, e a empresa tem que arcar com gastos excedentes, que se
originam na necessidade das empresas manterem suas equipes por um tempo 50%
maior pelo mesmo preço contratado junto ao INPE.
Observe que a
mão de obra representa de longe o maior custo num projeto como este, uma vez
que o fornecimento dos componentes é responsabilidade do INPE.
Sobre a
questão do atraso do CBERS 3 e de toda a polêmica gerada, qual a sua opinião?
O problema dos
conversores DC/DC importados da americana MDI, componentes que geraram toda a
polêmica do atraso do lançamento do CBERS3, poderia ter sido resolvido há dois
anos, quando os primeiros componentes falharam ainda durante os testes do
Modelo de Qualificação da WFI.
Acontece que por
mais de um ano o INPE ficou desconfiado que eram as empresas que estavam usando
mal os componentes e demoraram muito para enfrentar o problema. Somente no
final de 2012 que o INPE reconheceu que o problema era de fabricação e de
projeto dos componentes.
A bem da verdade
é que a escolha da MDI para o fornecimento destes componentes se deu por falta
de opção, uma vez que os outros fornecedores internacionais mais conceituados
estavam impedidos de fornecê-los, devido ao embargo do International Traffic in
Arms Regulations – ITAR.
É bom explicar
também que a informação sobre os problemas com a empresa MDI só chegaram ao
nosso conhecimento depois da compra efetuada, não havendo, portanto, forma de
ter previsto que isso poderia acontecer. Por outro lado, também é verdade que
nós propusemos usar uma solução de circuitos discretos que dispensaria o uso
destes componentes, mas a proposta não foi aceita pelo INPE. Em minha opinião,
estes acontecimentos revelam duas grandes fragilidades do nosso programa
espacial: gestão e componentes. O ponto falho da gestão do programa pelo INPE
está na avaliação e gerenciamento dos riscos envolvidos nas várias decisões que
foram tomadas ao longo do projeto.
Numa análise de
riscos para tomada de decisão devem ser considerados parâmetros, tais como
custos, prazos (atrasos ou antecipação), perda ou ganho de desempenho ou
qualidade etc.
Entretanto, para
o INPE, a questão do prazo sempre pareceu irrelevante nas tomadas de decisão.
Com isso o cronograma foi sistematicamente afetado nas decisões de
gerenciamento de projeto, o que, por conseguinte, penalizou fortemente as
empresas. Outro aspecto que me parece evidente na postura do INPE é uma grande
aversão ao risco. As decisões ao longo do projeto foram marcadas por um excesso
de conservadorismo, impossibilitando que a empresa em vários momentos adotasse
uma solução ou procedimento inovador.
Creio que este
quadro se acentuou devido ao papel duplo desempenhado pelo INPE. Ou seja, ele é
cliente e fornecedor de componentes ao mesmo tempo. Assim, ele é responsável
pelo atraso na entrega destes itens, mas ao mesmo tempo é quem aprova ou não o
trabalho realizado pela empresa. Se forem detectados problemas, o atraso fica
compartilhado. Há, portanto, um evidente conflito de interesses.
Por fim, existe
a questão das especificações do projeto, que de tão detalhadas impedem
propostas de soluções inovadoras por parte da empresa. No caso da WFI, por
exemplo, o detector CCD, principal componente da câmera, foi especificado e
comprado pelo INPE, engessando todo o restante do projeto. A questão dos
componentes está ligada ao nível de qualificação exigido nos programas tocados
pelo INPE, e grande parte destes componentes está sob embargo do ITAR.
O senhor
considera que o projeto de desenvolvimento do satélite para telecomunicação é
um avanço?
É um avanço do
ponto de vista de se ter uma empresa “prime contractor” no país (caso da
Visiona, joint-venture entre a Embraer e a Telebrás); entretanto, é um
retrocesso se houver a avaliação de que é a compra de uma caixa preta, que nem
mesmo será integrada no Brasil. É uma volta ao ano de 1983, quando se adquiriu
o BrasilSat do Canadá.
Há afirmações
de pessoas que trabalham no INPE de que hoje há um lobby das empresas junto a
Agência Espacial Brasileira – AEB para desenvolvimento e continuidade de
projetos, a exemplo do que teria ocorrido para aprovação da versão 2 da PMM, ou
seja, não qualificou a primeira, mas já comprou a segunda. Qual a sua visão
sobre o assunto?
Sobre a PMM, se
a compra foi ensejada com o objetivo puro e simples de atender demandas das
empresas não acho correto, principalmente por não se ter a certeza de que irá
voar, já que a primeira PMM ainda não foi qualificada. Mas, sinceramente, não
acredito que exista lobby, pois as empresas hoje passam por grandes
dificuldades e não têm conseguido o amparo necessário para sobreviverem, haja
vista o exemplo da Opto Eletrônica. Até acho que deveria haver lobby, ou
melhor, um diálogo mais aberto entre a AEB e as empresas, pois na atual
conjuntura as empresas ficam em uma situação muito difícil.
Creio que
deveria ter um cronograma bem definido e transparente para ter continuidade nos
projetos, até mesmo para a boa saúde do PEB. A reclamação geral das empresas é
a de que o INPE é extremamente lento e burocrático e, portanto, perde a chance
de achar soluções mais baratas, rápidas e melhores. Parece que há uma certa
acomodação, pois não se fixam nem prazos e nem metas.
Fonte: Jornal do SindCT -
Edição 22ª - Abril de 2013
Comentário: Pois é leitor, tá ai a situação. É claro que
vista pela ótica de um ex-servidor do INPE que está hoje na iniciativa privada.
Entretanto, a entrevista do Dr. Humberto Pontes Cardoso esclarece pontos
históricos interessantes sobre os bastidores de vários projetos, inclusive
sobre o problema que ocorreu com o CBERS-3, dando em sua visão outra conotação sobre
o que aconteceu nesse episódio. Entretanto, tudo que está acontecendo é gerado
pela falta de compromisso do governo para com o programa espacial brasileiro,
que fica claro , quando o mesmo diz que o problema do PEB está na falta absoluta de uma política espacial, que
evidentemente cabe ao governo estabelecer. Em nossa visão essa política teria
de ser uma ‘Política de Estado’, com objetivos, metas e prazos rigorosamente
estabelecidos e cumpridos. Mas o que a gente vê na realidade é essa situação de
total descaso e falta de compromisso para com o programa, sendo que o que me
causa ainda uma revolta maior e ter de observar pessoas do segundo escalão do
governo que, em tese deveriam estar lutando em prol do PEB, irem a mídia para
dizer (com a maior cara de pau) que o PEB é estratégico e prioritário para a “PresidentA”
e os seus “Companheiros”.
" NESTE PAÍS, CONFIAR EM QUEM........."
ResponderExcluirNão tenho muito á declarar , sem palavras, sem adjetivos................sintome envolvido num mar de lama, se folheio uma revista, só resta corrupção, CPI´s, onde está a minha nação? onde estão os veradeiros brasileiros? resta-me apenas uma vontade, vontade de VOMITAR o que tenho engolido há anos, foi-se a verdade, foi-se a bandeira , foi-se o amor á pátria, tudo termina em CAOS! e tudo mais................"
Esta post ilustra o que eu já comentei aqui a algum tempo. Não podemos simplificar tudo colocando a culpa somente no governo, que por sinal tem culpa sim!. Mas falta de verba não é desculpa para os fracassos e a inercia do PEB, o programa espacial do Irã tem muito menos dinheiro que o nosso e já realizou muito mais e em menos tempo.
ResponderExcluirCaro Daniel!
ExcluirNão é assim amigo, isso é um reflexo de um programa que não tem comando. Realmente o Irã tem menos dinheiro que a gente, mas lá há constância financeira e comando, até porque a instabilidade política da região exige isso. No Brasil o programa não anda porque os orçamentos e planejamentos não são cumpridos pelo governo. Há inconstância financeira por causa dos contingenciamentos protagonizados pelo MPOG, e nesse caso amigo não há planejamento que dê certo. Veja você o caso do VLS-1 SISNAV, estava previsto pelo o governo liberar R$ 60 milhões esse ano para a realização da "Operação Santa Barbara" e para o lançamento no final do ano do VLS-1 SISNAV. Resultado só liberou R$ 16 milhões. Por causa disso que o GIL foi obrigado a fazer uma reunião recente em Alcântara, ou seja, para fazer um novo planejamento dos lançamentos de foguetes que estavam previsto para o ano de 2013, já que os recursos previstos foram contingenciados pelo MPOG. Tem sido assim tanto no IAE quanto no INPE e num universo como o espacial onde as ações dinâmicas são peças fundamentais para o seu sucesso, não há planejamento que funcione nessa situação e certamente distorções como essa citada pelo Dr. Humberto Cardoso tende acontecer, afinal vira uma casa de mãe joana.
Abs
Duda Falcão
(Blog Brazilian Space)
Considero muito interessantes essas visões de quem já esteve "dentro do sistema".
ResponderExcluirAs minhas opiniões se alinham em muitos aspectos às opiniões desse senhor.
Eu só não deixaria de fora a outra vertente da questão. Aquela responsável pelo desenvolvimento dos foguetes lançadores que está vinculada a outro ministério e sob controle militar.
Neste outro, os problemas se manifestam da mesma forma. Temos lá vários projetos de lançadores, projetos de motores a combustível líquido e mais uma mistura de estágios de combustível líquido e sólido. E tudo sendo tocado como se houvesse uma grande verba para todos, quando é óbvio e todos sabem que não há.
E como do lado dos satélites está claro que o Brasil não tem nenhum planejamento para produzir uma carga útil decente para ser lançada nos próximos anos, corremos agora um sério risco: se o único projeto de lançador viável, em boa parte devido ao interesse dos alemães (o VLM), der certo, o primeiro satélite lançado por um foguete nacional pode ser estrangeiro.
Seria um grande castigo, mas se acontecer, vai ser muito merecido.