Apelo para o Uso Sustentável do Espaço
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo escrito por José de Monserrat Filho e postado dia (28/04) no site do “Jornal da Ciência” da SBPC destacando o uso seguro e sustentável do espaço.
Duda Falcão
Notícias
Apelo para o Uso Sustentável do Espaço
José Monserrat Filho*
28/04/2011
O Fórum mundial dedicado aos 50 anos do vôo inaugural de Iuri Gagarin, promovido pela UNESCO em Paris no dia 21 de abril, serviu de palco a manifestações de preocupação diante dos crescentes perigos que hoje ameaçam o uso seguro e sustentável do espaço, sobretudo de suas órbitas mais úteis aos serviços indispensáveis prestados às populações da Terra.
O alerta veio da fundadora e atual presidente da Fundação por um Mundo Seguro (Secure World Foundation - SWF), Cynda Collins Arsenault, durante o painel sobre a importância da exploração do espaço para a educação, ciência e cultura. "Gagarin reconheceu tanto a beleza quanto a fragilidade do nosso lar", disse ela, referindo-se a Terra. E frisou: "É a hora de estudar o que deve ser feito para manter o espaço sustentável, a fim de que a humanidade possa seguir usando-o para fins pacíficos e benefícios sócio-econômicos".
O Fórum Mundial sobre o Uso Pacífico do Espaço reuniu nesse debate, além de Arsenault, Narendra Bhandari, da Academia Nacional de Ciências da Índia; Dominique Proust, astrofísico do Observatório de Paris; Kirkham Gib, diretor da Divisão de Sistemas de Exploração e Pesquisa de Aeronáutica da Nasa; e Thomas Culhane, cientista e pedagogo, do Iraque. Os moderadores da mesa foram Hans d'Orville, diretor-geral adjunto de Planejamento Estratégico da Unesco, e Kapitza Serguey, professor da Rússia. Na plateia, astronautas, profissionais das atividades espaciais de vários países, cientistas, astrofísicos, administradores, historiadores, músicos.
Arsenault, claro, ressaltou a ameaça provocada pelo lixo espacial, temido tanto por governos quanto por organizações internacionais e poderosas empresas multinacionais.
Para ela, é preciso adotar medidas para assegurar o uso seguro e sustentável do espaço em benefício da humanidade. A sustentabilidade das atividades espaciais, a seu ver, exige dois tipos de ação: 1) a gestão do lixo espacial, do espectro eletromagnético e do tráfego espacial; e 2) a gestão política, promovendo a estabilidade das relações no espaço e a prevenção de possíveis conflitos.
Cada gestão "requer novas normas, regras e mecanismos para proteger o patrimônio espacial global", explica Arsenault e salienta: esforço sério neste sentido é a criação, conduzida pela SWF, do Programa "Conhecimento da Situação no Espaço" (Space Situational Awareness - SSA), que buscará saber onde está o que a cada momento no espaço.
Esse programa, esclarece Arsenault, deve permitir aos atores espaciais operar de forma segura e eficaz, cientes das ameaças a enfrentar e habilitados a reduzir seu potencial. Arsenault está convencida de que o uso pacífico do espaço abre um imenso universo de possibilidades, mas, adverte, "precisaremos de cuidados especiais e um planejamento acurado para garantir que nossos filhos e os filhos de nossos filhos sejam capazes de colher os benefícios que o espaço promete".
Tal visão dos perigos que hoje povoam o espaço, infelizmente, não prevaleceu na reunião do Subcomitê Jurídico do Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço (conhecido por Copuos, na sigla em inglês), realizada em Viena, de 28 de março a 8 de abril deste ano. O órgão, criado em 1961, congrega 70 países para discutir os problemas jurídicos das atividades espaciais.
A proposta da República Tcheca de exame das questões legais causadas pelo lixo espacial não contou com o apoio de quatro potências espaciais - EUA, França, Japão e Rússia - para se tornar novo tema de discussão no Subcomitê Jurídico em sua reunião de 2012.
Em 2007, o Subcomitê Técnico Científico do Copuos aprovou as "Diretrizes para a Redução dos Dejetos Espaciais", documento técnico, sem valor legal e, portanto, não obrigatório.
A idéia tcheca era a de transformar as diretrizes técnicas em declaração a ser aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, porque, por aí, elas poderiam, no futuro, ser convertidas em tratado internacional, obrigatório para todos os países que o ratificassem. A perspectiva maior era, assim, a de criar um instrumento com força total para se enfrentar o desafio do lixo espacial.
EUA, França, Japão e Rússia não permitiram o consenso que aprovaria a proposta, alegando que suas empresas privadas poderiam ficar confusas e desorientadas com o debate sobre as diretrizes. As empresas, afirmam esses países, estão tratando de ajustar as diretrizes às suas práticas e qualquer mudança pode atrapalhar o processo.
O argumento parece ter convencido apenas seus próprios autores. Mas conseguiu deixar o assunto fora da pauta. Ele não será debatido em 2012, como a maioria dos países considerava pertinente e necessário. E quando o será? Impossível prever. Mas o tema é tão grave que, mais cedo ou mais tarde, pode acabar se impondo apesar das resistências.
O que se pode prever com certeza é o aumento crescente do monturo espacial. O Centro Unificado de Operações Espaciais dos EUA rastreia hoje cerca de 22 mil objetos espaciais maiores de 10 cm. Esse número dobrou desde o ano 2000. Dos 22 mil, apenas mil funcionam. Os demais são detritos. Quanto aos fragmentos de 1 cm de diâmetro ou ainda menores, calcula-se que já chegam a 700 mil. Um dejeto de 1 cm é capaz de desativar um satélite, enquanto um de 10 cm pode despedaçá-lo. Só em 2010, o referido Centro enviou mais de mil mensagens a governos de outros países, alertando para os riscos de colisão entre objetos espaciais ativos e/ou dejetos.
Gagarin nos revelou há 50 anos que "a Terra é azul". Agora, sabemos que o espaço está virando lixão. Em meio século, saltamos de um fato emocionante a uma constatação alarmante.
E ainda há quem sequer queira discutir o problema para se encontrar uma solução vigorosa e responsável, antes que seja tarde demais.
* José Monserrat Filho é vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, membro da diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial, membro da Academia Internacional de Astronáutica e do Comitê de Direito Espacial da International Law Association (ILA), e autor do livro Política e Direito na Era Espacial - Podemos ser mais justos no espaço do que na Terra? (Vieira&Lent, 2007) e de diversos artigos sobre questões jurídicas espaciais.
Fonte: Site do Jornal da Ciência de 28/04/2011
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