Cratera Guarda a Memória de Impacto de Corpo Celeste na Periferia de São Paulo
Olá leitor!
Segue abaixo uma nota publicada hoje (22/03) no site da
Agência FAPESP, destacando que Cratera guarda a memória de impacto de Corpo Celeste na periferia de
São Paulo.
Duda Falcão
Notícias
Cratera Guarda
a Memória de Impacto de
Corpo Celeste na Periferia de São Paulo
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
22 de março de 2016
(Imagem: arquivo de Victor Velázquez Fernandez)
Análise microscópica confirmou que a estrutura circular
existente
na área de Colônia, próxima à represa Billings, foi
produzida pelo choque de um
asteroide ou cometa.
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Uma grande
cratera, produzida pelo impacto de um objeto celeste, estende-se por uma área
de 10,2 quilômetros quadrados na periferia do município de São Paulo. A
formação geológica, denominada cratera de Colônia, situa-se a menos de 40
quilômetros do marco central da cidade, a Praça da Sé, na orla sudoeste da
bacia hidrográfica Billings.
Com o interior
atulhado por sedimentos e a borda coberta pela vegetação, a cratera permaneceu
ignorada até o início da década de 1960, quando as fotos aéreas e depois as
imagens de satélite puseram em evidência sua forma circular característica. A
primeira referência na literatura especializada data de 1961, com a publicação,
no Boletim da Sociedade Brasileira de Geologia, do artigo “Estudos
preliminares de uma depressão circular na região de Colônia: Santo Amaro, São
Paulo”, assinado pelos professores Rudolph Kollert, Alfredo Björnberg e André
Davino, da Universidade de São Paulo (USP).
Mas, como
estruturas circulares podem resultar de outros fatores, como o vulcanismo, por
exemplo, persistiu por muito tempo a dúvida sobre se a cratera de Colônia havia
sido realmente criada pelo choque de um corpo extraterrestre. Apenas em 2013,
graças a uma pesquisa conduzida pelo geólogo Victor Velázquez Fernandez,
professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São
Paulo (EACH-USP), foram finalmente reunidas as evidências que comprovaram a
hipótese do impacto. O estudo, que prosseguiu até 2015, teve o apoio da FAPESP:
“Cadastramento dos elementos geológicos e geomorfológicos da
cratera de Colônia para estabelecer uma estratégia de gestão e preservação
ambiental”.
Artigo
relatando as evidências foi publicado por Velázquez e colaboradores no International
Journal of Geosciences: “Evidence of Shock Metamorphism Effects in Allochthonous
Breccia Deposits from the Colônia Crater, São Paulo, Brazil”.
Artigos
posteriores do pesquisador enfatizaram também outro aspecto do tema, que é a
caracterização dessa formação geológica como patrimônio natural e área a ser
protegida e conservada: “The
Colônia Impact Crater: Geological Heritage and Natural Patrimony in the
Southern Metropolitan Region of São Paulo, Brazil” e “The
Current Situation of Protection and Conservation of the Colônia Impact Crater,
São Paulo, Brazil”.
“O impacto
produziu um buraco de 3,6 quilômetros de diâmetro, com cerca de 300 metros de
profundidade e uma borda soerguida de 120 metros”, disse Velázquez à Agência
FAPESP. “Mas, ao longo do tempo, e devido ao intenso processo de
intemperismo característico do território brasileiro, esse buraco foi
inteiramente preenchido por sedimentos e coberto pela vegetação, resultando em
uma área plana circundada por colinas. Foi uma evolução muito diferente daquela
ocorrida, por exemplo, na Cratera Barringer, no Arizona, Estados Unidos, onde a
estrutura geológica ficou praticamente intacta devido ao ambiente desértico.”
“No caso de
Colônia, a forma circular perfeita, registrada nas fotografias aéreas,
constituía forte indício de uma estrutura de impacto, formada pela colisão de
um cometa ou asteroide na superfície terrestre. Mas não era, por si só, um dado
suficiente para confirmá-la. Por isso, tivemos que partir para o estudo
petrográfico, com a análise microscópica dos sedimentos”, prosseguiu o
pesquisador.
Segundo
Velázquez, a coleta de material tornou-se possível devido a sondagens
realizadas na região para fornecimento de água potável. As perfurações,
realizadas na área sedimentar, chegaram a 300 metros de profundidade, até
encontrar a rocha dura. Devido a uma cooperação então existente entre a
Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e a EACH-USP,
amostras de sedimentos, colhidas metro a metro, foram fornecidas à universidade
para estudo.
“Nas amostras
coletadas, encontramos várias evidências. Uma delas, bastante forte, foi a
evidência de transformação de vários minerais, em particular, quartzo e zircão.
Para a transformação desses minerais é necessária uma pressão superior a 40
quilobars [40 mil vezes a pressão atmosférica padrão] e uma temperatura da
ordem de 5 mil graus Celsius. Esses patamares de pressão e temperatura são
característicos da potente liberação de energia resultante do impacto na
superfície terrestre de um objeto proveniente do espaço interplanetário”,
informou o pesquisador.
Com esta e
outras evidências do mesmo naipe, a hipótese do impacto foi demonstrada. E a
cratera de Colônia encontra-se, agora, devidamente inventariada na Earth
Impact Database (EID), uma base de dados internacional mantida pelo
Planetary and Space Science Centre (PASSC), instalado na University of New
Brunswick, Canadá. A EID contém a relação
completa das 188 estruturas de impacto confirmadas em todo o mundo.
Monumento
Geológico
Os estudiosos
ainda não sabem que tipo de objeto provocou o impacto, se um corpo rochoso ou
metálico, como o de um asteroide, ou um corpo constituído por gelo, como o de
um cometa. “Mas há, atualmente, 50 novas amostras em estudo no Canadá, que
poderão fornecer os dados que faltam para a determinação do objeto impactante”,
afirmou Velázquez.
Outra
expectativa é que a investigação ainda em curso possibilite estabelecer com
maior exatidão a data do evento. Por enquanto, a data estimada é bastante
imprecisa, situando-se em um intervalo de 5 milhões a 36 milhões de anos no
passado. “A importância de melhorarmos substancialmente a datação é que isso
criará condições para um estudo paleoclimático com base nos sedimentos
encontrados. Analisando, centímetro por centímetro, a composição da coluna de
sedimentos, desde a profundidade de 300 metros (correspondente à data do
impacto) até o nível da superfície (correspondente à data atual), será possível
compor um quadro bastante expressivo da evolução do clima na América do Sul e,
por extensão, no mundo”, explicou o pesquisador.
Por isso, a
cratera de Colônia possui, do ponto de vista científico, uma importância
inestimável. Mas, para que seu potencial se efetive, é preciso que o patrimônio
seja preservado e adequadamente manejado. A formação foi declarada “Monumento
Geológico” pelo Conselho Estadual de Monumentos Geológicos do Estado de São
Paulo (CoMGeo-SP) em 2009. Porém, quando isso ocorreu, parte da área já se
achava ocupada.
“Há, na borda
norte, uma ocupação menor e bastante antiga, promovida por colonos alemães que
chegaram à região por volta de 1840. Devido a ela, a área recebeu inicialmente
o nome de ‘Colônia Alemã’, denominação que mudou para apenas ‘Colônia’ durante
a Segunda Guerra Mundial. Mas há também uma ocupação mais recente, bem maior e
desordenada, ocorrida nas décadas de 1980 e 1990, que deu origem ao bairro de
Vargem Grande, atualmente com cerca de 47 mil habitantes”, disse Velázquez.
Com habitações
precárias e grande carência de equipamentos urbanos, Vargem Grande [não
confundir com Vargem Grande Paulista, que é um município da Região
Metropolitana de São Paulo, nem com Vargem Grande do Sul, que é um município da
Mesorregião de Campinas, no Estado de São Paulo] possui as mazelas características
de vários bairros periféricos das grandes metrópoles brasileiras. Como o lençol
freático é muito aflorado, devido à estrutura sedimentar do terreno, os
moradores não têm sequer a opção de cavar fossas sépticas, de modo que os
esgotos fluem a céu aberto.
“Em contraste
com a borda norte, a borda sul é ocupada por sítios cujos proprietários se
dedicam à permacultura [agricultura ecológica]. Isso é muito interessante,
porque são pessoas engajadas na preservação do meio ambiente. Existem ali matas
densas, com trilhas muito aprazíveis”, relatou o pesquisador.
A preocupação
em conservar o patrimônio geológico levou Velázquez e seus colaboradores a
incorporar ao projeto de pesquisa tópicos relativos à preservação ambiental e à
gestão da área.
“Com foco na
preservação, estamos atuando em três frentes distintas. Primeiro, na criação de
um site, abrigado no portal da USP, que possibilite a visitação virtual da
cratera, com acesso diferenciado para pesquisadores, estudantes e público em
geral. Segundo, na produção de um gibi em branco e preto, para ser distribuído
nas escolas de primeiro grau de Vargem Grande e colorido pelos alunos, de forma
que estes se sintam responsáveis pela área e se empenhem em sua conservação.
Terceiro, no trabalho de campo em educação ambiental e turismo ecológico”,
detalhou.
Velázquez
estuda regularmente a região desde 2005. E disse que, ao longo destes 11 anos,
testemunhou uma lenta mas consistente tomada de consciência da população local
quanto à importância de preservar a formação geológica. “Construímos uma boa
interlocução com as associações de moradores, que estão atualmente empenhadas
em iniciativas como o Movimento Cratera Limpa”, afirmou.
Das 188 crateras de impacto catalogadas pela EID,
existem apenas duas habitadas: Colônia, no Brasil, e Ries, na Alemanha.
Diferentemente do que ocorreu aqui, porém, Ries, cujos primeiros vestígios de
assentamentos humanos remontam ao período paleolítico, foi objeto de um
criterioso manejo. Em torno da cratera, de 24 quilômetros de diâmetro, estende-se
o primeiro
geoparque da Bavária, com 1.800 quilômetros quadrados de área.
(Imagem: arquivo de Victor Velázquez Fernandez)
Esquema mostrando, em corte vertical, a composição geológica da cratera. |
Fonte: Site da Agência FAPESP
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